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Opinião

E se todo o poder fosse nosso?

O que aconteceria num mundo em que a força e a influência fossem das mulheres?


11 de outubro de 2022 - 8h33

(Crédito: studiostoks/Shutterstock)

Por alguma razão lógica que me escapa, seres humanos adoram listas. Gostamos de fazê-las e de segui-las. Não sou diferente, claro. No início deste ano, topei com a lista de livros recomendados por Bill Gates. Em meio a uma seleção de dez títulos, estava The Power (O Poder), da britânica Naomi Alderman, um romance de ficção científica, uma distopia sobre gênero. Não é exatamente meu tipo preferido de leitura. Mas uma provocação me chamou a atenção: o que aconteceria num mundo em que O Poder fosse das mulheres? Não estamos falando de um poder abstrato. Aqui, o poder é absolutamente físico. E absolutamente grande.

Na ficção de Naomi Alderman, garotas adolescentes começam a manifestar a capacidade de gerar e controlar ondas de eletricidade. É uma força que nasce na região do ombro, percorre o braço, chega até os dedos e que pode desde gerar leves estímulos de prazer até matar por eletrocução. O poder é exclusivamente feminino. Rapidamente, mulheres de todo o mundo descobrem que carregam em seus corpos uma força subjugadora. Meninas afastam, ferem ou matam assediadores e estupradores. Revoluções acontecem em países onde os direitos femininos são ignorados. Países descobrem que seus exércitos nacionais dependem da supremacia física feminina.

Esse poder eminentemente físico começa a se manifestar em diferentes esferas da vida em sociedade: da escola, onde os garotos vivem em constante estado de medo, à política, aos negócios e à religião. Para o cristianismo, Maria passa a ser mais importante que Jesus. No Islã, Maomé cede lugar para Fátima. A arquitetura exalta símbolos femininos. O crime organizado é liderado por mulheres, que exploram o tráfico global de uma droga que potencializa o poder natural. Pornografia continua a existir. Mas é o corpo dos homens que é explorado para o prazer das mulheres. Inicia-se, no mundo, uma era histórica baseada no matriarcado. Após muitos séculos de domínio alicerçado sobre a força física masculina, os homens perdem completamente o poder.

O resto é mais ou menos previsível. As poderosas mulheres não são um exemplo de “sororidade”. Há guerras por domínio de território e por fontes de energia. As batalhas são violentas e, ao final delas, as ganhadoras humilham, matam e estupram (os homens) com requintes de sadismo. Bebês do sexo masculino passam a ser rejeitados por seus pais. E, em alguns lugares, “frear” os pênis dos garotos passa a ser uma tradição, uma questão cultural.

Eu caminhava para o final do livro e estava irritada. O mundo distópico de Naomi Alderman, dominado pelo feminino, era violento, injusto, feio. Era a barbárie. Eu também não conseguia entender onde a autora queria chegar. Estava brava com uma história com cores tão berrantes, de tantos absurdos.

Não quero dar spoiler. Mas o fato é que só entendi – ou acho que entendi – a mensagem da autora nas últimas páginas, quando já imaginava que tinha perdido algum tempo com um livro que eu não conseguia decifrar muito bem.

O Poder começa e termina cerca de 5 mil anos após a Grande Revolução das Mulheres, quando um escritor (Neil) submete um romance sobre a história do matriarcado a uma poderosa, gentil e civilizada editora (Naomi, não por acaso). A angústia de Neil é que tudo o que ele escreve, de alguma forma, fica marcado como “literatura masculina”, o que reduz suas perspectivas de sucesso com a crítica e com o público. É aí que Naomi, um tanto constrangida, sugere uma saída: “Existe uma longa tradição de homens que encontraram uma saída para esse problema. Você iria estar em boa companhia. Neil, sei que isso pode ser bem desagradável para você, mas você já pensou em publicar este livro usando um nome de mulher?”

É aí que estamos. É o que o poder tem feito. E, nós, o que faríamos? 

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