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Opinião

No divã

Passadas as eleições, alguns atores da sociedade, como a imprensa, precisarão de uma reflexão mais profunda do seu papel nesse cenário em que tecnologia, democracia e empatia parecem não compor uma sentença harmônica


22 de outubro de 2018 - 18h47

(Crédito: Evandro Leal/ Agência Freelancer/ Folhapress)

O vale-tudo típico das campanhas eleitorais entra em sua derradeira semana.

Ao encerramento da votação na tarde do domingo, os discursos de vencedores e vencidos terão de dar lugar a ações práticas, respectivamente, para a formação do novo governo e para a construção de uma frente de oposição. Esse impacto será visto também em outros setores da sociedade, uma reorganização natural de posicionamento e forças que ocorre com maior intensidade quando há deslocamento no eixo de quem exerce o poder.

Alguns atores precisarão fazer uma reflexão mais profunda do seu papel nesse cenário em que tecnologia, democracia e empatia parecem não compor uma sentença harmônica.

Instituições independentes existem para garantir que o equilíbrio e a isonomia nas decisões estejam protegidos, seja qual for o viés ideológico do governo vigente. Para executar essa nobre missão de maneira contemporânea, não basta apenas ética e bom senso, que continuam sendo requisitos básicos para quem compõe o chamado sistema de freios e contrapesos. É preciso tanto dominar as novas ferramentas de comunicação e influência quanto compreender o espírito do tempo para a construção de mensagens eficientes em seu objetivo.

Em uma eleição com tantos perdedores, uma vez que, acredita-se, parte significativa dos eleitores está reafirmando na urna mais suas aversões do que suas convicções, a imprensa e o exercício do jornalismo precisam de um tempo maior no divã.

Será preciso revisitar a própria história para entender como chegamos a este ponto em que a chancela de um veículo cuja reputação foi construída ao longo de décadas vale menos do que o pacote diário de dados da operadora de telefonia móvel. E também por que o respeito ao ofício de repórter caiu para patamares em que se torna legítimo expressar o ódio pelo seu antagonista político na forma de violência contra a imprensa.

Em uma eleição com tantos perdedores, uma vez que, acredita-se, parte significativa dos eleitores está reafirmando na urna mais suas aversões do que suas convicções, a imprensa e o exercício do jornalismo precisam de um tempo maior no divã

A propagação de notícias falsas em grande escala é um acontecimento relativamente recente em nossa sociedade, mas não pode ser considerado um fenômeno inédito. O recurso foi amplamente utilizado já na eleição presidencial de 2014. Tampouco é uma novidade a violência de grupos intolerantes contra quem ouse expor opiniões diferentes. A combinação das duas ações neste pleito de 2018 é o que dá o alerta quanto à deterioração da situação.

De acordo com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, foram 59 atentados físicos contra a integridade de jornalistas durante o exercício da profissão ao longo da campanha, além de mais de 60 casos de assédio a repórteres e editores de diferentes veículos relacionados à cobertura editorial das eleições. São ações bárbaras, deploráveis e inaceitáveis, sob quaisquer justificativas, mas que servem como uma referência da percepção, ainda que equivocada, do público.

Se é verdade que as fake news são uma doença a ser combatida por todos os setores da sociedade, os veículos não podem se eximir da responsabilidade de desenvolver estratégias e buscar meios que os permitam também propagar suas notícias de maneira eficiente em tempos no qual o fluxo da informação deixou há tempos de obedecer os tradicionais canais unilaterais — um comprometimento que remete ao propósito original da imprensa livre.

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