Dona Shirley e a exclusão da bagunça digital
Voz e desmaterialização das telas são alternativas para que mais pessoas usem os benefícios da tecnologia em suas experiências
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29 de setembro de 2020 - 10h42
—Mãe, clica aqui!
— O que é “cliclar”?
Então, minha gente, essa conversa realmente aconteceu entre mim e a minha mãe, numa das intermináveis aulas de inclusão digital que tenho dado para ela por conta da pandemia. Mamãe é uma senhora de 84 anos, foi professora primária, adora ler e hoje tem um problema de visão. Ela tem dificuldade para enxergar textos pequenos, devido a um problema na córnea. Apesar disso, é uma mulher ativa e lúcida que, há poucos meses, dirigia o próprio carro na cidade de São Paulo.
Isso não impede que o universo digital se equipare, para ela, a um infinito labirinto sem saída, onde os sinais não fazem sentido e nada parece funcionar como deveria. Vale acrescentar: essa dificuldade não é só atribuível a ela e à sua pouca experiência com tecnologia.
Meu amigo, você já tentou conversar com sua operadora de celular pelo aplicativo? Se cadastrar como cliente (sendo que você paga a conta todos os meses) no serviço online da companhia de energia e contestar o valor da conta? E resolver no app do banco o débito indevido na fatura do cartão de crédito?
Meus parabéns se você já conseguiu fazer todas as coisas acima com facilidade e sem passar nenhuma irritação. Você é ninja e eu quero te contratar para dar suporte para a minha mãe!!!!
Se já passou irritação com todos esses serviços, se a senha não veio, o app não funcionou, a internet caiu no meio da operação, o bot não serviu para resolver sua vida, bem-vindo à era da bagunça digital.
É esse momento em que temos dezenas de apps, sites, bots e uma miríade de serviços que, além de confusos e desconectados, muitas vezes não só não resolvem problemas, como também os amplificam.
Claro que nem tudo são sombras e há avanços. O comércio eletrônico é um excelente exemplo. O que seria dos varejistas e dos consumidores (e quão mais grave seria a crise que vivemos), se, durante a pandemia, não tivesse sido possível realizar compras online de produtos que vão de alimentos e remédios a itens para a casa a refeições prontas.
Ainda assim, essa conveniência não é para todos. As pessoas de terceira idade, muitas vezes, têm enorme dificuldade em beneficiar-se desses serviços. Pessoas com devices mais antigos, com acesso a internet de baixa qualidade ou mesmo com dificuldade de compreensão de textos, não encontram no digital solução fácil para os seus problemas.
É preciso dar um novo passo na inclusão digital. Talvez muitas pessoas não saibam digitar suas buscas no celular ou navegar por menus complexos e pouco amigáveis, mas, quando uma dessas pessoas aprende a usar o recurso de falar com o Google, ou mandar uma mensagem de voz no WhatsApp, imediatamente todos se tornam incluídos digitais.
Outro exemplo é o de pedir a uma criança que ainda não aprendeu a escrever para que escreva um texto no celular. Mesmo as mais novas rapidamente descobrem que o celular atende a comandos de voz e começam a ditar mensagens no WhatsApp e a fazer buscas no Google.
A inclusão digital através da voz se dá porque uma barreira crucial foi derrubada: a tela. Telas não são equipamentos naturais para um ser humano. Não chegamos ao mundo com uma tela instalada de fábrica. Já a voz é o primeiro instrumento de comunicação que usamos quando começamos a chorar, imediatamente após sair da barriga da mamãe.
O uso da voz e a desmaterialização das telas, como instrumentos da inclusão, são uma excelente alternativa para que mais pessoas se utilizem dos benefícios da tecnologia para alavancarem suas experiências como consumidores, cidadãos e indivíduos.
Há um desafio a ser superado, porém: o da empatia e efetividade. Quem já ficou horas pendurado num call center, teclando uma sequência interminável de botões e sem conseguir resolver os seus problemas, sabe do que estou falando.
Não basta apenas ter voz, ela precisa se humanizar e compreender o momento, o contexto e a realidade do indivíduo que está acessando aquele serviço. Não basta apenas eliminar uma tela se a voz não for efetiva na solução de um problema, com agilidade e eficiência.
Para desenvolver interfaces de voz efetivas é preciso usar princípios sociológicos (pela empatia), de arquitetura da experiência (para jornadas claras e efetivas) e recursos de IA (para escalar os serviços e incrementar a experiência dos usuários).
A disciplina da construção de jornadas de voz, aplicando recursos de IA e desmaterializando telas ainda é um campo novo. Recursos como os de assistentes virtuais de alguns varejistas, de smart speakers de empresas como Google e Amazon, ou mesmo assistentes como Siri e Google Assistant começam a pavimentar essa jornada e atrair um número cada vez maior de clientes.
Garanta que a sua marca faça parte da construção desse caminho, desmaterialize telas, crie jornadas de voz e experimente esse modelo de atendimento com clientes e vendas. Para a voz, somos nativos digitais e o seu negócio só tem a ganhar.
Dona Shirley, minha mãe, e milhões de outros brasileiros agradecerão muito, não pela inclusão, mas pela exclusão da bagunça digital de suas vidas.
*Crédito da foto no topo: Novendi Dian Prasetya/iStock
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