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Como o Brasil pode se tornar um dos expoentes na Revolução Digital?

Se antes o capital acenava para mercados que concentravam esforços no desenvolvimento da indústria pesada, hoje o interesse está em investir em países com terrenos férteis para o nascimento de unicórnios alicerçados especialmente em modelos focados na transformação de estruturas seculares de negócios.


15 de fevereiro de 2017 - 7h49

 

 

Por Venâncio Velloso (*)

 

Todo governo que ousa fazer tudo, acaba fazendo nada.

Winston Churchill

 

A capacidade de inovar e construir startups digitais que atendam demandas locais e globais se tornou nas últimas décadas o principal ativo para o despertar de novas potências econômicas.

 

Se antes o capital acenava para mercados que concentravam esforços no desenvolvimento da indústria pesada, hoje o interesse está em investir em países com terrenos férteis para o nascimento de unicórnios alicerçados especialmente em modelos focados na transformação de estruturas seculares de negócios.

 

Nos dois artigos anteriores, abordei como a aproximação com as universidades e as corporações são vitais para criação de startups com alto potencial disruptivo e de alcançar grandes retornos financeiros através de exits bilionários, fatores que ainda são incipientes no Brasil. Pouco a pouco, ressaltei, começam a surgir iniciativas importantes, como a criação de competições de startups em parceria com as instituições acadêmicas e de aceleradoras patrocinadas pelas grandes empresas.

 

Para fechar esta trilogia, reforço um terceiro e não menos importante pilar deste tripé para um País ocupar posição de destaque nesta nova economia: a atuação do Governo como um protagonista que, para além de sua função executiva, deve fomentar e atuar como um mentor para fecundar uma nação empreendedora.

 

O Vale do Silício continua, claro, sendo a principal referência na formação de um polo de tecnologia que levou os Estados Unidos à liderança mundial em setores de ponta, inicialmente nas indústrias de hardware e software e depois em um imenso universo de negócios digitais pós-Internet que surgiram para derrubar sólidos paradigmas e enterrar modelos até então inabaláveis em áreas tão diversas como comércio, transporte, saúde, agribusiness, educação, publicidade, real estate e em outras que ainda estão à espera de novos empreendedores criativos e exponenciais.

 

Mas neste novo cenário econômico global, a inovação pode eclodir de qualquer parte do mundo e a tecnologia veio abrir oportunidades para que outros países também conquistem um lugar ao sol como incubadores de startups e novos proeminentes de um mundo em constante transformação.

 

Economias como as da China, Índia, Israel, Canadá, Chile, e Cingapura, para citar algumas das mais expoentes, vêm se revelando como pioneiras no desenvolvimento de políticas públicas. As políticas públicas fomentam o desenvolvimento de novas tecnologias e negócios que impulsionam o crescimento econômico, geram empregos, divisas e alcance a novos mercados, subindo a famosa escada da hierarquia econômica global, segundo nosso professor de Global Markets, Simon Johnson, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI).

 

E o que os Governos destes países têm a ver com isso? Ora, tudo.

 

Governantes com visão e iniciativa, como no caso destes países, sabem que o apoio ao empreendedorismo é a chave para fortalecer a economia e incrementar a participação das pequenas empresas no PIB.

 

A China está na dianteira no volume de investimentos realizados por fundos de capital de risco que têm suporte governamental, totalizando em 2015, segundo a consultoria Zero2IPO Group, a captação de US$ 231 bilhões. Em 2014, o país iniciou uma forte campanha para estimular novos empreendedores e abriu milhares de incubadoras de startups, uma estratégia para que seja menos dependente da indústria pesada e acelerar a economia através da inovação.

 

Outro país com população acima de 1 bilhão de pessoas, constituindo um mercado gigantesco, na Índia o Governo apoia programas como o Start-up India e o Stand-Up India, o que ajudou na atração de investidores anjo e no interesse em criar o próprio negócio. A estimativa é que US$ 4,5 bilhões estejam disponíveis para investir em startups no País.

 

O Chile começou a sobressair no desenvolvimento do setor de startups desde que o Governo decidiu, há seis anos, transformar o país no principal centro de inovação e empreendedorismo da América Latina e lançou o Startup Chile, programa planejado e idealizado pela Corporación de Fomento de La Producción de Chile (CORFO).

 

Desde 2010, US$ 40 milhões foram aportados a fundo perdido em 1,3 mil negócios nacionais e internacionais acelerados no chamado ‘Chilecon Valley’, que geraram 1,6 mil empregos no País e levantaram outros US$ 100 milhões em investimentos provenientes de outros fundos. O governo impulsionou o ecossistema com a redução da burocracia e a implantação de um sistema que possibilita abrir empresas on-line em apenas um dia.

 

Cingapura oferece um programa de incentivos aos empreendedores que contempla créditos fiscais e um avançado centro tecnológico. O Block 71, edifício antigo reformado pelo governo para abrigar 250 startups, já deu origem a outros dois prédios iguais. Até o final deste ano, serão mais 3. Além disso, há dezenas de fundos de investimento sob gestão do governo, como o ACE Startups, administrado pela SPRING Singapore, agência do Ministério do Comércio e Indústria que co-investe US$ 7 a cada US$ 3 levantados pelo empreendedor com outros investidores.

 

Já o Canadá anunciou recentemente um programa para conceder vistos permanentes para empresários estrangeiros interessados em construir startups no País, uma política adotada há muito tempo pelos Estados Unidos com o visto H-1B, o que levou a que um quarto dos empreendedores residentes no País sejam imigrantes. A National Foundation for American Policy apontou que, entre 87 startups americanas avaliadas em US$ 1 bilhão ou mais, 44 foram fundadas por estrangeiros, o que mostra a força do capital intelectual importado de diversos países.

 

A política imigratória restritiva do novo presidente Donald Trump e o fechamento das fronteiras para produtos estrangeiros está colocando o Vale do Silício em rota de colisão com o Governo americano. Em carta aberta publicada em seu perfil no Facebook, Mark Zuckerberg lembrou Trump que os Estados Unidos “é uma nação de imigrantes”. Se abrir mão dos talentos dos imigrantes, o país corre o risco de perder espaço para novos mercados que ofereçam condições mais favoráveis para o desenvolvimento de startups.

 

Assim como o Canadá, a França também acaba de anunciar o French Tech Visa, programa para atrair talentos estrangeiros que irá conceder vistos com validade de 4 anos para empreendedores, engenheiros e investidores.

 

E no Brasil? Qual tem sido a mobilização da administração pública para catalisar o mercado de empresas inovadoras?

 

A economia, nem precisa dizer, não favoreceu nos últimos tempos a perpetuação do ritmo de investimentos. A conhecida burocracia, os altos custos tributários e trabalhistas, a falta de acesso a crédito e os juros entre os mais altos do mundo sempre comprometeram a atração de capital para o Brasil, levando os investidores a dar preferência para outros mercados emergentes na criação de empresas de tecnologia.

 

De acordo com a Associação Brasileira de Startups (ABStartups), o empreendedorismo no segmento pode alcançar 5% do PIB do País até 2035 e ser um grande semeador de empregos, mas, para isso, é preciso criar, na visão do presidente da entidade, Amure Pinho, um marco regulatório e normas menos burocráticas, incluindo uma política tributária mais justa e maior agilidade para abertura de empresas, o que pode levar meses enquanto em outros países apenas alguns dias.

 

Ainda há muito o que fazer e é preciso retomar com energia programas como o Startup-Brasil, que ficou estagnado no ano passado. A promessa do secretário de Política de Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e Comunicações, Maximiliano Martinhão, é de que uma nova etapa será lançada no início deste ano, ainda que com recursos mais modestos, podendo chegar a R$ 10 milhões. O Ministério planeja lançar também o Plano Nacional de Internet das Coisas, que pretende identificar as melhores práticas internacionais e propor políticas públicas para digitalização de todos os setores da economia.

 

Mas então, que medidas o Governo Brasileiro pode adotar para incentivar o ecossistema de startups?

 

Tim Mazzarol, professor da University of Western Australia, publicou artigo no site do World Economic Forum sugerindo diversas iniciativas que o poder público deve implementar para fazer sua parte no estímulo ao empreendedorismo. O crescimento do ecossistema de startups nestes mercados internacionais que vêm liderando a inovação mostra que o apoio financeiro do Governo é, claro, essencial para impulsionar empresas nascentes. Mas o capital é apenas parte do ciclo.

 

Destaco algumas das recomendações de Mazzarol para definições de políticas públicas que estimulem a formação de polos de tecnologia e acrescento outras considerando as experiências destes países:

 

  • Como na China, ofereça incentivos fiscais e apoie a estruturação de fundos de co-investimento para financiar empresas inovadoras.
  • Como no Chile, elabore leis que atendam as demandas dos pequenos negócios.
  • Como em Cingapura, desenvolva programas de aceleração e estimule a criação de centros tecnológicos onde os empreendedores possam receber mentoria, trocar experiências e buscar talentos.
  • Como no Vale do Silício, garanta que todos os setores da indústria sejam envolvidos, e não apenas os de alta tecnologia, incentivando o crescimento em empresas de baixa, média e alta tecnologia.
  • Para dar maior tração e velocidade ao desenvolvimento do empreendedorismo, o Governo deve engajar a iniciativa privada e atuar como um facilitador, não como um gestor.
  • Iniciativa que também faz todo sentido para o Brasil, construa o ecossistema respeitando as condições locais e aproveitando as indústrias já existentes ao invés de criar novas do zero. Desenvolva a partir de indústrias existentes que se formaram naturalmente dentro da região ou país ao invés de procurar gerar novas indústrias. (No caso do Brasil, temos uma forte vocação, por exemplo, para o agribusiness e startups de agritech, além de outros setores que oferecem oportunidades, como, apenas para citar alguns, IoT em infraestrutura e cidades inteligentes, transportes, saúde e educação).

 

O Brasil reúne todas as condições para seguir estes exemplos de sucesso e se tornar uma nação de economia forte puxada pelas startups inovadoras. São Paulo já é considerada a principal cidade da América Latina para o empreendedorismo e, segundo dados da Startup Genome, a 12a colocada no ranking de cidades de ecossistema digital no mundo. Se fizer a lição de casa, pode subir e ficar entre as dez primeiras do mundo. O novo prefeito João Doria já sinalizou uma reformulação no programa SP Stars, que passará a selecionar 50 empreendedores para embarcar nas 6 edições que serão realizadas este ano e receber até 24 mentorias presenciais ou individuais com mais de 200 especialistas voluntários de grandes empresas de tecnologia.

 

Com uma educação mais empreendedora, um maior envolvimento das grandes empresas no investimento, aceleração e aquisição de startups e políticas públicas certeiras, o Brasil poderá embarcar no mesmo trem de países onde os Governos já abriram os olhos para o fortalecimento do ecossistema empresarial como a melhor jornada para recuperar e aquecer a economia, criar postos de trabalho e ampliar a arrecadação. O País não tem motivos para perder esta viagem.

 

(*) Venâncio Velloso é empreendedor, fundador do WebPesados e da consultoria DIB (Digital Innovation Builders). No momento, está fazendo MBA no MIT (Massachusetts Institute of Technology).

 

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