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Por que tocar o coração dos clientes não é mais suficiente


15 de janeiro de 2016 - 1h07

(*) Por Vanessa Pugliese

Segunda metade do século XVIII, advento da Industrialização. O desenvolvimento de técnicas para produção em massa abria caminho para o esboço do marketing que conhecemos hoje. O foco central era o produto, a transação única, e o objetivo era produzir em larga escala, sem grande diferenciação, como forma de garantir a competitividade. A linha de produção era regida pela batuta do Taylorismo e do Fordismo, segmentação de mercado e pesquisa eram assuntos impensáveis na época e sequer existia a premissa básica do marketing: atender as necessidades do cliente. Simplesmente porque o cliente não era protagonista da história e operava a lógica do cliente servindo ao produto, e não o contrário.

Tecnologias de broadcast como rádio e televisão permitiram a comunicação em tempo real e de maneira massiva, criando um terreno favorável para o embrião do storytelling. O desenvolvimento da tecnologia da informação expandiu o acesso ao conhecimento e permitiu às corporações perceberem que o que diferenciava os clientes uns dos outros eram as suas preferências. Surgia aí o tradicional conceito da segmentação de mercado, sustentado pelo Marketing centrado no relacionamento com o cliente.

Hoje, a nova onda de tecnologia, propulsionada pelas ferramentas sociais, fez nascer o Novo Marketing. Nele, cada cliente é tratado como um único indivíduo em sua totalidade, dotado de corpo, mente, coração e alma. Seus interesses são únicos e não podem ser divididos em segmentos. Aliás, segmentação agora passa a ter menos relação com a tradicional categorização de clientes utilizando fatores estáticos e mais com a identificação de silos de comportamento. Somente vender e repetir a venda pro mesmo cliente não é mais suficiente. O grande trunfo é satisfazer os consumidores através de valores que os preencham em sua plenitude.

De marketing transacional, passando pelo emocional, chegamos ao marketing espiritual. Os consumidores estão se identificando com empresas, produtos e serviços que enderecem problemas da sociedade, e mais do que buscar o melhor produto ou serviço, eles estão à procura de marcas cuja missão, visão e valores façam seus olhos brilharem. Sai de cena a ditadura do TER para dar lugar ao SER, ao FAZER, ao COMPARTILHAR.

Pouco a pouco as empresas estão percebendo que responsabilidade social vai muito além de meia dúzia de práticas de sustentabilidade pregadas no mural do café: ela passou a fazer parte de seus core businesses, a ser parâmetro de engajamento. As marcas estão se humanizando e se tornando mais transparentes. Seus valores estão se tornando sua principal vantagem competitiva. Quem poderia prever que a Microsoft, por meio da Fundação Bill e Melinda Gates, aplicaria mais de US$ 30 bilhões em atividades humanitárias, especialmente contra doenças, em uma ação que pouco fala com a missão tradicional da empresa? Empresas em todo o mundo estão adotando a estrutura de Triple Bottom Line para avaliar suas performances ponderando fatores sociais, ambientais e financeiros, em detrimento do conceito tradicional de lucro, retorno sobre investimento e valor aos acionistas. O antigo conceito dos “Ps” de marketing agora ganhou uma nova roupagem: pessoas, planeta e profit.

Essa é a era do empoderamento do consumidor como indivíduo. Quando uma marca consegue que sua missão seja abraçada pelos consumidores, eles passam a deter o poder sobre ela. Sim, isso significa que as corporações não têm mais 100% de controle sobre suas próprias marcas. Em “Marketing 3.0”, Philip Kotler relembra a história da New Coke, lançada em 1985 e totalmente rejeitada pelos consumidores americanos. O motivo? Nada a ver com o sabor. A Coca-Cola sempre fez parte da cultura popular americana, e os consumidores sentiam uma ligação profunda com a marca. O lançamento enfraqueceu a marca e a mística em torno da fórmula secreta da bebida. Prova disso é que no Canadá, por exemplo, o lançamento foi bem aceito porque até então a Coca-Cola não tinha status de ícone naquele país. Quando uma marca traz transformação, os clientes a aceitarão como parte de suas rotinas. Isso é o Novo Marketing.

Sob o aspecto competitivo, a palavra de ordem é disrupção. A competição do passado baseava-se na capacidade de fabricar produtos e prestar serviços melhores ou mais baratos. Para defender-se, bastava melhorar a qualidade, produzir em larga escala para ganhar em preço, diversificar a cadeia de distribuição ou incrementar as ações de promoção. Hoje a competição é invisível e marginal. A maior ameaça são competidores que ainda não são nem classificados como competidores. As fronteiras entre as indústrias estão se esvaindo, e companhias de um setor estão aplicando seu expertise em outros e redefinindo as verticais em que sempre foram classificadas. Executivos de todo o mundo entrevistados pela IBM indicam que a convergência de indústrias é a tendência que mais deve impactar seus negócios nos próximos 3 a 5 anos. Nesse cenário, a empresa míope continuará enxergando os competidores tradicionais. A consagrada será capaz de enxergar muitos e muitos palmos à frente do nariz.

Vivemos o império da colaboração, onde a credibilidade é a moeda mais valiosa. Assistimos no passado à cultura do “Um para muitos”, passamos pelos relacionamentos “Um para um” e chegamos às relações de “Todos para todos”, em que o processo de criação e melhoria de produtos opera de maneira colaborativa entre usuários, clientes, empresa e comunidade. A nova onda tecnológica, impulsionada pela democratização da internet e seu acesso anytime anywhere, pelos aparatos tecnológicos móveis e pelo modelo open source facilita a expressão, a colaboração entre os indivíduos e a formação de comunidades com interesses em comum. A mesma tecnologia que inicialmente isolou os indivíduos hoje é o aglutinador das multidões. As pessoas estão usando o online para se encontrarem no off-line e decidir sobre a próxima grande estratégia das corporações.

A pesquisa realizada pela IBM mostrou que mais da metade dos executivos entrevistados em todo o mundo está buscando fontes de inovação externas à empresa para ter acesso a inovação. Estes visionários já entenderam que a descentralização na tomada de decisão é um caminho sem volta, e que a hierarquia tradicional não é apropriada quando o valor está justamente no ecossistema.

Na era digital, pano de fundo do Novo Marketing, qualquer indivíduo é uma mídia em potencial, e as redes sociais são os amplificadores desta orquestra de vozes. Instantaneamente, milhões de indivíduos comuns se transformam em milhões de repórteres, críticos, fotógrafos, especialistas em política, em gastronomia. Mais do que aguardar pelo conteúdo, o consumidor tornou-se produtor do conteúdo. E é por isso que as relações horizontais estão mais fortes, e que a confiança entre consumidores se tornou mais poderosa do que qualquer argumento de vendas por parte das empresas. Como bem cita Gil Giardelli em “Você é o que você compartilha”, os mercados são feitos de sussurros, as pessoas estão próximas, vender passou a ser uma conversa a dois em uma mesa.  

* Vanessa Pugliese é gerente de marketing da IBM

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