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Opinião

As redes digitais, as fake news e as próximas eleições no Brasil

Trata-se de um marco político, social e tecnológico importante esse que vamos viver agora


26 de junho de 2018 - 10h19

Crédito: Clu/iStock

Pela primeira vez na história, as eleições no Brasil terão abertamente permitido o uso das redes sociais como plataformas de mídia na difusão de campanhas políticas.

É um marco histórico. Para o bem e para o mal.

Para o bem, porque campanhas em rede poderão atingir uma massa de eleitores considerável, sem necessariamente estarmos falando de investimentos gigantescos.

Para o bem, ainda, porque a difusão das mensagens dos candidatos será permanente, podendo ser acessada online, recorrentemente, já que na web os conteúdos ficam lá, à disposição de quem quiser, a qualquer hora, diferentemente do horário político da TV, que não é on demand, mas circunscrito a momentos predeterminados do dia.

Para o bem, adicionalmente, porque a web é hoje maciçamente acessada pelos aparelhos móveis, permitindo a vários estratos da população o contato com as mensagens políticas de partidos e candidatos de forma geograficamente, em tese, ilimitada, a partir de qualquer parte do País, na palma da mão.

No mundo digital, além disso, as campanhas podem ser reajustadas em tempo real, de acordo com a reação do eleitor. E dos movimentos populares, de temas que apareçam no meio do caminho e que tenham potencial de uso a serviço do candidato etc. Algo que nas campanhas tradicionais, em geral, é bem mais complicado e demorado de fazer.

Deverá fazer parte deste novo cenário do jogo eleitoral também a entrada em cena do uso de dados digitais dos cidadãos/internautas, permitindo uma gestão altamente eficaz das campanhas, como já se consegue fazer com as campanhas tradicionais de publicidade online e no e-commerce, em que se oferece ao consumidor aquilo que seu perfil indica ser mais adequado.

Agora, o lado do mau

E é exatamente por todos esses lados bons, que vêm juntos também, a reboque, todos os lados maus.

Dados, para começar, por tudo que já vimos no caso Cambridge Analytica, é uma zona de perigo gigantesca. Assim como aconteceu nos Estados Unidos e Europa, poderá, sim, acontecer aqui o uso indevido e desautorizado de dados de perfis dos usuários, notadamente nas redes sociais, mas não só nelas, para que, de forma invasiva, mensagens políticas sejam transmitidas.

Vem junto também o lixo das fake news, conteúdos produzidos por partidos e equipes de candidatos contra seus adversários e a favor das teses e plataformas eleitorais de determinados postulantes aos cargos eletivos.

Em conversa com um experiente marqueteiro político, a informação é que existem, sim, empresas especializadas na produção desse tipo de conteúdo, que trabalham por empreitada, com tabela de preço e prazos, tudo direitinho, como se fosse uma campanha normal qualquer de produto. Essas empresas deverão estar fortemente presentes nas nossas próximas eleições, podemos estar certos disso.

O uso das fake news pode ser altamente estratégico, independentemente de antiético ou ilegal, para as campanhas políticas. E embora se imagine que se trata de um bando de blogueiros simpatizantes de determinados candidatos postando mentiras a esmo, na verdade, os comitês políticos dominam essa arte com técnica. A mesma técnica apurada de mídia comercial, usada para uma campanha política

O post sobre o pretenso envenenamento do doleiro Alberto Youssef circulou no segundo turno das eleições entre Aécio e Dilma. Milhões de pessoas receberam pelo WhatsApp. É fake. Mas deve ter tido lá seu impacto, passando como verdadeiro para muita gente. Temos já, portanto, um caso de fake news digital importante no histórico eleitoral brasileiro recente (quem me mandou foi o Caio Simi, de quem vou falar mais adiante).

O uso das fake news pode ser altamente estratégico, independentemente de antiético ou ilegal, para as campanhas políticas. E embora se imagine que se trata de um bando de blogueiros simpatizantes de determinados candidatos postando mentiras a esmo, na verdade, os comitês políticos dominam essa arte com técnica. Os objetivos são claramente traçados. Os alvos claramente determinados. As mentiras cuidadosamente escolhidas e difundidas para públicos específicos, previamente determinados. A mesma técnica apurada de mídia comercial, usada para uma campanha política.

Os esforços dos órgãos reguladores e judiciais brasileiros, criando arcabouços legais restritivos, bem como tentando também criar estruturas policiais investigativas contra essas más práticas, temo, terão pouca eficácia contra as altamente eficazes redes do mal, que criarão, produzirão e distribuirão conteúdo fake internet afora.

Tudo tem estratégia

De um modo geral, a máxima é a seguinte: não há como mudar um eleitor convicto da ultradireita ou da ultraesquerda, esse não muda. Portanto, investir nele para mudar sua opinião é uma estupidez. Também não adianta investir em converter os já convertidos, ou seja, simpatizantes que já são simpatizantes. De novo, estupidez, perda de tempo e desperdício de verba.

O que está em jogo nas próximas eleições no Brasil, como aconteceu nos Estados Unidos entre Trump e Hillary, e vai novamente acontecer aqui (aliás, acontece com frequência como fenômeno social em várias eleições mundo afora), é a luta pelo indeciso. É esse cara que vai decidir o resultado final e ele é potencialmente acessível pela internet, tipo, na mosca.

Sobre a segmentação (ou microssegmentação, como veremos), vale a pena ler a explicação de Caio Simi, sócio fundador e CEO da empresa de big data e insights analytics Numbr, que atende o mercado de marcas em geral, mas tem especialização também em marketing político. Segundo Simi, há uma espécie de ambiguidade à vista: “Vejo algo que é potencial e aquilo que acho que vai, de fato, rolar na prática. Sem dúvida, as redes sociais têm um poder enorme. A tendência em marketing político é o uso do micro-targeting. Está todo mundo lendo essa literatura mais técnica entre os marqueteiros políticos internacionalmente, sobre microssegmentação de mídia para campanhas políticas, que a Cambridge Analytica, querendo ou não, popularizou. A partir do momento em que as campanhas políticas no Brasil têm menos dinheiro do que antes, naturalmente os marqueteiros deveriam tentar migrar do off-line para o online, que é mais barato e de alta eficácia nessa questão de microssegmentação, como nenhuma outra mídia pode ser. Isso prioritariamente na busca do eleitor que não tem candidato ainda. São os swing voters, que chegam a dois terços, segundo o Datafolha. No entanto, acredito que, na prática, não será isso que vai acontecer, por dois motivos: a maior parte dos políticos e marqueteiros é antiga e acredita pouco no digital; e o escândalo da Cambridge Analytica jogou água nessa potencial e eventual explosão do uso de mídia nas redes sociais nestas eleições”.

Isto posto, e supondo que o Caio tenha razão, me parece óbvio que os candidatos que, em vez de optarem pela via conservadora, souberem se estruturar para ocupar esse espaço digital recém-aberto de forma inteligente e competente, poderão de alguma forma ser mais bem-sucedidos que seus adversários.

Trata-se, portanto, de um marco político, social e tecnológico importante esse que vamos viver agora. Poderá ser também, como foi o trabalho feito pelos gestores da campanha de Obama em seu primeiro mandato, o momento de vermos como as redes sociais, e a internet, de um modo geral, podem ser poderosos instrumentos de engajamento político e fomento da democracia.

Se o mal ou bem vão vencer as eleições, veremos. Mas, para o bem ou para o mal, o aprendizado será rico.

Fiquemos vigilantes. E em busca sempre do melhor que a cidadania digital pode nos proporcionar e a toda a sociedade.

 

*Crédito da imagem no topo: Warchi/iStock

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