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O legado em risco

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O legado em risco


23 de abril de 2013 - 12h05

Por Fernando Murad

O principal argumento dos defensores das candidaturas do Brasil à sede da Copa do Mundo e do Rio de Janeiro aos Jogos Olímpicos para combater os críticos das empreitadas era o legado que o País usufruiria. No entanto, a pouco mais de um mês da Copa das Confederações, em junho, primeiro teste da infraestrutura que está sendo montada para receber os megaeventos, apenas três estádios foram inaugurados, e a população das cidades-sede não nota melhorias em suas vizinhanças. Mais do que isso, os projetos de mobilidade urbana que viriam junto com a Copa do Mundo tiveram redução de R$ 8,9 bilhões nos investimentos, deixando de fora grandes obras em várias sedes.

O Estádio do Engenhão, principal palco dos Jogos Pan-americanos de 2007, no Rio de Janeiro, está interditado por conta de problemas estruturais após pouco mais de cinco anos de uso. As demais praças esportivas erguidas para o Pan estão sendo subaproveitadas e o Velódromo será demolido por não atender aos padrões olímpicos. De projeto-piloto olímpico, o Pan se transformou em um guia do que não deve ser feito para receber um grande evento esportivo. E até hoje não sabemos o tamanho da conta para os cofres públicos.

A Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos movimentarão bilhões com direitos de transmissão, patrocínio, construção de arenas (só os estádios da Copa custarão R$ 7,1 bilhões, R$ 5 bilhões a mais do que as estimativas iniciais) e consumo de produtos e serviços. Mas, passada a euforia dos megaeventos, qual será o verdadeiro legado para o Brasil: benfeitorias urbanas, uma nova política esportiva e modernos estádios e ginásios que poderão ser utilizados por todos ou uma série de elefantes brancos e uma conta imensa a pagar?

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POLÍTICO
“Difícil falar em legado a um ano da competição, quando ainda não temos quase nada. Além dos estádios, o que ficará de infraestrutura para a população? Entre uma reflexão e outra, as conclusões não são nada animadoras. O governo reduziu em R$ 8 bilhões os aportes em mobilidade urbana. Obras importantes em São Paulo, Curitiba, Brasília, Natal, Manaus e Salvador foram retiradas da matriz de responsabilidade. A capital baiana foi a primeira a cancelar uma obra que iria melhorar vias e transporte público: a construção de um corredor de ônibus Bus Rapid Transport (BRT). Em seguida, Brasília cancelou a construção do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). Em paralelo, o custo dos estádios saltou de R$ 2 bilhões, quando da candidatura, em 2007, para R$ 7,1 bilhões, aumento de 250%, segundo o Ministério do Esporte. Estarrecedor, não?! Este é o raio X da Copa no Brasil até o momento. Há ainda informações, que não pude comprovar porque não sou especialista, de erros absurdos de engenharia, instalações elétricas e hidráulica nas arenas, o que indica que muitos estádios passarão por reformas depois do mundial. Diante deste cenário, sem obras de mobilidade e superfaturamento nos estádios, só nos resta o capital humano. O legado seria a qualificação dos nossos trabalhadores. Acho que os empresários têm este importante papel no momento. Mais do que isso, eles devem isso ao Brasil, já que serão os principais beneficiados com geração de receita, especialmente o setor de serviços.”

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ORGANIZADOR
Detalhar o legado não é tarefa simples. Ele estende-se por diversas áreas interligadas. Em algumas, o impacto gerado pela Copa já pode ser observado. Podemos falar em seis legados principais: econômico, de infraestrutura e tecnologia, esportivo, de marca, humano e de sustentabilidade. No primeiro, pesquisa feita pela Ernst & Young Terco, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, sobre o impacto social e econômico da Copa, mostrou que a competição terá injetado na economia brasileira R$ 142,4 bilhões ao final do período entre 2010 e 2014. Esse impacto deverá ocasionar uma arrecadação tributária de R$ 18,1 bilhões aos cofres de municípios, estados e federação. Em relação ao legado esportivo, a expectativa é de que 2014 inaugure uma nova era para os estádios em termos de infraestrutura física (visibilidade, gramado de alto padrão, acessos seguros) e serviço (assentos demarcados, hospitalidade, camarotes, oferta diversificada de alimentos e entretenimento, segurança privada). Seriam necessários mais tempo e espaço para falar de todos os setores impactados: geração de empregos (23 mil operários trabalham nos estádios hoje), capacitação profissional e aceleração de obras públicas e de mobilidade urbana que, independentemente de quando ficarem prontas, trarão benefício à população (são 60 obras finalizadas ou em andamento nas 12 sedes). Mas o maior de todos os legados sequer pode ser medido, como a promoção internacional do País e de sua cultura, e a maneira como a organização do evento mexerá com o orgulho e a autoestima dos brasileiros.”

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CONSULTOR
“Passada a euforia pela conquista dos megaeventos, o Brasil esportivo caiu na real, e a tese de que Copa do Mundo e Olimpíada promoveriam legados virou chacota. Sete anos depois dos Jogos Pan-Americanos, ainda não saiu o balanço do Tribunal de Contas da União. Nesse tempo, espaços esportivos ficaram ociosos ou ao abandono. Agora, tomam decisões para demolir tradicionais praças, como o Parque Júlio de Lamare, o Estádio Célio de Barros e o velódromo. Em meio aos desmanches, que incluiu a transformação do Estádio do Remo da Lagoa em área comercial, é evidente que os governos do Estado e do município do Rio de Janeiro não planejaram o pós-Pan. E, agora, não promoveram iniciativas integradas para os megaeventos, refletindo a falta de uma política nacional de esportes. Um plano, no mínimo, a partir da elementar prática de educação física na escola. Nesse contexto, obras urbanas também estão comprometidas para a Copa, reduzindo os investimentos em R$ 8,9 bilhões. A exemplo do Pan 2007, a falta de um trabalho integrado entre as três esferas de governo — federal, estadual e municipal — provoca disputa política partidarizada, dificultando o diálogo e o planejamento integrados. Na prática, é cada um por si, porque os recursos financeiros públicos estão garantidos. Mas o resultado dessa ação desastrada é o desperdício de oportunidades para o fortalecimento do esporte, repercutindo na desmotivação de milhares de jovens talentos.”

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MARKETING ESPORTIVO
“O que deveria servir de catalisador para uma mudança no País, provou ser um fiasco de planejamento, estruturação de projetos e legado. Os megaeventos têm o poder de gerar benefícios tangíveis que impactam positivamente a economia e a sociedade, e intangíveis que afetam sua imagem no exterior e a autoestima da população. Problemas de falta de transparência, obras superfaturadas, criação de elefantes brancos e falta de investimento em projetos de infraestrutura urbana provam que jogamos fora uma grande oportunidade. O Pan de 2007, referência do que não deveríamos fazer, acabou se repetindo numa escala muito maior. O grande erro é que não foi criado um eficiente plano estratégico de investimento e de legado. O setor público deveria ter incorporado ao projeto estratégico rigorosos índices de eficiência em diferentes áreas para que houvesse um efeito multiplicador a ser gerado pelos investimentos. Cometemos muitos erros e acredito que infelizmente pagaremos caro, tanto em termos financeiros como institucionais. O Brasil nem de longe passou a imagem que deveria para o mundo, a população está bastante descrente do real impacto para sua vida e os investidores privados olham com desconfiança para governantes e gestores. As marcas patrocinadoras podem cobrar dos envolvidos que pelo menos haja um trabalho bem estruturado de marketing e comunicação, para que a população abrace os projetos. Isso é essencial para que contribua com um retorno efetivo dos pesados investimentos que fizeram.”

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