Pyr Marcondes
1 de março de 2019 - 7h31
Meses atrás, alguns dos grandes anunciantes globais fizeram circular na mídia um tipo de manifesto conclamando suas agências a deixarem de lado os esteriótipos e usarem em suas campanhas mais personagens reais, em situações reais, buscando assim afastar a comunicação comercial – que, para facilitar, estou chamando aqui de propaganda – do mundo dos sonhos idealizados em que ela sempre viveu, para trazê-la mais perto da vida de verdade de todos nós, consumidores.
Num mundo digital socialmente mais transparente, em que se trava uma guerra global contra o fake, dar uma enganadinha, como a propaganda faz, tende hoje a ser considerado uma espécie de golpe baixo de linguagem (e ética), que públicos e mais públicos vem tendendo a rejeitar. Por inverossímil. E, assim sendo, não confiável.
Anda por aí a rejeição da propaganda convencional por parte do público mais jovem, millennials e quetais, que começam desde já a assumir o protagonismo do consumo e, via de consequência, do resultado de última linha de toda empresa que quer vender alguma coisa para alguém.
Só que não dá.
A comunicação comercial é uma linguagem que nasceu de uma lógica de mercado cujo encadeamento necessário se deu, até hoje, assim:
Ao necessitar transmitir uma mensagem cujo objetivo é de negócios e a meta é vender alguma coisa, é condicionante a indução do público-alvo a aceitação de um espectro de arrazoados, fundamentalmente positivos, do produto, serviço ou marca;
A verdade nua e crua de uma narrativa documental, que retrata, essa sim, a vida como ela é, cede espaço a um ambiente semiótico idealizado, no qual uma história de convencimento precisa ser contada (brand storytelling);
Há objetivos e metas a serem cumpridos e o target, depois de atingido, precisa se mover, enfiar a mão no bolso, e consumir;
Introduzir a vida real nesse ambiente protegido pode até ser que funcione, aqui e ali, esporadicamente, mas imaginar que a propaganda irá lastrear sua dinâmica mercadológica de convencimento comercial na reportagem é, no mínimo, ingenuidade, porque se um dia fizer isso, deixa de ser propaganda, para virar jornalismo (e jornalismo, mal e mal, hoje em dia, consegue vender jornal 🙂
Tendo a questão da diversidade de gêneros ascendido ao protagonismo social de hoje, e não tendo a propaganda e as marcas como escapar de se engendrar na realidade dura desse contexto, anunciantes e suas agências mergulharam de cabeça no tema e tentam, sem jeito e meio trôpegos, se engajar na timeline da sociedade real.
Mas de novo, não dá.
Um personagem LGBTx inserido numa campanha, por mais que o ator ou atriz contratado seja de fato, na vida real, uma pessoa LGBTx, ali, no contexto da propaganda e de toda a narrativa que acabei de descrever acima, ele/ela estará sempre a serviço de uma história, uma lenda urbana cheia de códigos próprios e, como dissemos, objetivos comerciais e mercadológicos inequívocos, indissociáveis e … necessários.
Dançou, baby. Ali, personagem é personagem, propaganda é propaganda, e a vida real fica sabe onde? Lá fora do estúdio, na rua.
É possível que, em algum tempo, a indústria do marketing e suas agências consigam desenvolver um novo código em que a realidade se infiltre de forma mais, digamos … “real”? Hummmm, sei não. Mas vamos supor que sim, vai. Só para efeito de raciocínio aqui.
Ainda assim, mesmo que explícita, a ordem e a natureza da propaganda seguirão sendo inequívocas e indissociáveis. E seu objetivo de vendas necessário para a sobrevivência do sistema. Por sistema entenda o Capitalismo mesmo.
Do jeito que sempre foi e, acredito, seguirá sendo ainda por sei lá quanto tempo, a propaganda continuará sua saga de uma linguagem e uma narrativa a serviço da venda. E seguirá assim se valendo de esteriótipos, de gêneros ou não, para atingir suas metas e objetivos comerciais.
Dura realidade!
Ooops, dura fantasia de mercado!
Em muito apropriado artigo sobre o assunto, cujo título provocativo já revela suas intenções, Do Marketers use gender stereotypes?, o instituto eMarketer mostra que o uso do estereótipo segue sendo uma questão entre os gestores de marketing e que, muito embora a maior parte dos entrevistados afirme categoricamente não usar esteriótipos em sua comunicação, a verdade, bem, a verdade é muito outra.
Pra mim, uma armadilha sem saída.
Mas leia aqui entrevista e racional sobre o, de resto, fundamental, tema.