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Opinião

O desejo de simplicidade com a necessidade de precisão

Vamos aceitar o fato de que as métricas são ferramentas que podem auxiliar na tomada de decisões, mas são apenas diretrizes e não soluções


25 de setembro de 2023 - 6h00

Para a maioria do “mercado” o crescimento é o motor da prosperidade e do sucesso. Empresas em crescimento florescem, empresas encolhendo morrem. Executivos entendem que o caminho para o crescimento passa pelos clientes, não apenas atrair novos, mas manter os que você já possui motivando-os a gastar mais e fazendo com que recomendem seus produtos e serviços. No entanto, uma coisa é acreditar que os clientes são a força motriz do crescimento lucrativo. Outra coisa, totalmente diferente, é saber medir e gerenciar o relacionamento com o consumidor efetivamente. Usar as métricas corretas é essencial para avaliar e monitorar como as empresas atendem o cliente e identificar as necessidades novas.

Num mundo onde os gestores procuram análises para ajudar a esclarecer as suas decisões mais críticas, isso representa um desafio: como os executivos medem como as pessoas realmente se sentem e o que provavelmente farão?

A métrica mais popular de hoje, o Net Promoter Score não se concentra na qualidade ou satisfação, mas em como o boca-a-boca, tanto negativo quanto positivo, pode promover crescimento. O NPS é baseado na ideia de que a recomendação pode criar buzz em torno de uma marca ou produto e isso é proeminente como fenômeno a ser acompanhado.

A metodologia, desenvolvida pelo consultor Fred Reichheld, foi apresentada em 2003 em um artigo publicado na Harvard Business Review. Ela sugere que as empresas poderiam determinar sucesso futuro estudando as respostas dos clientes a uma única pergunta: “Qual a probabilidade de você recomendar esta empresa/marca/produto para um amigo ou colega?” Reichheld, que publicou vários livros sobre lealdade durante a década de 1990, sustentou que o NPS foi o indicador mais preciso de fidelidade e o mais potencialmente capaz de resultar em crescimento.

A abordagem funciona assim: clientes que avaliam a probabilidade de recomendar a empresa como alta (9 ou 10 na escala de 0 a 10) são classificados como “promotores”; aqueles que avaliam a probabilidade como baixa (6 ou menos) são classificados como “detratores”. A pontuação é calculada com base na diferença: a porcentagem de promotores menos a porcentagem de detratores.

Claramente, uma das características mais atraentes do NPS é a sua simplicidade. Não é necessário um doutorado em estatísticas para fazer o cálculo. Com o NPS, as empresas podem eliminar a necessidade de longas pesquisas e talvez até reduzir os seus orçamentos de investigação. E a ideia central de que quanto mais promotores você tiver, mais brilhante será o seu futuro, soa verdadeira.

O fatídico artigo, na época, apresentava dados que demonstravam uma forte relação entre alto NPS e grandes taxas de crescimento versus os concorrentes. Os benefícios reivindicados eram sólidos:

  • Ter o NPS mais alto em uma indústria resulta em taxas de crescimento, em média, 2,5 vezes maior que o dos concorrentes;
  • Cada aumento de 12 pontos no NPS corresponde ao potencial de dobrar a taxa de crescimento dessa marca ou produto.

A ideia de que poderia haver uma métrica simples que vincula o atual feedback com negócios encantou todo o mercado. Entre as muitas empresas que adotaram o NPS estão quase um terço das 500 maiores nos Estados Unidos. Alguns CEOs até citam seus Net Promoter Scores durante conferências com analistas como atributo da saúde operacional perante acionistas.

O problema é que todos estamos reféns dos estudos do senhor Reichheld, que notem, esse ano completa 20 anos. Não vou me concentrar no clichê de materializar para você que está o lendo o mundo que tínhamos 20 anos atrás sem WhatsApp, Tesla, iPhone ou NFTs (não aguentei a tentação da piada).

E agora alguns acadêmicos decidiram retestar as afirmações de Reichheld sobre o NPS. Na ausência de estudos longitudinais revisados por pares sobre a metodologia na última década (pasmem!), há uma força tarefa coletiva tentando verificar a manutenção das propensões e médias sugeridas por ele no paleolítico 2003. Para isso, tem-se realizado uma série de investigações durante os dois últimos anos com mais de 18 mil consumidores de 21 empresas de três setores econômicos dos Estados Unidos*. A capacidade do NPS de explicar o comportamento do cliente variou de 0% a 20% – um intervalo nada pequeno pensando no mundo das vendas.

Independentemente do setor analisado, os resultados são bastante reveladores:

  •  O melhor preditor de fidelização foi intenção de recompra, não a recomendação;
  •  Das 21 empresas monitoradas, apenas duas tiveram a correlação de crescimento e sucesso ancoradas nas premissas do método do NPS apresentado em 2003.

Em outras palavras, o fundamento sobre qual o Net Promoter Score é construído – o “recomendar” – claramente não é a tábua sagrada para avaliar nem lealdade, nem crescimento, tão pouco prosperidade empresarial.

O senhor Reichheld prestou um serviço a pesquisadores e gestores fortalecendo a cultura da fidelização do cliente. Além disso, seu NPS destaca a pujança de métricas que sejam fáceis de compreender e de se obter diagnósticos em um curto espaço de tempo. Isso se aproveita de um ambiente competitivo onde executivos ansiosos precisam de ferramentas ágeis que possam ajudá-los com baixo custo. É inegável, ele fez tudo isso e ninguém ofereceu outro método mais eficaz e assertivo até então. Senhor Fred tem muito mérito e eu não tenho sequer estatura técnica para questionar sua fabulosa contribuição. Em tempo, sou fã do NPS ainda que tenha todos esses desvios.

A verdade é que precisamos ser realistas. Vamos aceitar o fato de que as métricas são ferramentas que podem auxiliar na tomada de decisões, mas são apenas diretrizes e não soluções. Precisamos equilibrar o desejo de simplicidade com a necessidade de precisão. Este é um dos mais difíceis desafios que os executivos enfrentam nos tempos atuais e não adianta pedir ajuda ao ChatGPT.

*Estudos de Bruce Cooil – PhD em estatística pela universidade de Wharton e matemático formado em Stanford.

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