É impossível recuperar marcas muito desgastadas?
Caso da FIAT pode ser exemplo para entender fenômeno
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Mais que um testemunho, vou transmitir uma experiência da qual fui parte ativa. Atraída por condições vantajosas oferecidas pelo governo de Minas, a FIAT optou por se instalar nesse estado, ao invés de aproveitar o ecossistema automotivo consolidado no ABC paulista. Pagou um preço alto por depender de fornecedores novos para fabricar seu primeiro produto, o 147.
“O projeto é ótimo mas o carro é tão mal construído…” ouvi essa de um redator da própria agência que tinha a conta praticamente desde o momento zero. Ao invés de Fabbrica Italiana Automobili Torino a sigla passou a ter significados jocosos, todos negativos.
Mais de dez anos depois, a imagem da marca ainda tinha sérios problemas devido a essa percepção de falta de qualidade. A FIAT estava para lançar o Tempra, um carro moderno e bonito, um projeto bem mais atual que seus concorrentes diretos.
Essa agência dos primórdios, uma das maiores do país, agora dividia a conta com a agência em que eu trabalhava, menor, mas que se destacava pela criatividade. Provavelmente para impressionar o capo da FIAT no Brasil essa agência trouxe um consultor americano, famoso por ter cunhado a frase “positioning is in, creativity is out.” para opinar sobre esse lançamento, crucial para o futuro da montadora italiana, mesmo em nível internacional.
O famoso consultor estudou as pesquisas e decretou: não lancem com a marca FIAT. Ou seja, entendeu que a marca estava tão comprometida que tornaria o lançamento um fracasso. Foi ao ponto de dizer que deveriam criar uma outra rede de concessionárias, sem ligação com as existentes.
A agência em que eu trabalhava estava começando a operar com essa conta. E acabou que eu e o executivo de contas fomos escalados para ir conhecer esse carro em Betim, ainda em fase de desenvolvimento. Logo era apenas para dar uma volta, bem pequena, pelas instalações da fábrica e examinar o carro, sem tirar fotos.
O executivo que nos acompanhou foi quem nos contou essa opinião do consultor. Tendo começado a carreira criando para VW e caminhões Mercedes, tendo também atendido a Ford, minha reação foi imediata: se vocês fizerem isso, podem enterrar a marca FIAT no Brasil de uma vez por todas.
O consumidor brasileiro é muito diferente do americano. É outra cultura. Os formadores de opinião aqui se mantém atualizados e veem o Tempra com grande expectativa, e positiva, acham que é um animal novo no meio de dinossauros. Eles estão mais do que cientes dos planos da FIAT. Se a própria montadora renegar a paternidade, concluirão que considera o desgaste de sua marca irreversível, logo é uma empresa em que não se pode confiar mesmo.
Algum tempo depois dessa conversa surgiu o rumor que a FIAT estava cogitando escalar a agência em que eu trabalhava para lançar o Tempra mas, no fim, a pressão do outro lado foi grande. Acabamos ganhando produtos já existentes.
A outra agência parece ter optado por uma solução menos radical que a proposta pelo famoso publicitário americano: lançou o carro como “Tempra by Fiat”.
Creio que os consumidores formadores de opinião não devem ter dado muita atenção para essa sutileza, mas acharam o carro bom e ele foi um sucesso. Não muito tempo depois, já por outra agência, na condição de VP Executivo/Diretor de Criação, tive oportunidade de atender novamente a FIAT e creio que com duas campanhas em particular pudemos ajudar a reverter a imagem negativa da marca.
Em um momento em que o mercado se aproveitava da escassez de produtos disponíveis para praticar ágio, o então Diretor-Superintendente da FIAT tomou a corajosa decisão de sacrificar sua rede para agir ao contrário. Com isso o mercado viu que a empresa, além de carros mais modernos que os dos concorrentes, estava comprometida em respeitar os consumidores. Nossa campanha passou esse recado com bastante clareza.
A esta altura o Tempra inicial já tinha evoluído para um motor 16 válvulas, mais potente, e recém-apresentado a versão turbo, topo de linha. Creio que foi o primeiro carro de passeio com motor turbo original de fábrica no Brasil. Com esse dispositivo ele tinha desempenho equivalente ao do único modelo no mercado que era voltado para altos executivos, com motor grande convencional. Ainda eram os tempos de importação restrita.
Notei que a FIAT não estava explorando essa paridade do Tempra topo de linha com seu concorrente, então o veículo mais desejado do país. Propus então um pequeno esforço, concentrado na mais importante revista voltada a negócios do Brasil. Uma sequência de anúncios página dupla.
Em um deles estava um pedaço do couro que era usado no estofamento do Tempra Turbo, provando que era tão ou mais luxuoso que o concorrente. Em outro, colocamos o chip que controlava o turbo, com a correspondente explicação do seu funcionamento, uma vez que essa tecnologia era ainda pouco conhecida pelo público-alvo no país.
O diretor de marketing foi contra, “não temos verba”… mas o Diretor-Superintendente percebeu a oportunidade e imediatamente mandou achar o dinheiro extra. Creativity was in, naquele momento.
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