ProXXIma
19 de abril de 2017 - 7h12
Por Henrique Szklo (*)
A tecnologia pode ser comparada a uma praia cujas ondas vêm aumentando de forma assombrosa e preocupante. Num primeiro momento, o que era apenas um agradável swell aos poucos foi ficando mais com cara de ressaca. A possibilidade de um tsunami, aliás, não é de todo descartada.
Até bem pouco tempo atrás, o sujeito nascia, crescia e morria e praticamente nada à sua volta era subvertido em termos de desenvolvimento tecnológico. Tirando o fato de que não existia anestesia, post-it e papel higiênico, a vida do homem que nasceu há 10.000 atrás era uma baba se comparada aos dias de hoje. Vivemos a era da Inovação Exponencial.
Além da quantidade indecente de informações que a Inovação Exponencial despeja sobre nós, o excesso de velocidade também alimenta nosso desconforto emocional. Antes de nos acostumarmos a uma novidade, outra mais avançada aparece para substitui-la, nos dando sempre a sensação aflitiva de que, se não fizermos a troca, estaremos perdendo algo que não temos o direito de perder. Mais: estaremos prescindindo de algo indispensável para nossa existência no planeta Terra. Pensando novamente na praia, uma onda mal acabou de arrebentar e lá vem mais uma. É um caldo atrás do outro. Até os siris andam meio desconcertados. Numa aparente contradição, quanto mais a tecnologia evolui, mais angustiados ficamos.
Adaptar-se a mudanças não é para amadores. Mas, convenhamos, nem os profissionais estão conseguindo dar conta do desarranjo emocional que um persistente reposicionamento mental nos provoca. Nosso cérebro necessita de um período mínimo para adaptar-se à novas situações. Quando somos atropelados por novos conteúdos de forma vigorosa e intermitente, a turbulência faz com que nosso cérebro perca o fôlego e a esperança. Neste momento ele entra no modo fuzuê de funcionamento.
A este sentimento implacável de afogamento emocional dou o nome de Transtorno Obsessivo Tecnológico, ou simplesmente TOT. Uma patologia grave que gera ansiedade e provoca compulsão incontrolável em tirar selfies, postar pratos de comida, compartilhar sentimentos fúteis, homenagear a vovó decrépita, externar orgulho pelo filho indolente, divulgar eventos ridículos, fingir felicidade, simular amor pelo parceiro, lamentar a morte do cachorro, elevar a hipocrisia à condição de arte, postar frases que pretendem ser engraçadinhas mas que apenas mostram a limitação intelectual de seus autores, desejar mais likes do que lives, redigir textões que ninguém lê (nem quem os escreve, aparentemente), considerar-se PhD em qualquer assunto, criar fã-clubes para BBBs e, claro, despejar ódio e revolta a torto e à direito como forma de exorcizar sua frustração por se sentir um pateta incorrigível.
Mas a pergunta que fica no ar é: aonde tudo isso vai nos levar? Sim, porque pelo andar da carruagem autônoma, em pouco tempo iremos acordar de manhã e, à noite, ao nos deitarmos, o mundo será totalmente diferente. Nós seremos totalmente diferentes. Apenas o show de fim-de-ano do Roberto Carlos continuará igual. Como nosso cérebro fará para suportar tamanha pressão? Ele será orgânico, eletrônico ou híbrido? Existe cura para o TOT? Um cérebro de tamanho e peso normal frita a que temperatura? Qual é a senha do seu wi-fi? Crédito ou débito? Onde é o toillete? Bem, estas e outras perguntas angustiantes provavelmente só poderão ser respondidas quando a Mãe Diná lançar seu aplicativo para Android e IOS. Para Windows Phone ainda não há previsão.
Quero deixar claro que não desejo de nenhuma maneira demonizar o avanço tecnológico como conceito. Mais do que uma estupidez, seria uma leviandade, principalmente vindo de alguém que estuda e reverencia a criatividade como eu. Só não podemos fechar os olhos para o exagero e suas consequências nefastas. Mesmo que as próximas gerações consigam controlar seu TOT, não podemos cometer o erro de conferir à tecnologia o papel de salvadora de todas as pátrias, uma espécie de deusa que nos livrará de todos os flagelos. A vida é maior que isso.
A tecnologia é sedutora e adepta ao sereísmo e seus cânticos. Contrariando os filmes e livros que retratam sociedades futuras sombrias e distópicas, ela jura de pés juntos que nosso futuro será brilhante. Um mundo limpo, justo, moderno, totalmente funcional. No pain, just gain. É muito difícil de acreditar que isso se realize. Não se esqueça de que continuaremos sendo seres humanos e, como tal, arrumaremos confusões, incitaremos conflitos, criaremos cizânias, enfim, continuaremos cumprindo nossa missão sagrada de promover o caos onde quer que a gente meta nossos narizes. A única certeza que eu tenho sobre o futuro é que o ser humano irá estragar tudo.
Mas vamos ser otimistas. Talvez nem precisemos nos preocupar tanto com o futuro da humanidade, pelo menos enquanto Donald Trump tiver um botão vermelho em sua cabeceira. Enquanto isso, vá tratar seu TOT. Tenta relaxar e viver a vida. Sei lá, vai pra praia pegar umas ondas. E não esqueça de postar as fotos no Instagram. As pessoas têm verdadeira loucura pra saber como é sua vida besta. #sqn
(*) Hernique Szklo é sócio fundador da Chickenz, escola de criatividade e desbloqueio criativo.