Negócios, um assunto cada vez mais delas
Pesquisa mostra que o empreendedorismo feminino gera impacto positivo em toda a comunidade, principalmente porque é encabeçado por mulheres negras, mas precisa de apoio para se sustentar
Pesquisa mostra que o empreendedorismo feminino gera impacto positivo em toda a comunidade, principalmente porque é encabeçado por mulheres negras, mas precisa de apoio para se sustentar
8 de dezembro de 2022 - 12h50
Por Carol Scorce
Se para muitos trabalhadores tirar um projeto do papel e ter o próprio negócio é um sonho, para a mulher brasileira, empreender é uma realidade que se impõe. De acordo com a pesquisa Mulheres empreendedoras e seus negócios, realizada pela Rede Mulher Empreendedora (RME), mais da metade das empreendedoras são mulheres negras (60%), pertencem a classe C e D (74%), são mães (70%) e não possuem ensino superior (72%).
Quando levamos em conta o contexto das mães, empreender é uma realidade que se impõe duplamente, considerando que a maioria é demitida de seus postos de trabalho até dois anos do retorno da licença maternidade, o que gera um outro dado chocante: praticamente todas as mulheres precisam fazer transição de carreira depois da maternidade. A pesquisa da RME nos lembra ainda do gosto amargo que a pandemia de Covid-19 causou na vida de todos, mas especialmente das mulheres. A maioria das empreendedoras mapeadas começaram seus negócios há menos de dois anos.
Pandemia
O desemprego atinge historicamente mais as mulheres do que os homens, mas, na pandemia, a situação se agravou, uma vez que muitas delas tiveram que deixar o mercado de trabalho para cuidar dos filhos por conta do fechamento de creches e escolas infantis devido ao novo coronavírus.
No primeiro trimestre de 2020, 39% das mulheres em idade de trabalhar estavam desempregadas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística (IBGE). A taxa de desocupação das mulheres é 54,4% maior do que a registrada entre os homens, tendência que aumentou a partir de 2020.
E não é só a renda do emprego com carteira assinada que a Covid-19 afetou. Ana Fontes, fundadora e presidente da RME, explica que a natureza dos negócios liderados por mulheres também fizeram com que fossem mais afetadas na pandemia, como vestuário, beleza, estética, alimentação e serviços, que são tidos como “áreas de conforto”. “Era desesperador. Recebemos centenas de mensagens delas dizendo que estavam fechando os negócios. Mas logo também vimos algo que não é novidade, que é a mulher despontando em inovação. A empreendedora sabe ler o momento e se reinventar muito rápido”, conta Ana.
Empreender como solução. Solução como negócio
O estudo indicou que, para 41% das empreendedoras, a receita de suas empresas ainda não é suficiente para pagar as despesas do negócio. Já 35% dizem obter receitas satisfatórias para pagar as contas do empreendimento, mas apenas 11% têm a possibilidade de também poupar.
Parte dessa fotografia pode ser amortecida com linhas de crédito específicas para mulheres, com juros menores e condições de contrato que levam em conta as particularidades da vida da mulher trabalhadora. A falta de acesso a crédito é consenso como um dos principais entraves entre especialistas em empreendedorismo feminino.
Viviane Duarte, fundadora da consultoria Plano Feminino e do Instituto Plano de Menina, e head of connection planning da Meta na América Latina, lembra que a mulher empreende muitas vezes porque precisa, ou seja, não tem caixa para o negócio. “Ela está na luta. Ainda vemos muito romantismo nessa área. É preciso dar formação técnica especializada, investir em capacitação e ter dinheiro na mão. Sem isso, elas podem comprometer o pouco que têm e colocam toda a família em risco”, afirma.
A presidente do RME conta ainda que as chances de um negócio são melhores quando a mulher começa com pequenos passos e atuando em áreas já conhecidas. Ter uma rede de apoio especializada, uma comunidade envolvida nas mesmas questões, e uma mentora ou mentor para ajudar a superar as dificuldades dos três primeiros anos também podem ser cruciais para a sobrevivência da empresa, diz Ana. “E inovar, sempre. A empreendedora precisa estar atenta a tudo que acontece no mercado, porque ela está muito mais vulnerável nesse espaço”, acrescenta.
Por outro lado, quando a empreendedora recebe suporte para suas atividades, toda a comunidade se beneficia. Na pesquisa, quando perguntadas sobre quais propostas de políticas públicas mais impactam no seu voto, projetos para a área da Educação, como mais creches e escolas e acesso à universidade, e medidas para a geração de emprego e renda estão no topo da lista.
O dado não é novidade nem para Ana, nem para Viviane. As especialistas afirmam que as empresas lideradas por mulheres são as que mais geram impacto positivo na sociedade. Em geral, elas investem mais na contratação de mulheres, dão melhores condições de trabalho e salário e investem na formação dos funcionários. Na esfera privada, a renda gerada por essas empresas é usada para a formação dos filhos, saúde e melhorias das condições de vida da família e da comunidade no entorno.
Nem sempre empreender para as mulheres é uma escolha. Para aquelas que perdem o emprego, é uma solução, e para as que estão em situação de vulnerabilidade, é uma saída. Cerca de 20% das mulheres empreendem sem formalização do negócio, segundo a RME. Ou seja, são informais. A maioria é Microempreendedora Individual (MEI), cujo faturamento não supera 80 mil reais por ano. São pequenos negócios, mas que sustentam toda uma família. Pequenos negócios que alavancam a economia e o futuro das gerações dos seus filhos.
Uma medida importante, aponta Ana Fontes, é que tanto empresas privadas quanto empresas públicas tenham como política interna a compra dos produtos e serviços de pequenas empreendedoras. Uma forma de absorver a produção delas, umas das principais dificuldades, e de gerar impacto positivo na sociedade.
Imagem positiva para um impacto positivo
Mesmo com a falta de equidade entre mulheres e homens para conseguir abrir um negócio, que recebem menos investimentos e oportunidades, é na confiança que a mulher tem de si, ou na sua autoestima, que está a maior trava, e onde diversas redes de apoio atuam. Viviane, do Plano de Meninas e Plano Feminino, afirma que as meninas e mulheres da periferia, em maioria negras, apesar de todo o repertório adquirido, precisam confiar na sua capacidade.
“Na pandemia, recuamos muito. Foi um período duro, e elas perderam ainda mais renda, e às vezes perderam pessoas em casa. O nosso trabalho agora é a saúde mental. Precisamos dar suporte para que essa mulher saia do lugar do medo. As mulheres estão com a confiança afetada”, afirma Viviane.
A empreendedora é, por essência, uma generalista. Por isso, é difícil falar em uma formação amarrada para empreender. Buscar conhecimento sobre si mesma e sobre o negócio que se quer colocar energia é fundamental. “O que eu falo para todas as mulheres é que busquem autoconhecimento. Isso é absolutamente fundamental para entender quais são as suas forças”, diz Ana Fontes.
A Rede Mulher Empreendedora nasceu de uma das potências de Ana. Ela foi selecionada para participar de um programa de capacitação e aceleração da Fundação Getúlio Vargas há mais de dez anos. No primeiro dia de aula, ouviu dos professores que as mulheres ali eram as 35 “privilegiadas” de um universo de quase mil inscritas. Para a empresária, ouvir aquilo foi gratificante, mas muito incômodo. “Eu conhecia algumas dessas mulheres que ficaram de fora, e fiquei triste. Perguntei para os professores se eu poderia repassar o conteúdo para outras mulheres com a minha linguagem. De início, era um blog. Quando me dei conta, eram cem mil mulheres me acompanhando. E daí nasce a Rede Mulher Empreendedora”, conta.
A rede já impactou, desde sua fundação, há doze anos, 9,5 milhões de mulheres. E é na conexão e na troca entre elas que depositam as perspectivas de um empreendedorismo feminino com centralidade na economia e na sociedade.
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