Como as marcas emergentes nascidas no digital vem revolucionando o mercado de consumo.
Daniel Chalfon fala sobre as DNVBs, Marcas Digitais Nativas e Verticalmente Integradas, que revolucionam a lógica (e a eficácia) das marcas no ambiente da comunicação. E na prática, no mercado de consumo.
Num passado não tão distante, nos anos 80 e 90, as corridas de F1 eram bastante populares entre a molecada.
Atraídos por pilotos como Senna, Prost, Mansell, e o meu preferido Nelson Piquet, domingo era dia de assistir corrida na TV.
Mas sempre tive uma curiosidade especial por um cara chamado Michele Alboreto, piloto da Ferrari entre 1984 e 1988.
Me intrigava o fato de ele, mesmo tendo acesso a um dos melhores carros que a engenharia podia produzir, e apesar de alguns pódios e um vice-campeonato em 1985, nunca ter conseguido resultados muito expressivos.
Na minha análise simplista e superficial de adolescente, influenciada pelos comentários do Reginaldo Leme na televisão, eu deduzi que Alboreto era simplesmente um piloto fraco*, e que estava lá só para satisfazer a italianada que adorava ver um cara da sua terra dirigindo o carro vermelho da Ferrari.
O mundo das marcas de produtos de consumo me lembra cada vez mais a Fórmula 1 dos anos 80.
Empresas gigantes, tomando decisões difíceis de fazer sentido, e onde a entrega de inovação se resume normalmente a colocar mais ou menos ingredientes, mudar o preço, a embalagem ou qualquer outro aspecto pouco relevante no cotidiano de qualquer um.
M&A é o novo departamento de inovação.
Em Novembro de 2017 a P&G comprou aNative, uma marca de desodorantes naturais. Logo em seguida a Unilever fez o mesmo com aSchmidts.
Explica essa: Por que os maiores fabricante de desodorantes do mundo precisam comprar marcas pequenas que nasceram há apenas 3 a 4 anos?
Eles sabem tudo dessas categorias, tem os fornecedores, as fábricas, a distribuição e o marketing.
Não era mais fácil lançar uma nova marca?
É muito difícil uma grande empresa de “CPG” conseguir realmente inovar.
Os times são pressionados por resultados de curto prazo, e nunca conseguem transpor odilema do inovador.
E mesmo quando parecem conseguir algo, normalmente são melhorias incrementais, embaladas em uma estratégia de marketing bem orquestrada, mas dificilmente uma verdadeira transformação no mercado.
Entram em cena as marcas emergentes. Marcas Digitais Nativas e Verticalmente Integradas (DNVBs), que começam a jornada em um determinado segmento e depois vão conquistando adjacências, de maneira muito semelhante aocrescimento exponencialdas empresas de software.
O mercado brasileiro tem hoje ainda poucas DNVBs com escala, e muitas pequenas marcas com características mais de “lifestyle business”.
Talvez negócios lifestyle sejam incapazes de atrair recursos de Venture Capital, mas a somatória de muitos pequenos pode mudar a dinâmica de um mercado. Uma boa analogia é que aconteceu no mercado de cervejas artesanais.
Marcas emergentes se aproveitam de 3 tendências básicas, que as grandes corporações tem dificuldade em adotar:
Personalização com base na preferência do consumidor
Nas grandes indústrias normalmente quem decide um novo produto não é a tendência do consumidor. Até porque elas só conhecem o seu cliente final através de métodos indiretos como relatórios, consultores, pesquisas ou os chamados focus groups.
Quem decide se um novo produto vai decolar é o trade, o comprador dos grandes varejistas e distribuidores que atuam no meio da cadeia.
Se 10 milhões de reais forem investidos em campanhas para o cliente final, pode ter certeza de que o dobro disso estará sendo investido no trade marketing através de programas de relacionamentos, eventos, materiais, descontos, rebates e uma miríade de alternativas.
Enquanto isso DNVBs sabem tudo sobre o seu cliente e não tem intermediários nessa relação. Elas são capazes de usar milhares de pontos de informação para aprimorar seus produtos com base naquilo que realmente seus clientes demandam.
A combinação dessas informações de cada transação com o capacidade de ouvir de maneira ordenada o que está sendo falado nas redes sociais (social listening) cria uma relação honesta e produtiva entre marcas e consumidores que resulta em uma linha de produtos mais enxuta e sensata. É uma relação ganha-ganha. Clientes mais felizes com produtos mais relevantes e econômicos, e a empresa que evita custos desnecessários com trade marketing, pesquisas e SKUs que ficam encalhados.
A mudança na percepção de valor da cadeia de distribuição
O custo do frete sempre foi uma trava no e-commerce brasileiro. Os casos de insucesso no comércio eletrônico são frequentes, e o desconto no frete é um dos vilões dessa equação.
Só que o consumidor mais jovem começa a desenvolver uma nova percepção com relação ao custo de entrega.
A mudança de hábitos nas grandes cidades, o desapego da propriedade do automóvel, e a noção clara de quanto custa o transporte numa corrida de táxi ou de Uber tornam a conta da entrega mais palatável.
É preferível pagar 15 reais de frete ao supermercado do que gastar isso ou mais com transporte para se fazer as compras.
Essa conta, aliada a todas as inovações de entrega proporcionadas pelos Rappis e Loggis, começam a tornar a entrega de produtos muito mais simples e barata. E os consumidores começam a não se importar tanto em pagar essa conta.
Custos de marketing deixando de ser fixos para serem variáveis
O budget de marketing das grandes empresas já começa o ano bastante comprometido. Grandes pacotes, negociações para garantir descontos, pagamentos antecipados e outras oportunidades fazem com o que boa parte da verba destinada ao crescimento seja considerada praticamente custo fixo.
Nas DNVBs, mesmo com sua capacidade de crescer por maneiras orgânicas, o componente de marketing pago será sempre uma realidade necessária.
Mas ele é totalmente variável, deixando a empresa livre para crescer de acordo com a sua capacidade de caixa e retorno de cada atividade.
É o LTV, cara.
Quanto custa para a Nestlé ou Lever conquistarem um novo cliente para um novo produto?
E depois que ele comprou um novo chocolate ou um creme hidratante. O que elas fazem com isso?
Como vender para o mesmo consumidor de novo? Uma nova campanha de mídia na TV ou no Facebook? Descontos e promoções?
Uma DNVB conhece sua base um a um e é capaz de construir Life Time Value através de alta recorrência.
Some a isso:
Análise de dados em larga escala e o uso de inteligência artificial proporcionam um diferencial competitivo difícil de ser conquistado pelos fabricantes que atuam com a distribuição indireta.
Margens significativamente maiores do que os fabricantes tradicionais, porém menores do que a somatória das margens em cascata da cadeia tradicional, entregando uma vantagem financeira ao consumidor.
O fim do efeito 3G?
Um grande movimento dos últimos 20 anos em CPG foi a adoção do chamado “estilo AmBev” em diversas organizações, e a aquisição pela 3G Capital de gigantes como Budweiser, Heinz, Kraft e Burger King.
Famosos pelo corte intensivo de custos, e o chamado “orçamento base zero” o resultado durante diversos anos foi bastante favorável. Pelo menos do ponto de vista financeiro.
Recentemente parece que a fórmula começa a dar sinais de desgaste.
Nos últimos 12 meses a AbInbev perdeu 35% do seu valor de mercado e a Kraft Heinz desabou mais de 20% em apenas 1 dia após anunciar seus resultados.
Vamos lembrar que esse modelo normalmente sucedeu operações com farta gastança corporativa, e realmente foi capaz de construir valor aos seus acionistas durante um longo período.
Antes da fusão com a Inbev, uma frase comum na sede da Anheuser-Busch em St. Louis era “Spend money to make money and make friends”.
As mudanças impostas pelo sistema Ambeviano geraram um momento importante no universo de CPG, com decisões mais ágeis, melhores margens e uma revigorada geral em diversas empresas e segmentos que buscaram inspiração nesse modelo, adotando as mesmas práticas ou trazendo executivos com este background para seus times.
Mas se esse ambiente mais competitivo e informal, longe da opulência corporativa, foi capaz de revigorar algumas organizações, o corte exagerado de custos se mostra como repelente de uma nova onda de inovação.
Ao contrário: acaba decepando orçamentos de R&D, gera apreensão nas pessoas que trabalham nessas empresas, afasta bons parceiros que poderiam emprestar seu conhecimento, e em última instância afastam os melhores talentos que deixam as universidades todos os anos, colocando essas empresas em posições mais baixas na lista de suas opções.
Tenho a sorte de receber diariamente aqui na Astella pessoas brilhantes, vindas das melhores universidades do Brasil e do mundo, ou que construíram seus negócios do zero, sem jamais terem se preocupado em tirar uma carteira de trabalho.
Gente que não se ilude com os salários polpudos de início de carreira nos programas de trainee de grandes corporações e optam por ganhar uma fração disso por alguns anos em startups na busca de construir valor no longo prazo para suas vidas e para a sociedade.
E quando as melhores pessoas não querem mais trabalhar em um determinado setor, é o começo do fim.
Afinal, do que adianta ter uma Ferrari, se o piloto for o Michele Alboreto?
*
Minha análise simplista de adolescente estava errada.
Alboreto não era necessariamente um piloto ruim.
Pegou uma fase controversa da Ferrari, e ainda conviveu na sua geração com alguns dos maiores pilotos de todos os tempos.
Sua corrida memorável no GP de Monaco de 1985 ficou na memória dos fãs da Formula 1.
O piloto italiano esteve de 1981 a 1994 na categoria, correu 194 GPS, venceu 5 corridas e teve 2 poles.
Em 1997 venceu a tradicional corrida de 24 horas em Le Mans.
Faleceu tragicamente em 2001, aos 44 anos, pilotando um Audi R8.
Obrigado: Eduardo Correa pela consultoria de F1(www.gptotal.com.br)