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Elise Passamani: “Temos que mudar a cultura de disponibilidade infinita das pessoas” 

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Elise Passamani: “Temos que mudar a cultura de disponibilidade infinita das pessoas” 

A CCOO da Lew'Lara\TBWA deixou a vida de empresária em Goiânia para abraçar o desconhecido em São Paulo e se tornar pioneira na integração entre gestão de pessoas, operações e cultura em agências 


17 de novembro de 2022 - 9h26

Elise Passamani é Chief Culture and Operations Officer da Lew’Lara\TBWA (Crédito: Arthur Nobre)

Elise tinha uma empresa consolidada há dez anos, em Goiânia, quando recebeu uma ligação inesperada da tia que mudaria os rumos da sua vida. “O programa O Aprendiz vem para o Brasil e você tem que participar”, ela disse. Já era tarde da noite do último dia do prazo de inscrição e Elise tinha dúvidas sobre o processo de seleção de reality shows, mas foi na onda da irmã da mãe e se inscreveu. “Eu era superfã do programa do Donald Trump, então ela me convenceu. Levantei da cama, enfrentei todos os desafios da internet discada e consegui passar por todas as fases.” 

De repente, ela era um dos 16 participantes da primeira temporada do programa, apresentado pelo publicitário Roberto Justus e exibido pela Rede Record e pelo canal de televisão a cabo People + Arts, em 2004. O reality retratou a competição dos candidatos a um cargo em uma das empresas do Grupo Newcomm (do qual fazia parte a atual VMLY&R), até então liderado pelo apresentador. Demitida por Justus de maneira muito gentil no oitavo episódio, pouco tempo depois Elise foi chamada para trabalhar na então Young & Rubicam, principal agência do grupo localizada em São Paulo, e dali em diante tornou-se uma das principais profissionais brasileiras a estabelecer a disciplina de recursos humanos em agências de publicidade. 

Mas o caminho até chegar ao sucesso não foi fácil. Criada em Quirinópolis, cidade de aproximadamente 50 mil habitantes no sul do estado de Goiás, a então empresária foi de ônibus de sacoleira para a capital paulista, onde morou de favor por um tempo para iniciar sua carreira como assistente de recursos humanos na Y&R, onde ficou por quase 15 anos.  

Como vanguarda à frente do RH em agências, Elise, que tem 42 anos, abraçou temáticas inovadoras para a época. Seu primeiro plano de trabalho híbrido, por exemplo, foi feito em 2007. Em quatro anos na Y&R, ela já era diretora da área, e seis meses depois tornou-se diretora administrativa de todo o grupo. Em 2009, ela fez um plano de carreira de 10 anos e apareceu o desejo de migrar para a área de operações. 

Dito e feito: “Quando o Grupo Newcomm fez fusão com a Grey, agência que precisava de um posicionamento, me envolvi e comecei a incorporar a disciplina de cultura à área de recursos humanos. Antes, o RH cuidava da estratégia dos departamentos, e a cultura ainda não era um assunto nosso. Mas em 2013 passei a ser responsável pela unificação da Grey e isso passou e muito pela cultura”. Em meio a todos esses desafios, Elise ainda casou e teve gêmeos, Theo e Max, hoje com 10 anos. 

A executiva foi responsável por todos os processos de consolidação da Grey no Brasil. Foi aí, então, que fez sua migração de carreira para Operações, em 2017, quando tornou-se vice-presidente de Recursos Humanos e Operações. Foi o momento em que teve, também, papel importante nas movimentações de Marcia Esteves, hoje sócia e CEO da Lew’Lara\TBWA, até chegar a presidente da Grey. 

A executiva foi uma das participantes da primeira temporada do programa O Aprendiz, apresentado pelo publicitário Roberto Justus, em 2004 (Crédito: Arthur Nobre)

“Ela é uma líder que me inspira em todos os sentidos. Um fenômeno em todos os pontos de vista. Quando ela estava avaliando possíveis movimentações de carreira, eu, que era sua RH, devolvi: ‘confia em mim, você será a próxima presidente da Grey.’ A ascensão dela independeria da minha atitude, porque ela teria se tornado presidente em qualquer lugar. Mas foi ótimo participar dessa história”, conta. 

Mas Marcia decidiu sair da Grey e ir para Lew’Lara\TBWA em 2019, movimento que abalou Elise. “Não queria seguir sem ela, porque temos muito valores iguais e uma conexão especial. Aquele caminho que construí desde a fusão da agência estava se encerrando, e decidi encerrar meu capítulo também.” A executiva opta, então, por sair da Grey, mesmo recém-divorciada e com dois filhos para criar.  

Elise conta que recebeu duas ofertas de emprego de lugares diferentes, mas, ao se aconselhar com Marcia sobre o caminho a seguir, ela foi direta: “Você não deve ir para nenhum lugar, pois vai trabalhar aqui comigo”. Em janeiro de 2020, poucos meses antes do início da pandemia, a executiva entrou na Lew’Lara\TBWA. Por coincidência, seu primeiro desafio foi montar um plano de contingência a partir de hipóteses absurdas, como crises energéticas e ataques extraterrestres. Sem saber, eles estavam se preparando para a crise de Covid-19 que vinha pela frente. 

HERANÇA, SUOR E MÉRITO 

Elise assistiu o primeiro parto aos 13 anos. Naquela época, ela já tinha atividades no hospital do pai, onde ele também atuava como médico, nas férias de verão. Desde muito tempo antes, tinha certeza de que seria médica. Estudou muito para alcançar o objetivo na juventude, mas voltou do vestibular com outra certeza: não era mais aquilo que queria. “Meu pai achou que eu estava com medo de não passar, disse que era só uma desculpa, mas eu passei mesmo assim e não quis”, conta. 

Em 1998, ela já era dona de uma empresa em Goiânia. Decidiu, então, cursar administração. Isso porque, aos 14 anos, o pai de Elise a emancipou e ela abriu a primeira loja de conveniência do estado de Goiás, com ajuda da família. “Tive que encarar a vida real de ser uma adolescente e cuidar de um negócio. Eu tinha respaldo da minha mãe, que estava no dia a dia do posto de gasolina comigo, mas foi um desafio.” 

Antes de migrar para o mundo das agências de publicidade, Elise abriu a primeira loja de conveniência do estado de Goiás, quando ainda era adolescente, com ajuda da família  (Crédito: Arthur Nobre)

Agilizada e motivada pelo pai, que era focado em fazer ela e o irmão aprenderem a trabalhar desde cedo, ela logo fez cursos no Sebrae de como gerir um negócio. Elise começou a exercer atividades profissionais aos 12 anos, na franquia de comida da mãe num shopping novo de Goiânia. A função: emitir nota fiscal. “Ficava com o dedo roxo de carbono, mas já sabia o que era CNPJ. Lembro também que dormia em cima dos sacos de batatas enquanto minha mãe fechava o caixa.” 

O DESAFIO DA PANDEMIA 

Em março de 2020, Elise teve que conduzir um processo inédito em seus 18 anos de atuação em agências e 30 anos de carreira: a migração para um trabalho completamente remoto, com todos os colaboradores em casa. O esforço só não foi tão solitário porque ela estava em uma agência global. 

“Acompanhamos pela nossa rede o que acontecia do outro lado do mundo. Nossa agência na China mandou todos para casa bem antes de nós. Por isso, em março, já tínhamos essa perspectiva e estávamos com tudo pronto. Nossa ida para casa foi bem tranquila, mas foi uma loucura suportar e apoiar as pessoas durante aquele caos que todos viviam.” 

Elise diz que todos criaram a expectativa de que a liderança estaria ali para os colaboradores, mas a verdade é que todos estavam naquela mesma situação. “Lidar com todas as emoções, as transformações e a digitalização instantânea de todos os processos foram um grande desafio. Eu não tinha mais como ler as pessoas no corredor, e são nesses momentos de quebra que entendemos o que acontece com elas. Quem fica noiva, quem sofre violência doméstica… faltavam aqueles sinais, a linguagem corporal. Ficar sem enxergar o ser humano além da sua entrega me deixou cega.” 

Como Chief Culture & Operations Officer na agência, ela é responsável por toda a operação, processos e integração de pessoas e áreas na empresa, o que envolve a disciplina de cultura, projetos, produção e recursos humanos. No período da pandemia, então, o grande desafio que se apresentou para ela foi como estabelecer e evoluir a cultura da Lew’Lara\TBWA sem conhecer profundamente as pessoas e lidar com câmeras fechadas. 

“Foi difícil estar lá para pessoas que não queriam ser vistas e não estavam confortáveis em demonstrar medo, fragilidades e inseguranças. Demorei meses para entender que esse era o verdadeiro desafio. Do ponto de vista do negócio, estabelecemos a meta de não mandar ninguém embora e garantir que as pessoas sobreviveriam com seus empregos, salários e planos de saúde e de vida. Fomos uma das únicas agências a não fazer nenhum corte.” 

Em março de 2022, a agência voltou ao modelo híbrido, com a regra de que os dias presenciais aconteceriam para todos os colaboradores. “Queríamos garantir a integração, a risada alta, o bate-papo no banheiro e no café. Não abrimos mão disso e achamos que foi a decisão acertada. Foi importante voltar ao olho no olho. Mas, claro, não ficamos dependentes desse olhar único”, diz. 

AGÊNCIAS DE PUBLICIDADE, PESSOAS E OPERAÇÕES 

Ao refletir sobre os modelos de recursos humanos e operações das agências de publicidade ao longo dos anos, Elise vê uma grande mudança que envolve sobretudo o cuidado com as pessoas, mas ainda sente que há um longo desafio pela frente. 

“Antes, a operação era feita para servir o negócio. Era uma engrenagem construída com fins usualmente financeiros, a partir de metas claras. Doesse a quem doesse, era aquela engrenagem que precisava funcionar do jeito correto. Na Lew’Lara\TBWA fazemos operações para servir às pessoas, porque os resultados só vêm por meio delas. E isso envolve colaboradores, parceiros e clientes. Primeiro, pensamos no problema pela perspectiva dessas pessoas, e aí criamos soluções para servi-las.” 

Para a executiva, diversas coisas evoluíram nos últimos 20 anos na indústria, pois muitas empresas deixaram de ver as pessoas como meros números. “A pandemia acelerou a evolução do mercado e das relações de trabalho. Evoluímos muito em termos de gestão, e ainda vivo essa transformação, pois é o que tenho o privilégio de fazer aqui. O que direciona minha vida é me importar, e quando a gente se importa, a mágica acontece.” 

Contudo, Elise diz que o desafio ainda não acabou para o mercado de publicidade: é preciso mudar. “O que fizemos com a indústria foi uma atrocidade. Criamos a cultura da disponibilidade infinita das pessoas, e isso virou uma loucura. Muitos de nós estamos lutando contra isso há muito tempo, e essa mudança demorou a acontecer. Mas temos que mudar. Existe uma nova geração que também vem lutando contra isso, mas no meu ponto de vista, nem precisa lutar, porque isso é errado.” 

Elise: “O que fizemos com a indústria foi uma atrocidade. Criamos a cultura da disponibilidade infinita das pessoas” (Crédito: Arthur Nobre)

Na Lew’Lara\TBWA, há menção no contrato de trabalho com os clientes os horários comerciais, quando a agência pode atendê-los. Também há observações sobre reuniões consecutivas, horários de almoço e práticas do passado que hoje são consideradas prejudiciais ao colaborador. “Os fenômenos sempre existiram, mas agora damos nome a eles. Fora a internet, que mudou tudo. As pessoas colocam a boca no trombone mesmo.” 

Para o futuro, Elise sonha em fazer parte dessa transformação. “Empregamos direta ou indiretamente cerca de 600 mil pessoas no Brasil. Precisamos ser uma indústria-exemplo de coisas boas. Quero ver isso acontecer e trabalhar arduamente para chegar lá.” 

Na agência em que Elise está à frente, as coisas já estão mudando. Composta por quase 60% de mulheres, a Lew’Lara\TBWA tem 62% delas na liderança executiva. A equidade de gênero já é uma realidade, e tem representatividade maior na liderança. Mas a executiva não está satisfeita. 

“Não é porque temos esses números que deixamos de olhar para isso. Equidade vai além dos números, então temos alguns planos estratégicos pela frente.” 

A inclusão é uma pauta importante para Elise, na agência e fora dela. Responsável também pela área de produção da Lew’Lara\TBWA, ela tem uma meta ambiciosa: ser a primeira agência do país a fazer todas as peças de maneira inclusiva, e isso já está em curso. “Em pouco tempo, tudo o que criarmos para nossos clientes será acessível para todos os brasileiros. Teremos libras, audiodescrição e legenda para todos, para abraçar todas as diferenças, temporárias ou permanentes.”

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