Pyr Marcondes
3 de agosto de 2020 - 8h00
O embate entre Trump e TikTok não é apenas um confronto entre o Presidente dos EUA e uma empresa global chinesa. É o conflito, cada vez mais frequente e alarmante, entre as mais poderosas forças privadas econômicas da história e a soberania das Nações, este um conceito que começa a se mostrar cada vez mais frágil, já que o mundo hoje, em verdade, não tem mais fronteiras, e as empresas plataformas estão em todos os cantos do Planeta.
É uma nova fase do capitalismo, uma nova fase para as economias fechadas e centralizadas – que viram mais capitalistas a cada dia – e uma nova fase da geopolítica internacional, isso tudo num mundo que para além de globalizado, tornou-se intrínseca e estruturalmente conflitado. De um lado, aquilo que ainda chamamos de países, de outro, omniestruturas empresariais que desconhecem limites geográficos, por vezes afrontam os estatutos jurídicos nacionais, e que enfronham-se no corpo social desses mesmos países, passando a fazer parte tão integrante deles, que transformam seus hábitos, comportamentos e toda a sua cultura.
O TikTok é isso. Conhecemos outros. Mas este caso é exemplar, bom de olhar mais de perto.
O TikTok é uma empresa da ByteDance chinesa, um dos grandes unicórnios globais. A China é um país de economia fechada e controlada, mas a ByteDance saiu de seus walled gardens para comprar a Music.ly nos EUA e transformá-la no TikTok que conhecemos. Tem operações em inúmeros países do mundo. Espalhou-se entre os jovens do Planeta com a força e rapidez de contágio de um vírus pandêmico, e está hoje no cotidiano de milhões de meninos e meninas internacionalmente. A parte norte-americana desse medusa de “n” cabeças estava para ser comprada pela Microsoft (aparentemente ainda está), outra omni-empresa global, que se dotaria de uma arma competitiva vigorosa para bater de frente com mais uma dessas gigantes globais, o Facebook, e entrar pela primeira vez na disputa de um mercado internacional de muitos bilhões de dólares. A compra lhe dará direito a operar a companhia não só nos EUA, mas também no Canadá, Australia e Nova Zelândia e seria um movimento de negócios se não inédito, certamente icônico, um titã norte-americano comprando um dragão chinês. Trump acusa TikTok de roubar dados dos norte-americanos para passar ao governo da China, o que não surpreenderia ninguém (o Congresso dos EUA investiga acusações semelhantes de empresas e governo dentro de seu próprio Território), mas não é esse o ponto mais relevante aqui, nem isso espanta mais ninguém, já que todas as empresas do mundo hoje roubam nossos dados e não temos a menor idéia do que fazem com eles, mas em sendo verdadeiro, estaríamos diante de mais uma batalha não apenas de invasão de privacidade, mas da Terceira Guerra Mundial, que já está em curso, e que é a guerra do controle digital do Planeta.
Sacou, coração?
Enquanto a imprensa em geral se preocupa com esse lance dos dados, de resto importante , sem dúvida, e até percebe e registra que o imbróglio tem mais a ver com a corrida de um Presidente em campanha por sua reeleição (na verdade, esse é o jogo de Trump, nada a ver com a privacidade dos seus concidadãos), não percebe nada a questão estrutural de fato relevante para o mundo, que é essa que descrevi aí acima.
Outras batalhas se sucederão. Lado contra lado. Nós, inertes à própria sorte, no meio.