O SXSW está vibrando conexão
A força conectiva da paixão e os vínculos afetivos como chave da evolução digital
A força conectiva da paixão e os vínculos afetivos como chave da evolução digital
12 de março de 2023 - 11h59
“Os cidadãos se transformam cada vez mais em consumidores e consumir passou a ser um estilo de vida e uma cultura. Os produtores estavam ansiosos para estimular mais demanda e mais consumo. As empresas lucrariam com o grau de expansão do desejo e das compras do consumidor”. Foi assim que Philip Kotler explicou, em parte, a revolução industrial do século 19 em um artigo publicado em 2020, provocando no ápice da pandemia, a contraposição entre o contexto de consumo que nos trouxe até aqui e a crescente da visão ESG. Há algumas décadas, o sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman também explorava a fragilidade das relações influenciadas e influenciadoras pelo mindset industrial. Bauman dizia “vivemos em tempos líquidos, nada foi feito para durar”, em um diálogo muito próximo com o acrônimo “BANI”, descrito em 2018 pelo futurista norte-americano Jamais Cassio para conceituar um mundo cada vez mais acelerado pela digitalização como “frágil”, “ansioso”, “não-linear” e “incompreensível”.
O pensamento de curto prazo que assumimos questionavelmente como um padrão único da era digital, nos faz questionar se estamos contrariando a evolução da espécie humana da lógica da escassez do nomadismo, para a busca pela abundância do sedentarismo, quando abandonamos a impermanência da vida itinerante e passamos a cultivar vínculos afetivos para viver mais e melhor em comunidades fixas. Até mesmo a palavra “nômade” ressurgiu com força nos últimos tempos, através da expressão “nômade digital”, realidade de aproximadamente 1 bilhão de pessoas até 2035 segundo o Relatório Global de Tendências Migratórias da Fragomen, o que vem estimulando iniciativas como a recente atualização na Lei de Estrangeiros de Portugal, que passa a emitir vistos para profissionais estrangeiros que atuam nesta condição.
É com esta inquietude que nos primeiros dias de SXSW, salta aos olhos e sentidos a potência da palavra CONEXÃO. Da sincronicidade– haja serendipidade! -, passando pela conexão entre trilhas de conteúdos e ativações aparentemente pouco relacionados, até a formatação de palcos como o do sempre tão aguardado futurista Rohit Bhargava, que mostrou na prática a força da colaboração, compartilhando o palco com um membro da sua rede de conexões, Henry Coutinho-Mason, com quem co-escreveu o seu mais novo livro “The Future Normal: How We Will Live, Work and Thrive in the Next Decade”.
Inúmeras pistas indicam que o tesouro do século está justamente em chegar na resposta de que não, a evolução digital não rompe com o princípio básico da condição de ser humano, que carrega repulsa à solidão cravada em DNAs sedentos pela sobrevivência. Muito pelo contrário, a tecnologia é meio para ampliar conexões regenerativas e reforçar o senso de comunidade e é exatamente essa base social que move muitos aplicativos, mídias e games tidos como referências de sucesso, assim como ativos do mundo físico de todos os setores: da arte ao consumo e da educação a saúde. Passando por mais de 20 nos últimos 3 anos, acompanhei campeonatos de games presenciais, como o The International, reunindo a gigante e diversa comunidade do jogo Dota 2; vi crescendo lojas multimarcas que fomentam diferentes tribos e as convidam para co-criar o espaço e suas ofertas, como a House of SuperStep da rede turca Eren Perakende; conheci hubs comunitários de estudo e trabalho de impacto, como a Temasek Shophouse em Singapura, orientada aos objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas; observei o hype de redes hoteleiras se aproximando do conceito de hostels, como o Superbude, que mantem áreas de vivência e consumo coletivos e estive em restaurantes como o Seven North em Viena, reconhecido por orquestrar um mix entre a culinária tradicional e contemporânea ao estilo “meze” – pratos compartilháveis, que se relacionam muito com a provocação do chef e humanitário, fundador do World Central Kitchen, José Andrés, que durante sua fala no SXSW articulou sobre o alimento que nutre conexões e afetos, nos instigando a projetar a substituição de “muros altos por mesas longas” ao redor do mundo.
Muitos já compreenderam que esse senso de pertencimento e sustentabilidade sociocultural e ambiental da economia do compartilhamento é a base do comportamento que guia pessoas, consumidores, profissionais e organizações na transição digital, até mesmo porque o maior valor da era digital não gira em torno do preço de produtos e serviços, mas sim de experiências, que acontecem através de narrativas sensoriais e imersivas, favorecendo relacionamentos baseados em propósitos e vínculos afetivos. Não à toa, estão surgindo cargos como o de gestão de comunidades e influenciadores estão sendo contratados para funções administrativas e comerciais dentro das empresas. Estamos fazendo de tudo para encontrar a fórmula de criação de comunidades inovadoras e rentáveis, enquanto acompanhamos altos volumes de resignações e demissões e lutamos por market shares cada vez mais fracionados, onerando investimentos para o desafiador processo de atrair, reter e fidelizar também o consumidor.
No meio do caminho, enfrentamos o desafio da falsa segurança, buscando manter modelos que trouxeram resultado até aqui: ofertas orientadas somente a preços para o consumidor, cargos, salários e até mesmo benefícios e condições superficialmente inovadoras, como algumas dinâmicas de trabalho “flexíveis” para o colaborador. Quem verdadeiramente busca pela jornada de construção de relacionamento e experiência, logo entende que soluções imediatistas, polarizantes e insustentáveis não geram retenção e fidelização no longo prazo. Quando relembramos que tecnologia é meio e não fim, também fica evidente que as conexões que buscamos não estão somente nas máquinas ou nos dados numéricos. O verdadeiro princípio está na humanização, tema que está mais vem sensibilizando a audiência do SXSW, reforçando estudos que crescem há alguns anos no mundo inteiro, como os apresentados pelo Fórum Econômico Mundial, apontando a necessidade do desenvolvimento de soft skills como a intuição e a empatia. O mesmo que é colocado por profissionais sérios da área da tecnologia, como o especialista em Inteligência Artificial Kai-Fu-Lee, que já esteve em uma edição passada do SXSW, defendendo a compaixão e a criatividade como habilidades humanas fundamentais para a evolução, inclusive, digital.
Ver uma plateia inteira no SXSW aplaudindo de pé a psicoterapeuta e escritora Esther Parel, em uma identificação gritante e frágil com a sua fala sobre a solidão mascarada pela hiperconectividade e a intimidade artificial, soma para esta evidência de que a prosperidade da era digital está no afeto, que envolve a autenticação de valores como o cuidado, a escuta, a ponderação, a preservação, a sensibilidade e, claro, o senso coletivo – por isso, alguns defendem esta como a “era do feminino”, o que nada tem a ver com o gênero em si.
Depois de tanto mecanizar, automatizar, padronizar e escalar processos e produções massificadas, estamos diante de um convite para retomar às origens, fazendo as pazes e cuidando da diversidade da natureza, incluindo nós, seres humanos em papeis de cidadãos, consumidores, profissionais e representantes de organizações. Este é o momento da ECONOMIA DA PAIXÃO, que traz uma nova perspectiva de pessoas e organizações protagonistas, motivadas pela força conectiva da paixão, com liberdade para manifestar suas individualidades e múltiplas camadas complexas e profundas, da mesma forma que Steven Grasse, autor do livro “Brand Mysticism”, defendeu em um painel a criação de marcas humanizadas e virais, através de universos amplos e multissensoriais, que instigam interesse continuo e conectivo com o público.
Neste contexto, pessoas são vistas para além de um cargo ou formação profissional, atingindo suas melhores versões de forma holística e trilhando jornadas de propósito, se apaixonando por quem são e pelos espaços que pertencem, onde desafios complexos são solucionados por ecossistemas inteligentes, diversos e flexíveis. Parafraseando mais uma vez o inspirador José Andrés “grandes problemas podem ser resolvidos de forma simples”. A formatação desta cultura de comunidade passa por uma cadeia que revisa os padrões hierárquicos vigentes, onde todos são produtores e receptores do produto, serviço ou experiência que se relaciona. E, se isso parecer um princípio evolutivo muito distante, basta usar as lentes da biofilia, ciência que estuda e reproduz modelos da natureza, e mergulhar em um dos tópicos em destaque no SXSW 2023 até aqui: a “internet natural” formada por fungos, que conectam e transportam nutrientes a partir das raízes de plantas aparentemente distantes acima do solo.
A adoção desta visão sistêmica responde ao desafio de criação de comunidades em dimensões de tempo e espaço não-lineares da era digital. Por isso, em um evento abrangente como o SXSW, estamos enxergando a inteligência de rede e fórmulas de conexão de forma transversal, como base de métodos que passam por pilares políticos, sociais, econômicos e ambientais, como por exemplo, comunidades e cidades inteligentes e negócios baseados em DAOs, organizações autônomas descentralizadas que formatam a WEB 3. E cá estamos novamente esbarrando na tecnologia, para reforçar o fato de que ela só existe como meio e é efetiva, se concebida e mantida pela humanização e conexões afetivas de pessoas que condicionam as suas existências a consciência responsável de impacto e legado enquanto agentes de transformação. Por sinal, ESG é exatamente sobre isso! Pessoas, profissionais e organizações que que adotam o movimento da Economia da Paixão como cultura de comunidade, entendem e provocam o despertar de pessoas e consumidores criativos, profissionais inovadores e organizações sustentáveis.
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