Roseani Rocha
11 de março de 2023 - 7h00
(Crédito: Roseani Rocha)
Em sua terceira participação no SXSW, tendo sido a última vez antes da pandemia, Chiara Martini, creative strategy director da Coca-Cola para a América Latina, enxerga no evento um lugar onde é possível aprender perspectivas diferentes. Muitas vezes, pontua a executiva na entrevista a seguir, isso acontece a partir das menores palestras, com startups e grupos emergentes e não necessariamente nas dos grandes nomes. Apesar da observação, ela também conta que veio aprender com um destes, Greg Brockman, fundador da OpenAI, criadora do badalado ChatGPT. Afinal, a Coca-Cola, recentemente, anunciou por meio da Bain & Company uma parceria com a OpenAI. Chiara encara a inteligência artificial como “um grande mundo aberto”, mas em direção ao qual não se deve correr apenas por modismo.
Meio & Mensagem – Um dos grandes temas do SXSW este ano é a IA e a Coca-Cola recentemente, anunciou parceria com a Bain e a Open AI. Segundo as declarações do CEO James Quincey, deve haver grande influência no marketing. Qual sua visão desse processo?
Chiara Martini – Justamente é uma linha do que quero ver aqui, para entender mais a fundo. Para mim, é muito mais ir além da tecnologia, mas as possibilidades de storytelling imersivo e customização de história que eu imagino que a tecnologia vá trazer. É legal fazer uma parceria desse tamanho, porque vai permitir que a gente teste as coisas. Mas ainda estou começando a aprender e o que é legal é que naturalmente incentiva a gente lá dentro a ter ideias, a testar. Cria um ambiente propício para testar. Por isso vai ser para mim aqui um grande tema de exploração. A palestra da Disney mostrou o poder que uma história imersiva, que responde às tuas emoções, tem em criar grandes memórias e consolidar essa conexão com a marca. E essa inteligência essa tecnologia ajuda muito a aprofundar. É um grande mundo aberto, mas eu também não tenho muito essa filosofia de “sai correndo e faz porque está na moda”. Temos de achar qual é a oportunidade certa. Se a gente não define qual é o sucesso, o que a gente está medindo, pode jogar contra.
M&M – Mas a Coca e outras empresas foram rápidas, nessa adoção.
Chiara – O bom de uma corporação é entender que essa é uma parceria que vai ajudar a gente a acelerar o nosso aprendizado. É uma parceria para começar a testar e a aprender. É muito mais sobre nosso KPI de aprendizado – o testar, o aprender, o fazer. Ter investimento é isso, permitir que a gente crie novas oportunidades e experiências com essa camada de aprendizagem.
M&M – Muitas questões éticas vêm sendo levantadas quanto ao uso de IA. O que é mais importante a seu ver observar na comunicação e no marketing? Que riscos podem estar envolvidos?
Chiara – O negócio do AI tem toda uma questão envolvida, por exemplo, arte, as referências que se pega para criar. O algoritmo se baseia na produção intelectual de um monte de gente e aí o que se cria a partir disso pode ser original, mas tem essas referências. É assim como quando a internet surgiu, a discussão de capturar dados. É interessante que essas novas tecnologias nos fazem repensar até nossas regras, como sociedade, de privacidade. Fiquei pensando muito sobre como a noção de privacidade também vai mudar. Talvez o que a gente pense hoje sobre privacidade vá para outro lugar. Sempre temos nossas policies muito claras e muito rígidas, tanto que às vezes até a relação com alguns parceiros é diferente, porque as policies vêm primeiro que essa aceleração de inovação. Então, qual é o equilíbrio natural? Nunca vamos ser uma empresa que vai fazer o preço da evolução sem se preocupar com a segurança e com as policies, mas o ponto é esse: onde está nosso limite de aprender conforme a própria indústria aprende e se regula? No final, o que imagino é como a gente vai garantir a autonomia das pessoas de escolher o que elas querem compartilham ou o quanto a arte ou o produto intelectual de alguém é dividido ou não. Essa linha tem que ser respeitada, porque a criação intelectual de alguém demanda muita coisa para outro chegar e se apropriar. Esse é o cuidado. Por isso são boas essas parcerias e esse mindset, porque vamos aprendendo a navegar esse território novo.
M&M – Em que participar de um evento como o SXSW colabora mais com a vida de uma executiva de estratégia criativa, especificamente?
Chiara – Às vezes, as menores palestras são aquelas em que a gente aprende mais. Óbvio que é legal ver grandes nomes, mas, no final, quando olhamos para startups, para grupos emergentes tem assuntos que ajudam mais a furar bolha do que uma repetição do que a gente já vê no dia a dia. Para mim, o mais interessante é aprender perspectivas diferentes. São pessoas do mundo inteiro, com realidades e perfis diferentes. Tem muita coisa da comunidade latina – e isso é muito legal – mas também há outras comunidades que podem nos dar perspectivas diferentes para olhar nossa própria comunidade. Para mim como estrategista é isso: como outras perspectivas me ajudam a pensar, a achar novas soluções para minhas próprias perspectivas.
M&M – Parte da programação do festival é voltada a alimentação e consumo. Que temas nessa frente mais te interessam, sendo alguém de uma das companhias de bebidas mais icônicas globalmente?
Chiara – Viemos aqui numa turma. Cada um meio que está escolhendo algumas áreas para depois a nos juntarmos. O que quero muito aprender é sobre como a tecnologia pode ajudar a gente a ser uma sociedade melhor. Tanto no quesito de inclusão e de bias, como de operacionalizar como comunidade e de cuidar mais das relações que a gente tem com a gente, com o meio ambiente e tudo mais. Minha curadoria está nesse sentido. Agora, especificamente de alimentos estava vendo um painel que deve ser interessante que é sobre o quanto os satélites podem ajudar na questão da fome, ou seja, como a tecnologia pode ajudar a gente a encontrar caminhos mais construtivos e ter uma perspectiva melhor sobre a sociedade. Esse é meu foco mais pela tecnologia no sentido de oportunidades que ela vai trazer.
M&M – Uma das características do SX é um ativismo social forte, assim como têm ganhado força pautas de sustentabilidade. Recentemente, a Coca foi criticada na Cop27, por patrocinar o evento, mas segundo os críticos, ser uma das grandes poluidoras com plástico. As grandes indústrias vivem um dilema hoje, quanto a essas pautas e a realidade dos seus negócios?
Chiara – Acho que elas têm é um dever. A Coca tem um investimento gigantesco em um monte de projetos, como o “World without waste”. Temos que ser atuantes e avançar e progredir nesse assunto. Por isso, um evento como este ajuda a gente a se conectar com ideias que potencializem os projetos que já existem. É sobre persistentemente a gente continuar avançando e contribuindo. Não há dúvidas de que, como empresa, é um assunto central e temos muito investimento nisso. O que gosto aqui, e acabo voltando ao ponto anterior, é aprender novas ideias e ter novas perspectivas.
M&M – A Coca-Cola acabou de lançar uma campanha global chamada Masterpiece, que se passa num museu e faz um trabalho gráfico sofisticado com obras de vários artistas contemporâneos, em que tudo começa numa do Andy Warhol que era uma crítica ao consumo. Houve algum envolvimento de Brasil nessa campanha?
Chiara – O time que liderou Masterpiece foi o de América Latina, da Luciana Mendes e a Mariana Manso, junto com o time de global. E a parte do craft dessa campanha é muito legal. O que acho interessante é trazer (o público) pra conversa e esse filme tem camadas de entendimento. Quanto mais você entende do artista e da obra… existe aquela peça central, mas você entra, depois, em cada uma delas e de sua história. O legal é olhar para as coisas como elas são e trazer para uma história que a gente quer contar. Infelizmente, não tive envolvimento nessa campanha, mas fiquei muito feliz com o resultado final.
M&M – Quais são os maiores desafios estratégicos para a Coca-Cola hoje em dia, na sua área e de modo geral?
Chiara – No que tange à questão do marketing e estratégia, nosso maior desafio é como ter experiências one to one em escala. Fala-se muito sobre experiência, criar memória de marca, porque a realidade é que existe uma engenharia do dia a dia – dos supermercados, das vendas, da conversão do curto prazo – mas se só olhamos para isso e não pensamos no longo prazo, a marca sofre em algum momento. Então, esse equilíbrio é um desafio, qual energia coloco no longo prazo e qual no curto. Mas como trazemos essas tecnologias para que as pessoas sintam que têm uma experiencia imersiva com as marcas no geral,mas de uma forma que as emoções estejam envolvidas. “Emotional data” é um assunto que vem me interessando bastante. Antes, dado era muito uma coisa ter suas informações, mas não necessariamente melhorar a experiência para além do transacional. Existe, óbvio, muito esforço para a questão transacional, mas essa mesma lógica é possível para uma experiência de marca e mais imersiva. É muito difícil hoje você ser memorável, ainda mais no dia a dia. Então, quando olho todas essas informações, é onde estou tentando chegar: como conto histórias mais interessantes do ponto de vista individual da audiência.