18 de agosto de 2014 - 7h56
POR PYR MARCONDES
pmarcondes@grupomm.com.br
O Brasil está entre os países que estuda separar sua internet da internet universal.
O Governo do PT, aparentemente, encantou-se com a ideia da balcanização da web – política divisionista derivada do ideário de vigilância digital do Estado, segundo a qual passaria a existir uma “internet brasileira” a serviço do controle do acesso de todos nós, cidadãos, à rede – já colocada em prática na China, Rússia, Irã e Iraque, entre vários outros países autoritários.
A imprensa internacional registra, por exemplo, que após o incidente de espionagem dos respectivos celulares envolvendo Dilma e Angela Merkel, que ambas as damas teriam iniciado conversações para criar um pipeline submarino sob o Atlântico, ligando com fibras óticas os dois países e criando uma infraestrutura de internet isolada dos domínios da NSA e do restante da internet como a conhecemos. E, principalmente, controlada por políticas próprias de segurança e espionagem.
Imagine a merda que isso viraria.
A balcanização da web vem sendo debatida há anos por técnicos e acadêmicos dentro dos muros da academia e em papers técnicos para nerds iniciados. Vem também sendo denunciada ao mundo por Julian Assange e seus companheiros do movimento cypherpunk, denúncias essas que, entre outras – como o vazamento de centenas de milhares de documentos de governos e empresas, denunciando violação de direitos internacionais e injustiças sociais, econômicas e políticas em vários países do mundo, Brasil inclusive – acabaram por lhe render o exílio em que se encontra há anos.
Mas há outras vozes gritando contra essa mesma ameaça.
Como brilhantemente definem em seu livro “The New Digital Age”, Eric Schmidt (aquele mesmo, do Google) e Jared Cohen, “a internet é o maior experimento na história humana envolvendo a anarquia”. É essa estrutura caótica e sem controle central que incomoda governos não muito simpáticos às liberdades democráticas e de expressão. E é ela, alertam os autores, que está sendo colocada em risco.
Em suas próprias palavras – leia em seguida, por favor, com atenção, este longo parágrafo – : “Alguns governos consideram muito arriscado ter milhões de cidadãos anônimos, não rastreáveis e não verificáveis – “pessoas escondidas”. Eles desejarão saber exatamente quem está associado a cada conta online e vão exigir verificações, em nível estatal, com o objetivo de exercer controle sobre o mundo virtual. A sua (sua quer dizer sua mesmo, caro leitor) identidade online não será mais, apenas, uma conta no Facebook. Ao contrário. Será uma constelação de perfis para cada uma de suas atividades online. E cada um deles será verificado e, possivelmente, mais que isso, também regulado pelo governo”.
Reparem que quem alerta para isso não é um incendiário dos Black Blocks, mas um bilionário que ainda senta no conselho do Google.
Bom, tudo isso a nível pessoal. Seu, meu, da sua família, dos seus amigos.
No nível das corporações e dos Estados, tem outro jogo pesado mundial em pleno andamento. “Cyber attacks” estão sendo efetuados cotidianamente por estruturas de segurança e de infiltração (leia-se, espionagem de governos e empresas) de e contra corporações, de e contra Estados. Trata-se de uma “Cyber War” em andamento bem aí, dentro do seu computador. E da sua empresa.
Temos visto no noticiário internacional que está em marcha a montagem de um novo cenário geo-político que se assemelha tristemente ao que vivemos durante as décadas da Guerra Fria. Os incidentes da Ucrânia e Criméia com a Rússia, que por sua vez tem a China como sua aliada ideológica e econômica, esboça a possível estruturação de um bloco de força de enorme poder e grande auto-suficiência.
Do outro lado, o chamado Ocidente, outrora terra da liberdade e das oportunidades, do Hino norte-americano.
Pois esse movimento tem seu perfeito espelho digital na internet, onde há já instalada uma guerra de poder, segurança, espionagem, invasão e dominação, da qual os escândalos envolvendo a NSA são apenas a ponta de um imenso iceberg cibernético.
Em seu livro “Cypherpunks, a liberdade e o futuro da Internet”, Assenge alerta: “O mundo está avançando a passos largos na direção de uma nova distopia transnacional. Esse fato não tem sido reconhecido de maneira adequada fora dos círculos de segurança nacional. Antes, tem sido encoberto pelo sigilo, pela complexidade e pela escala. A internet é nossa maior ferramenta de emancipação e está sendo transformada no mais perigoso facilitador do totalitarismo que já vimos. A internet é hoje uma ameaça à civilização humana”.
Assenge segue com o seguinte argumento (tome fôlego, outro parágrafo longo): “Atualmente, tenho visto uma militarização do ciberespaço, no sentido de uma ocupação militar. Quando nos comunicamos por internet ou telefonia celular, que agora está embutida na internet, nossas comunicações são interceptadas por organizações militares de inteligência. É como ter um tanque de guerra dentro do nosso quarto. É como ter um soldado entre você e sua mulher quando vocês trocam mensagens de texto. Todos nós vivemos sob uma lei marcial no que diz respeito as nossas comunicações online. Não vemos os tanques, mas eles estão lá”.
Essa não é a internet que tivemos até hoje. Muito menos a que desejamos.
É uma nova internet, verticalizada por instâncias geo-políticas e sob permanente vigilância, onde os direitos civis ficam submetidos aos caprichos e ideologias das forças no poder.
Leia mais sobre isso. Se não for impedida, essa guerra vai mudar nossas vidas, mais do que a internet mudou até hoje.
Para muito pior.
Se você achou este texto uma viagem de ácido incendiária, parabéns pelas suas certezas, convicções e pelo seu otimismo. Tomara que você esteja certo.
O risco é não estar.