Por que os empreendedores Brasileiros não criam startups globais e como fazer isso?
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31 de março de 2016 - 12h29
Por Nagib Georges Mimassi (*)
“Inovação distingue o líder de um seguidor”. A frase, do lendário Steve Jobs, responde, em certa medida, o que muitos investidores e empreendedores não se cansam de perguntar: por que o Brasil não consegue desenvolver um ecossistema tão fértil para o surgimento de negócios globais bem sucedidos como os que brotam no Vale do Silício?
São muitas as razões, claro. Mas basta conhecer de perto as duas realidades para ter a certeza de que o Brasil reúne condições muito favoráveis para germinar startups que conquistem o mundo e, desde os primeiros passos, tenham um pé no mercado nacional e num outro mercado relevante onde possam se desenvolver, ganhar escala e explorar novas oportunidades.
Começar com uma operação local e outra no olho do furacão do Vale do Silício (ou outros mercados com grande potencial), com uma plataforma localizada em português e inglês, pronta para decolar globalmente, é uma estratégia ainda adotada por um número muito reduzido de empreendedores brasileiros, que insistem na crença de sermos um país com dimensões continentais, um mercado gigantesco e, portanto, é preciso conquistar primeiro seu quintal para depois dominar o mundo. Bobagem. Quem inova, lidera. Quem copia, apenas segue.
Tive a oportunidade de trabalhar no Brasil como executivo e empreendedor na indústria pontocom no auge da bolha, nos anos 2000, e depois na fase que precedeu o nascimento do ecossistema de startups (quem conhecia esta palavra por aqui antes de 2009?) e da enxurrada de aportes de capital de risco vindos dos bolsos de investidores ávidos em disputar um mercado que, na época, apresentava uma economia estável, promissora, embalada pelo crescimento do acesso à Internet e da curva ascendente na adoção de smartphones, um quadro parecido, a propósito, com o que agora está atraindo investidores para Índia.
Hoje, vivo na ponte aérea São Paulo – San Francisco acertando os últimos detalhes para o lançamento de uma startup que já abrirá suas portas com escritórios nos dois países, buscando aproveitar o que cada um oferece de melhor para quem está disposto a empreender.
Esta experiência tem me levado a refletir nos porquês do Brasil, mais de 500 anos depois, ainda exercer a condição de colônia e perder a oportunidade de assumir posição de liderança na criação de negócios globais que possam atender não apenas uma demanda local, mas sejam capazes de fincar bandeiras em mercados com grande potencial.
O que falta para o País sair da classificação de emergente para aproveitar, ao lado de outras grandes potências, oportunidades que agora se concentram especialmente na Ásia, mas também podem ser desbravadas em países da Europa, na própria América Latina e (por que não?) nos Estados Unidos?
Para facilitar a vida do leitor, relaciono alguns pontos que julgo essenciais para darmos à luz a startups com potencial de mostrar que a criatividade brasileira também pode ser traduzida em inovação, especialmente se juntar forças e aprender com o que as experiências bem sucedidas do Vale do Silício têm a nos ensinar.
– Desenhe um projeto com ambições globais desde o primeiro dia e, se possível, já comece com uma operação na Califórnia, o que te forçará a ter um produto ou serviço atual e competitivo. Lembre-se que o custo de desenvolvimento da tecnologia é único e já lançar também em inglês colocará o negócio em condições de competir internacionalmente. Para ser global é preciso já nascer global.
– Leve em consideração que os custos no Brasil para contratação de mão de obra são mais baixos e em tempos de crise o acesso a talentos fica mais fácil. O Brasil já oferece programadores talentosos, mas ainda carece de profissionais especializados em gestão de produtos, usabilidade e redes neurais, que existem em abundância nos Estados Unidos. Por isso, montar um time que faça intercâmbio constante e associe os talentos dos dois países pode fazer uma grande diferença. Pela minha experiência, os americanos adoram trabalhar no Brasil e os brasileiros adoram trabalhar nos Estados Unidos, o que torna o intercâmbio bem fácil e sem resistências.
– Seja multicultural. No Brasil é fácil conseguir vistos de trabalho para estrangeiros. Contratar profissionais de países e culturas diferentes enriquece o ambiente de trabalho e torna a empresa mais preparada para o mercado global.
– Lembre-se que os investidores do Vale do Silício buscam empresas com filosofia global e não fechadas ao mercado exclusivamente americano ou de um outro país. Se seu negócio não tem potencial de escalar globalmente, provavelmente será mais difícil obter o apoio do capital de risco.
– Recrute profissionais que já tiveram uma trajetória em outras startups e não tenha receio de contratar quem já fracassou. Na cultura do Vale, fracassar significa ganhar experiência para insistir, aprender com os erros e vencer.
– Tenha foco. Com ou sem capital disponível, procure sempre concentrar seus esforços em um killer product. A Apple desenvolveu um único modelo de celular que nunca deixou de figurar na lista dos mais vendidos, enquanto seus concorrentes oferecem dezenas de opções, mas nenhuma ficou marcada pelo caráter inovador do iPhone.
– Compartilhe os resultados conquistados com seu time. Distribuir stock options é uma forma não só de motivar, mas de fidelizar seus talentos. Ofereça também flexibilidade para que trabalhem em horários alternativos, mas deixe claros quais são os prazos e as metas.
Estes são apenas alguns pontos e deixarei outros para os próximos artigos. É preciso muito mais para que tenhamos por aqui um ambiente catalisador de novos negócios que ganhem projeção local e global, seja no desenvolvimento de um ecossistema e uma cultura focados no empreendedorismo, na criação de incentivos, no compartilhamento de ideias ou no acesso a capital.
Afora a grave situação política e econômica que o País atravessa (não é a primeira e seria muita utopia imaginar que será a última), o Brasil continua reunindo ingredientes únicos para empreender. Há muito a ajustar nas leis tributárias e trabalhistas. Há muito a melhorar na educação, na saúde, no transporte, na infraestrutura e em diversos setores essenciais ao desenvolvimento econômico.
Com patriotismo, união e o povo nas ruas o Brasil vai dar a volta por cima. Mas, seja qual for o cenário, não se esqueça que inovar é, claro, o primeiro passo para liderar, ditar tendências e criar algo que, também nas palavras de Steve Jobs, “as pessoas não sabem que querem até você mostrar a elas”.
(*) CEO da RockSpoon, apaixonado por tecnologia e pelo Brasil, onde empreende no mercado de Internet desde 1999.
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