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Sexo, Mentiras, Videotape e o Donald na Casa Branca

Na mesma linha, fabricar notícias que apoiavam a candidatura de Donald Trump também gerava mais resultado do que apoiar Hillary Clinton ou Bernie Sanders


18 de novembro de 2016 - 10h07

Leandro Cruz de Paula, VP of Operations, NOBOX

Em uma tarde qualquer na Palestina, Samir está checando as notícias no Facebook quando recebe um pedido de amizade de uma jovem. Ele aceita, começa a conversar e, em pouco tempo, estão se falando por video no Skype, indo muito além do que somente uma simples conversa. Na sequência, Samir recebe uma mensagem com um link. Toda a interação que ele acabara de ter com a garota havia sido gravada. Para não enviar o video para toda a lista de pessoas no Facebook de Samir, incluindo obviamente amigos e parentes, o chantagista pede Cinco Mil Euros. Quando Samir hesita, logo recebe um link para o video, agora público, no YouTube.

Voce pode achar que estou aqui descrevendo uma variação de um dos capítulos de Black Mirror, série produzida pelo Channel 4 Ingles e depois incorporada pelo Netflix. Mas na verdade, a história acima, com exceção do nome Samir, é bastante real e foi publicada recentemente em um artigo no site da BBC.
A cidade de Oued Zem, no Marrocos, da qual voce provavelmente nunca ouviu falar, é praticamente uma central de produção de esquemas como esse. A especialidade é focar em sexo e em homens do mundo árabe. Uma combinação que, segundo os chantagistas, é infalível.

Enquanto isso, em uma cidade chamada Veles, um outro grupo se prepara para um diferente tipo de ataque. Veles fica na Republica da Macedônia. Ainda está aí fazendo cara de conteúdo? Estamos falando da antiga Iugoslávia. Esse grupo, em grande parte composto de adolescentes, se especializou em um tipo diferente de conteúdo. Eles produzem notícias. Várias delas. Somente nessa cidade se administra mais de 100 sites, em sua maioria focados nos Estados Unidos. O único detalhe é que são notícias fabricadas, geralmente com uma manchete forte para ser compartilhada rapidamente pelas redes sociais.

No caso desses grupos na Macedônia o incentivo financeiro é mais legítimo do que o dos Marroquinos. Eles estão alimentando suas contas com verbas vindas principalmente do Google. Geram audiência para suas páginas, servem um banner da rede do Google e ganham alguns centavos de dólar por página. Fazer isso com audiência dos Estados Unidos é mais rentável do que com outras geografias, já que os valores pagos por impressões vindas de lá são mais altos. Na mesma linha, fabricar notícias que apoiavam a candidatura de Donald Trump também gerava mais resultado do que apoiar Hillary Clinton ou Bernie Sanders.
Um bom exemplo é uma notícia compartilhada quase um milhão de vezes reportando o suporte do Papa Francisco ao candidato Donald Trump. Ou a notícia de que Hillary Clinton estava sendo indiciada por crimes comprovados com o uso de seu email pessoal. Essa última, compartilhada mais de 140.000 vezes. Ambas completamente falsas.

Guardadas algumas diferenças entre as operações de Veles e de Oued Zem, fica claro que ambos os grupos encontraram uma forma de se beneficiar de um grande problema que vivemos hoje na Internet: as pessoas acreditam em qualquer coisa que leem ali e compartilham com uma enorme facilidade.
Histórias falsas e boatos sempre existiram, porém a tecnologia e a Internet potencializam e aceleram a disseminação dessas notícias. Para complicar um pouco mais a equação entram os algoritmos do Facebook. Da mesma forma que os jovens de Veles, o Facebook tem um incentivo bastante claro para investir na evolução do seu algoritmo, o aumento do engajamento dos usuários em sua plataforma.

É um círculo. Os usuários de Facebook interagem mais com posts que reforcem as suas próprias idéias. Quanto mais voce interage com esses posts, mais estímulo tem o Facebook de te mostrar artigos relacionados com o que voce gosta e isso faz com que voce, cada vez que abre seu Facebook, tenha suas idéias estimuladas, reforçadas e comprovadas. Mesmo que seja por notícias falsas. Aliás, se voce está lendo esse artigo, as chances de que ele esteja alinhado com assuntos que voce lê, gosta, concorda e provavelmente compartilha, são grandes.

O que para o Facebook é um círculo virtuoso que ajudou a companhia a chegar onde chegou, para muitos críticos é um círculo vicioso, que está sendo chamado de “Filter Buble” ou “Echo Chamber”. A bolha do filtro ou a câmara de eco, numa tradução livre. Com vários veículos Norte Americanos cobrando uma posição do Facebook e do Google, após a vitória surpreendente de Donald Trump, Mark Zuckerberg declarou: “É uma idéia maluca dizer que notícias falsas, que representam uma parcela pequena do conteúdo, tenha influenciado as eleições de alguma forma”.

É evidente que não é esse fator isolado que deu a vitória ao candidato Republicano. A própria Adage fez um artigo bastante detalhado mostrando como toda a estratégia de marketing dos Democratas somente ajudou a reforçar a posição de Trump. Desde um slogan de campanha fraco, “Stronger Together”, até uma estratégia de mídia equivocada, focada em converter Republicanos, ao invés de incentivar Democratas a irem votar. O autor do artigo, Simon Dumenco, escreveu: “A campanha de Clinton parece esquecer que Donald Trump anunciou sua candidatura há muito tempo e vem desde então falando centenas de coisas ultrajantes. Estamos todos acostumados com isso agora. Estamos inoculados. Gastar dinheiro tentando aumentar o sentimento de ultraje sobre o ultrajante Donald provavelmente não vai mover a agulha. E ainda tem um fator adicional: Voce está dizendo que sou um pai ruim por apoiar Donald Trump?”Em meio a tudo isso, Google e Facebook anunciaram no último dia 15/Novembro, que não irão mais servir anúncios de suas redes em sites com conteúdos ilegais, ilusórios ou enganosos. Já é um grande passo, pois dificulta o estimulo financeiro, mas não endereça o principal problema que é a disseminação dessas notícias, reforçada pelos algoritmos.

Mark Zuckerberg insiste em vários momentos que sua companhia não é um veículo de mídia, mas sim uma plataforma social e que portanto não influência as pessoas. Mas um estudo feito pelo próprio Facebook, com base em mais de 60 milhões de usuários mostrou que é possível estimular eleitores a votar, somente por mostrar que pessoas na sua rede de relacionamento votaram. Em outro estudo, mostrou-se que pessoas podem ser influenciadas em suas atitudes quando expostas a mensagens mais positivas ou mais negativas.

Tudo indica que, pelo menos por enquanto, o maior beneficiário de toda essa controvérsia são os jornais tradicionais. O Wall Street Journal viu um aumento de 300% na venda de assinaturas logo na sequência da eleição. Movimento semelhante aconteceu com o New York Times. No último fim-de-semana, John Oliver, um comentarista da TV americana, conclamou os eleitores insatisfeitos com o Trump a apoiar algumas organizações não-governamentais, entre elas a ProPublica, que viu doações ao seu site passar de 10 ao dia para 3 por minuto.

O que resta, para os profissionais de comunicação e marketing, é tentar extrair dessa história a nova dinâmica da disseminação das mensagens. O que as marcas podem fazer, de forma legítima e honesta, para ter suas mensagens distribuídas e compartilhadas pela Internet? Como fazer com que a mensagem da sua marca tenha mais credibilidade do que os posts sobre a Skol dando cerveja de graça ou a TAM sorteando passagens?

Voltando à Macedônia, um garoto de 16 anos declarou ao Buzzfeed, “Se Trump perder, vou redirecionar meus sites para o esporte”. Agora que ele será o novo Presidente dos Estados Unidos, imagino que o garoto continuará bastante ocupado pelos próximos anos com a política Americana. E quem sabe o Netflix resolva fazer um spin-off, combinando House of Cards com Black Mirror e lançando um novo seriado: Sexo, Mentiras, Videotape e o Donald na Casa Branca.

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