“Quem aqui já foi chamada de mandona quando pequena?”
Por que ainda há uma incapacidade em perceber a confiança como sinal de liderança nata nas meninas?
“Quem aqui já foi chamada de mandona quando pequena?”
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10 de setembro de 2024 - 14h53
Com esta pergunta, a ex-diretora de operação da Meta (Facebook, na época), Sheryl Sandberg, provocou a sala lotada do Festival de Cannes de 2017. A questão, disse ela, é que há uma incapacidade em perceber este comportamento como um sinal de liderança nata nas meninas, que normalmente vem dos próprios pais. Ao contrário dos meninos, que são líderes desde pequenos, crescemos sendo criticadas por uma postura que depois nos é cobrada quando entramos no ambiente de trabalho.
A confiança daquela menina líder vai então sendo minada, ao ser atribuída à sua liderança um aspecto negativo. Não é à toa que a falta de autoconfiança já foi estigmatizada como algo próprio do gênero feminino: “Confiança é uma palavra altamente associada a questões de gênero, usada tanto por mulheres quanto por homens para justificar a progressão mais lenta das mulheres no ambiente de trabalho”, apontam Darren T. Baker e Juliet Bourke, em artigo publicado pela Harvard Business Review.
Mas vai além disso, segundo os autores: “Nossa pesquisa descobriu que a confiança não é apenas associada ao gênero — ela é usada como uma arma contra as mulheres. Quando as mulheres não alcançam metas de carreira, líderes tendem a atribuir isso à falta de autoconfiança. E quando as mulheres demonstram altos níveis de confiança por meio de comportamentos, como serem extrovertidas ou assertivas, correm o risco de exagerar e, ironicamente, serem percebidas como pouco confiantes”.
Esse duplo padrão cria uma situação difícil em que as mulheres devem equilibrar assertividade sem ultrapassar limites subjetivos de simpatia. Aquelas “mandonas” crescem e, se não sucumbirem à pressão, tornam-se mulheres que, ao frequentemente demonstrarem confiança, são rotuladas como agressivas ou arrogantes, enfrentando uma reação negativa que seus colegas masculinos não encaram.
A nossa autoconfiança é, em grande parte, uma resposta aos estímulos que recebemos ao longo da vida. A maneira como somos incentivados, apoiados e desafiados por nosso ambiente, desde a infância até a vida adulta, influencia profundamente o desenvolvimento da autoconfiança.
Um indício disso se reflete no estudo da American Association of University Women. Ele indica que as meninas começam a perder confiança em suas habilidades matemáticas e científicas por volta dos 12 anos, mesmo que suas habilidades e aptidões reais não se diferenciem significativamente das dos meninos. Talvez a origem dessa confiança maior venha do fato dos meninos serem incentivados desde pequenos a buscar desafios – incluindo o risco de fracasso – enquanto as meninas tendem a buscar a perfeição, julgando a si mesmas e sendo julgadas por padrões mais restritivos, reforçados pela mídia e pela sociedade em geral.
Esta busca pela perfeição foi demonstrada pelo estudo da Nature, que identificou que mulheres acadêmicas são menos propensas a submeter artigos à publicação, já que tendem mais a submeter trabalhos apenas quando estão confiantes de que estão completos e perfeitamente preparados.
Essa propensão tem um nome: Efeito Dunning-Kruger. Identificado pelos psicólogos David Dunning e Justin Kruger, esse viés cognitivo pode impactar o desenvolvimento da confiança, quando indivíduos competentes subestimam sua própria habilidade (e vice-versa). Vagas no LinkedIn até destacam esse viés, com objetivo de chamar a atenção do(as) candidatos(as) para este efeito, estimulando sua inscrição na vaga, mesmo que estes não cubram todos os requisitos solicitados.
Para dar um exemplo concreto: uma pesquisa interna da Hewlett Packard descobriu que as mulheres tendem a se candidatar a uma vaga de emprego apenas se atenderem a 100% dos requisitos listados, enquanto os homens se candidatam se atenderem a apenas 60% dos requisitos.
Esse efeito tem, obviamente, um impacto direto na predisposição ao risco de empreender.
Mulheres empreendedoras muitas vezes subestimam suas habilidades e têm mais medo do fracasso em comparação aos homens, o que pode impactar suas decisões de iniciar ou expandir negócios, como comprova o Relatório do Global Entrepreneurship Monitor.
Por exemplo, só agora percebo que levei mais tempo do que deveria para tomar a decisão de empreender. A insegurança, a superestimação do risco (ou melhor, a aversão à perda) me fizeram prorrogar a situação de estabilidade até o momento em que percebi que o incômodo era maior que o benefício daquele ilusório conforto. A gente só muda quando sente na pele o que Freud já dizia: “A mudança acontece quando a dor de mudar é menor do que a dor de permanecer o mesmo” (ou no mesmo lugar, no meu caso).
Além de ter implicações na própria saúde mental: a pesquisa global da Dove “The Real Truth About Beauty: Revisited” descobriu que apenas 4% das mulheres ao redor do mundo se consideram bonitas, e muitas relatam falta de confiança em sua aparência física.
Contrapondo a estatística apresentada anteriormente, fiz engenharia por causa da confiança adquirida com a matemática que, aliás, fui buscar fora do ambiente escolar. Matemática nunca foi abstrata para mim, porque ela era o que me ajudava a ajudar a minha mãe. Eu comecei a ver valor naquela ferramenta por volta dos 9 anos de idade, já que servia para fazer as contas do supermercado, enquanto a minha mãe colocava as compras no carrinho.
Meu objetivo era evitar o constrangimento da minha mãe de tirar produtos do carrinho — o que acontecia algumas vezes (o uso do cartão de crédito naquela época não era tão frequente, e vivíamos épocas de inflação galopante em que os produtos eram remarcados todos os dias). Dessa forma, antes mesmo de chegar ao caixa eu já conseguia antecipar o valor da compra, permitindo que minha mãe checasse se tinha dinheiro suficiente para pagar a compra toda. A matemática era a minha arma secreta para evitar ver a minha mãe desconcertada.
Minha habilidade na matemática era reconhecida pela minha mãe, que agradecia meu empenho em ajudá-la, e talvez isso tenha me tornado confiante para escolher a engenharia como profissão, diferentemente de outras meninas, já que, segundo o mesmo estudo, “os meninos são significativamente mais confiantes em contextos desafiadores de matemática do que meninas com habilidades idênticas”. Segundo a investigação, eles chegavam a avaliar sua habilidade como 27% mais alta do que as meninas.
Então, chegamos no ponto central. O livro “O Código da Confiança”, de Claire Shipman e Katty Kay, defende, a partir de diversos estudos e pesquisas, que a confiança não é apenas um traço inato, mas uma habilidade que pode ser desenvolvida por meio de práticas e experiências. Enfrentar desafios, praticar novas habilidades e aprender com o feedback são maneiras de aumentar a confiança.
No próximo artigo, descobriremos as 7 etapas para desenvolver a confiança a partir da história da Sheryl Sandberg, citada no início deste texto. Sua experiência, contada no livro, demonstra que a confiança pode ser desenvolvida e aprimorada com esforço consciente e estratégias direcionadas.
E você, como tem desenvolvido a sua confiança? Enquanto o próximo artigo não chega, aproveite para refletir sobre como a sua confiança evoluiu ao longo do tempo.
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