Pyr Marcondes
3 de fevereiro de 2020 - 12h21
A gente vai ficando velho e vai ficando nostálgico. E a nostalgia, não tem jeito, é piegas. Ainda assim, vou ceder a esse deslize aqui.
Ter sido sócio e diretor de criação de uma agência de propaganda, a Grottera & Cia., (*), foi, certamente, uma das experiências profissionais mais gratificantes da minha vida e devo a ela a maior parte do que sei (é pouco, mas é o que temos para o momento) sobre criação, publicidade e agências de propaganda.
Hoje sei criar e olhar campanhas e todo trabalho criativo que passa na minha frente como quem fez e, de alguma forma e com alguma intimidade, entendo o oficio, a linguagem, a estética, a lógica e, ao fim e ao cabo, esse business. Digo, por dentro.
Mas o assunto aqui não sou eu, é quem passou por mim e me fez melhor. Quem dobrou meu paraquedas, como naquela história que você deve conhecer. E a quem agradeço que ele se abriu tantas vezes nas horas em que precisei.
Desde já, obrigado.
E desde já também, desculpem os que eu, por ventura, possa ter esquecido de citar. Velho é uma merda, esquece.
Sem dúvida alguma, os profissionais que vou citar aqui foram melhores do que eu e hoje, cada um do seu jeito, muitos deles andam por aí na vida, liderando em posições de destaque o fazer criativo. No Brasil e mundo afora.
Sem qualquer ordem hierárquica, mas apenas por que fui achando melhor assim, vamos aqui a uma listinha dos meus amigos (todos seguem sendo, graças a Deus) de jornada.
Os primeiros desavisados
Átila Francucci, ele mesmo, chegou um dia na agência vindo da house da Folha, com alguns textos de folhetos e anúncios de varejo, além de textos pessoais, buscando uma oportunidade de redator. Os textos pessoais, obviamente, eram os mais legais, e o Átila começou como um redator júnior para, em muito pouco tempo, se destacar com seu inequívoco talento.
O Átila seria diretor de criação renomado de várias das grandes agências do País, montaria agências próprias e segue sendo um dos grandes nomes da profissão. Ganharia, depois da Grottera, 17 leões em Cannes, festival do qual foi também jurado por três vezes. Ganhou Caboré como Profissional da Criação e teve (aliás, acho que ainda tem) brilhante atuação em campanhas políticas nos últimos 10 anos. Átila é hoje VP de Criação da Nova SB.
Mas nada disso se compara, nem de perto, às imitações que sempre fez de todas as figuras populares da época e seu espírito anárquico-debochado sobre praticamente tudo. Humorista e gênio.
Seu dupla era um cara chamado Marco Versolato, hoje e desde 2015, Chief Creative Officer da Wuderman Thompson, de Cingapura.
Chegou na agência mostrando como portfólio alguns cartões de visita. Eram meio crus, mas eram de alguém talentoso. Começou como diretor de arte júnior, virou sênior em pouco tempo, seguiu a vida pós-Grottera para se transformar em um premiadíssimo e leonado Diretor de Criação (mais de 20 leões de Cannes) com passagens, entre outras, pela Lew, Lara, Almap, DPZ, Y&R, DM9, até a Wunderman Thompson na Asia.
Na apresentação oficial do Versola, a gente lê assim: “I’m Marco Versolato and for the last year I have been for 2 years the Global Executive Creative Director for major brands at Unilever, like Lux, Lux Hair and Sunsilk and also have the pleasure to be the CCO of JWT Singapore, which holds exciting clients such as ASUS, Pizza Hut, Friso, HSBC, Johnson & Johnson, Shiseido, Shell, Samsung, CPF and Listerine.”
Fera.
Esses dois caras formaram a dupla mais hilária da agência por anos, porque criavam, além das campanhas, um volume sem fim de quadros de humor, que nos dava a todos vontade de acordar e chegar no trabalho para ver qual seria a nova dos dois no dia.
Pela Grottera passou também o Wilson Mateos, que chegou na agência para estagiar por ser filho de um dos meus sócios, o Beto Genistretti, e lá foi ficando e crescendo. Quando o Wilson chegou, imaginava-se que em não muito tempo, ao término do estágio, iria picar a mula, só que não.
Meus sócios brincavam que ele era o “filho do Pyr”, porque eu de fato o olhava com carinho, que nascia de eu enxergar nele um potencial e uma luz própria, que nada tinham a ver com o fato dele ter chegado na agência por ser filho de um amigo do dono.
Por persistência minha e talento dele, virou membro oficial e ativo da criação da agência. E sua história, antes de aceitar o cargo que ocupa hoje de VP de Criação da Leo Burnet, ele mesmo nos conta: “I accepted this position after working in the U.S. market for two years, where I was a CD at David & Goliath (Kia Motors) and 180LA (University of Phoenix). Before my big international adventure, I spent more than 25 years in the largest and most creative agencies in Brazil. I was a copywriter at FCB, Lew Lara TBWA, F/Nazca Saatchi & Saatchi, and AlmapBBDO; and was a creative director at NeogamaBBH, Y&R, DM9DDB, and CuboCC.”
O Wilsinho ganhou nada menos do que 11 leões de Cannes. Phoda.
Esteve por lá também o incrível e improvável Ad Murphy, ou Eddie, ou o Marco Antonio do Nascimento, certamente a história mais comovente da minha vida como diretor de criação e sócio da Grottera (a brincadeira com o nome do Eddie vem de sua irritante semelhança com o ator e comediante norte-americano Eddie Murphy … e que virou depois, claro, Ad Murphy).
No curriculum oficial do Eddie está lá … Grottera (São Paulo, Brazil) – Office-Boy, Controller, Traffic Assistant, Jr. Art Director, oct/92 – sep/96.
Isso mesmo, o Eddie chegou como office-boy. Vinha de bairro e família humildes. Entre um trabalho e outro de boy e, às vezes, ajudante de tráfego na agência, ia para o estúdio e ficava desenhando. Criava suas próprias versões das campanhas que estávamos trabalhando e vinha me mostrar. Demos chance pro Eddie contratando-o como o pó da rabiola do estúdio. Long story short, nosso Eddie passou como diretor de arte por algumas das grandes agências no Brasil para, em alguns anos, mudar-se para Europa, onde mora até hoje, mais especificamente, em Barcelona, na Espanha, onde é diretor de arte na agência C14torce.
O Eddie fala hoje Alemão, Inglês e Espanhol e sua lista de prêmios nacionais no Brasil e internacionais é impressionante. Num apanhado atualizado até 2019, estão lá listados mais de 100 prêmios, entre eles 10 leões de Cannes.
Seu primeiro trabalho oficial na Grottera foi um logotipo para uma empresa de energia. Orguio.
Quando experiência e talento se juntam
Três profissionais de peso e muito mais experientes do que eu atuaram na Grottera também. O brilhante designer e direto de arte Reginaldo Camargo, especializado em moda, de um bom gosto elegante de cair o queixo; o redator genial Jacó Cajaíba, criador, entre outras grandes campanhas, do leonado comercial “Carlitos” (ele e o Reginaldo faziam uma dupla, ambos já falecidos) e o Julio Mola, também designer e brilhante diretor de arte, que na época importamos da Europa, onde havia feito já campanhas lindas e de destaque internacional, e com quem foi para mim altamente gratificante trabalhar como dupla, sendo ele um profissional de padrão world class, como era (e ainda é … o Julio atua hoje na On Design).
O cara da gaivota de papel
O Drauzio Cragnani é hoje e há anos dono de sua própria agência, a Cragnani, não deixando de ser, ao mesmo tempo, um artista e curador de arte de renome.
O Dráuzio protagonizou, certamente, a história de abordagem de emprego mais criativa e inesperada de que pude participar.
Eis que certa manhã entra o segurança da agência na minha sala com um envelope nas mãos, dizendo que tinha um jovem lá na portaria esperando para ser recebido por mim e que não sairia de lá até que eu conversasse com ele. Abri o envelope e tinha lá dentro uma dobradura de papel no formato de uma gaivota. Fui desdobrando e havia nela um longo texto dissertativo explicando porque eu devia contrata-lo como redator. Basicamente, a ideia era que com ele e suas ideias inspiradas a agência ia voar. Genial.
Obviamente, contratei o Drauzio, que começou na agência como redator júnior. Criou campanhas sempre originais e uma marca socialmente relevante, Sou da Paz (já fora da Grottera).
Uma alma que voa e inspira quem o conhece, desde sempre.
Nossa filial no Rio e os dois mestres cariocas
Um dia resolvemos – na verdade, seguimos os sócios uma ideia original do Luís Grottera – abrir uma filial no Rio, com nossa admirável, altamente competente e eternamente querida Maria Alice Langoni, uma nacionalmente reconhecida profissional de planejamento, que se transformaria em nossa sócia e head do escritório carioca da Grottera.
Lá, tive a honra de trabalhar com dois dos grandes nomes históricos da criação do Rio de Janeiro, Delano D’Avila e Gustavo Bastos. Nomes que marcaram a criatividade do Rio de Janeiro e, de quebra, do País, por anos.
Quando vieram para a agência, em momentos diferentes da nossa trajetória, ambos eram já nacionalmente conhecidos e premiados.
O Delano havia revolucionado com seu bom gosto o padrão criativo do varejo brasileiro, com suas memoráveis campanhas para a Mesbla.
O Gustavo seria nosso sócio criativo no Rio e, bom, continua brilhantemente na ativa até hoje diante de sua própria agência, a onzevinteum, tendo se consolidado como referência na profissão desde sempre.
Os consolidados talentos nacionais
Pela criação da Grottera passaram ainda, todos premiados e hoje reconhecidos em suas carreiras no Brasil, o Fernando Rodrigues, VP de Criação da Z+, com longa passagem de 16 anos pela DPZ, onde chegou a diretor nacional de criação (numa agência com essa história, um feito de tirar o chapéu, sem duvida); o Marcelo Prista, o então Bolacha, diretor de criação de varias agências, mais recentemente na África e, finalmente, COO da Z515; o Wagner Brenner, redator, que quando contratei vinha da McCann – o que para a Grottera, na época, era um luxo – e que depois passaria por outras agências, mas cujo marco mais importante – eu, pelo menos, penso assim – foi o de ter criado o Update or Die (que o Walter Longo ajudou a crescer e tem, até hoje, o talentoso e querido Gustavo Giglio no comando).
Passaram por lá ainda o brilhante e inquieto redator José Carlos Godoy, torcedor do Santos como eu. Com ele, a agência ganhou alguns de seus primeiros prêmios e com ele aprendi que anúncio de oportunidade é oportunidade para a agência (e que ela deve, sem dúvida, aproveitar) e que ser inquieto e questionador pode ser a mola-mestra ininterrupta da criatividade.
Só porque criou o mundo, pensa que é Deus
Citação de luxo para o impagável e insuportavelmente talentoso Carneiro, Henrique Szklo para os íntimos, redator de alguns dos textos publicitários mais bem elaborados que já li, e que escreveu também livros hilários como o Só Porque Criou o Mundo Pensa que é Deus.
O Carneiro, depois de sua passagem pela agência, tornou-se meu colaborador com sua coluna Vida de Cannes, para a Revista da Criação, e segue sendo meu colaborador no site ProXXIma, sempre com sua visão crítica de humor judeu descendente em linha direta de Woody Allen.
O Carneiro é hoje um pensador da criatividade e comanda há anos seu projeto Escola Nômade para Mentes Criativas, espalhando criatividade com método e didática para quem quiser ter o privilégio de participar dos cursos e palestras que dá.
Os queridos
Passaram por lá ainda os adoráveis diretores de arte Reinor de Mello, há décadas com seu estúdio próprio de criação e desgin, o Art3; a redatora elegante e sempre sorridente Martha Duescher; além, é claro, de minha cumadre Marli Damian, com quem tive o prazer de produzir alguns livros, entre eles o que registra a história de 60 anos da ABAP.
Para finalizar, registro ainda que fui também diretor de criação da ex-planejadora, que migraria para a criação, Luciane Castagna, hoje mãe da minha filha Clara, e com quem estou casado há 25 anos.
Até essa felicidade a Grottera me proporcionou.
Todos esses excelentes profissionais, a maior parte deles bem mais talentosos do que eu, fizeram parte profunda da minha história e ajudaram a moldar o profissional que sou hoje.
A todos, um agradecimento sem fim.
(*) Virar sócio e diretor de criação da Grottera foi obra insana do Luis Grottera, então um dos nomes mais destacados e inquietos profissionais do mundo da mídia, planejamento estratégico e, depois, também como empresário, da nossa publicidade, notadamente nos anos 80 e 90. Foi o Luis que “inventou” o Pyr como Diretor de Criação. Como deu apenas meio certo, apenas meia culpa é dele :-). Devo aqui agradecimentos memoráveis também aos meus queridos sócios Manuk Masseredjian, Beto Genistretti, Ricardo Ramos, Maria Alice Langoni, Béia Carvalho, Gustavo Bastos, Manual Mauger, Paulo Grottera e Dilú Freire, que me aturaram e me estimularam nesses meus anos de criativo meia bomba.
(**) Estive na Grottera & Cia por 10 anos, desde sua fundação, em 1984, período narrado acima. Anos após minha saída, a empresa foi vendida para a TBWA.