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Opinião

E se a Netflix se fundisse com o YouTube?

O que provavelmente sairia dessa “união” seria algo parecido com o TVer; pelo menos no Japão


4 de junho de 2018 - 18h46

Crédito: prasit chansarekorn/iStock

O ano era 2015 e as emissoras japonesas de televisão se depararam com um cenário de mídia inédito: sua hegemonia na preferência dos consumidores poderia estar perto do fim. Por décadas, a TV no Japão reinou absoluta, liderada pela estatal NHK —  sustentada pelos impostos de 80% dos contribuintes e pela profunda relação emocional da população com sua história — e seguida por emissoras locais comerciais. Mas, na capital Tóquio, suas cinco emissoras de TV aberta (TBS, Fuji, Nippon, Asahi e Tokyo TV) foram rápidas em notar sensíveis mudanças nos hábitos da população.

O crescimento vertiginoso dos smartphones a partir de 2011 (presentes hoje em 77,5% da população de Tóquio) e a imensa quantidade de downloads ilegais de programas de TV, associados à esperada fuga dos jovens do consumo dos meios tradicionais, acendeu a luz amarela. Hoje, a TV aberta possui 39% de participação de tempo gasto entre os meios (a mais baixa da história), enquanto o share de time spent dos aparelhos móveis somam 30,5% (os dados são de 2017), mais que o dobro dos 14,3% de 2013, quando começou a explosão da mobilidade. Grande parte dessa queda é atribuída ao público jovem, cuja desconexão com a TV aberta é inversamente proporcional à crescente conexão via smartphone em qualquer lugar.

Além dessa mudança de hábito, o cardápio de opções de entretenimento da audiência se ampliou mais ainda com a entrada das novas OTTs como Amazon, Hulu e Netflix no Japão, principalmente as duas primeiras, que se popularizaram bem rápido. Até mesmo a rede estatal NHK entrou no jogo para compartilhar a atenção dos japoneses, com o lançamento de parte do seu conteúdo distribuído na internet.

Essa situação que se desenhava levou o mercado de comunicação japonês a uma ação inédita: as cinco emissoras comerciais de Tóquio se uniram, passando por cima da usual competitividade que sempre pautou suas agendas, e criaram uma empresa em conjunto, a Present Cast. Em outubro de 2015, era lançada a plataforma gratuita de streaming TVer (pronuncia-se “Tea Bar”, com um inusitado acento nipo-britânico).

A ideia do TVer é transmitir, totalmente de graça como nas suas emissoras originais, uma programação selecionada pelas cinco emissoras em todas as plataformas digitais (celulares, tablets e laptops) por meio de um aplicativo amigável e intuitivo. Nele, cerca de 200 programas são disponibilizados para os cadastrados no app por uma semana após sua exibição na TV para serem assistidos via streaming quantas vezes quiserem. Tudo de graça. São os mesmos programas já exibidos na TV aberta, mas reempacotados em novo formato. Os comerciais ainda existem, mas com menor intensidade: cada break tem apenas 30”, geralmente preenchidos por comerciais de 15” (o formato padrão da TV no Japão). E com audiência também medida pela Nielsen.

Assim, o TVer funcionaria como uma espécie de YouTube do sol nascente se não fosse por um detalhe crucial: a experiência do usuário. A Present Cast desenvolveu uma tecnologia, a CMS (Content Management System), que usa algoritmos para “aprender” com seus usuários e recomendar a eles mais conteúdo sob demanda. Cruzando o big data da plataforma com o perfil de navegação individual (preferências de atores, atrizes, gêneros de programas, títulos de séries, temas de novelas, horários, tempo gasto etc.), o TVer consegue criar recomendações de programas e gerar mais envolvimento. Coisa de Netflix.

E funcionou. Nas quatro primeiras semanas, ainda em 2015, o aplicativo do TVer teve mais de um milhão de downloads. O dado mais recente, de abril de 2018, já conta com 12,6 milhões. A quantidade de programas disponíveis toda semana também saltou de 50 para 200, em que o gênero mais assistido são os “dramas” (um misto de novela brasileira com série dramática americana), por sinal as maiores audiências também na TV aberta. O reconhecimento da plataforma é alto, de 49% entre todos os telespectadores, e tem seu pico justamente em um dos segmentos de público mais difíceis de atingir, o jovem masculino, com 53%. Em pesquisa feita pela plataforma, a maioria dos assinantes afirma que prefere assistir depois aos mesmos programas que passam na TV, porém do seu jeito: em qualquer hora, em qualquer lugar, em qualquer aparelho. E sem o risco de downloads demorados, suspeitos ou ilegais.

Devido à grande aceitação da plataforma pelo “novo telespectador”, o TVer recebeu a adesão de outros parceiros, como três emissoras de TV de Osaka e conta com o apoio de quatro agências de publicidade (Dentsu, ADK, Tokyu, Hakuhodo). Hoje, o foco da plataforma está em aprimorar o sistema de recomendações e promoções para seus usuários fiéis e, no futuro próximo, criar atrativos para angariar assinantes e trabalhar formas inovadoras de publicidade. Pelo jeito que as coisas acontecem no Japão, esse futuro pode estar mais próximo do que pensamos.

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