15 de março de 2023 - 22h21
Edu Lyra, um dos “vendedores de inconveniências”
Estive presente na primeiríssima fila do painel que pegou emprestado a inteligência e a simpatia da Christiane Pelajo para apresentar os participantes Paulo Boneff, líder global de responsabilidade social da Gerdau, Jorge Melguizo, consultor e ex-secretário de desenvolvimento social de Medellín, e Edu Lyra, co-fundador e CEO da Gerando Falcões.
Na minha opinião, o painel que tinha um propósito de discutir soluções habitacionais inovadoras para atender a população de baixa renda (base da pirâmide), expondo ideias para melhorias habitacionais nas periferias, se tornou automaticamente uma lojinha de “inconveniência” dentro do SXSW.
Vou explicar o porquê, vem comigo.
O Paulo inicia apresentando como a Gerdau – patrocinadora do painel – estrutura seu programa de reconstrução de moradias, como se propõe a investir no ecossistema como um todo e buscar longevidade. O programa deles deveria virar um curso para outras empresas e profissionais. Eu me inscreveria. Além disso, apresentou dados impressionantes sobre a pobreza: 14% da população mundial vive em moradias inadequadas; na América Latina, isso se torna uma a cada quatro pessoas; no Brasil, esse número é de 28 milhões de pessoas. A Gerdau contribui e liderou parte da inconveniência gerada no dia. As empresas têm um forte papel nisso e é preciso ter mais “Gerdaus” no mundo.
Depois vem o Jorge, e explica todo o case da reestruturação das favelas e bairros de Medellín. Um projeto que reduziu a taxa de mortes violentas em 97% (de 382 para 13,9 a cada 100.000 habitantes) trazendo forte intervenção educacional, cultural e social para os pobres e violentos bairros da cidade.
Jorge, além de showman, critica, com uma pitada de sarcasmo e humor, o ambiente de tecnologia e inovação frente à pobreza extrema: “Não precisamos de óculos de realidade virtual para não vermos o outro, precisamos ver o outro, enxergar a pobreza.” Fala com paixão sobre incluir, melhorar a vida das pessoas e que é possível fazê-lo.
Edu Lyra começa seu discurso falando sobre os acontecimentos do litoral de São Paulo e como isso o afetou. Explica e menciona brevemente o projeto Favela 3D, explanando que uma sociedade pobre pode ser digna, digital e desenvolvida. Discorre sobre como uma das favelas de Ferraz de Vasconcelos, escolhida para o teste do projeto, é a primeira a ter 5G, energia renovável com telhados de placa solar e um nível de desemprego de 5% somente, igual ao dos Estados Unidos. E o que chama a atenção é de como o processo de transformação, segundo Edu, ocorre de dentro para fora: “O favelado é que decide tudo junto com a gente”, diz.
Alí, sentado, ao final da palestra após ter me emocionado pela quinquagésima vez ao ouvi-lo falar, fiz uma pergunta para ele e Jorge: “Estamos em uma bolha, não há quase nenhuma pessoa negra na audiência, temos muito privilégio de estar no SXSW. O que o SXSW, um dos maiores eventos de inovação do mundo, pode aprender com o projeto de vocês e o que vocês podem aprender com o SXSW?
As respostas foram diferentes. Jorge diz que para termos mais equidade e diversidade e inclusão precisamos educar as pessoas de um a seis anos. Somente assim construiremos daqui a alguns anos, um legado de pluralidade. Já Edu, responde falando sobre missão, que toda empresa e pessoa precisam focar em suas missões, no que vão deixar de legado e o que querem realizar: “Se o seu foco é só ganhar dinheiro, sinto muito amigo, você vai morrer pobre.”
Ali dentro do SXSW, eles fugiram de tudo que é conveniente em um evento de inovação. É conveniente esperar por óculos de realidade virtual, startup-eiros de sucesso e futuristas celebridades. É conveniente esperar tecnologias disruptivas como uma luva sensorial que te faz sentir o peso das coisas, ou lançamentos e ativações de marcas. É conveniente esperar que todo o evento e seu ecossistema seja mais uma grande ferramenta do capitalismo, focada em negócios, networking incessante, lucro e retorno.
O SXSW é de certa forma a bolha dentro da bolha. Aqui, cria-se o VIP dentro do VIP. O badge que dá acesso, o outro que não dá. Assim é o capitalismo e é conveniente esperar por isso. A tecnologia e a inovação nunca pediram passagem para a pobreza nem para a consciência coletiva.
No entanto, dois caras sobem no palco e mexem de maneira “inconveniente” com toda a mesmice de uma plateia “bolhificada” em sua própria criação. E eu me incluo nisso também, como homem branco, privilegiado.
Dois homens abrem sua lojinha de “inconveniências” para vender rebeldia, ação, movimento contra o que para todos ali é de certa forma invisível. A venda de um produto que não temos e nem ao menos nos damos conta de que podemos ter.
Como posso te vender algo que você ainda nem sabe que precisa?
Segundo, Jorge, para “desarmar a bomba” é preciso ter capacidade técnica, ternura e paciência.
Talvez nos sobre em excesso a capacidade técnica, e nos falta a ternura e a paciência.
E ao falarem e demonstrarem com tanta paixão os seus projetos de transformação da sociedade, Jorge e Edu têm paciência e ternura com a própria audiência.
É como um ambiente de empresa. Às vezes, é mais difícil convencer os outros do que fazer o próprio trabalho em si.
De fato, por que ainda queremos ir para Marte se um igual a nós passa fome e não tem onde morar?
Ao sair do painel, todos aqueles stands incríveis e convenientes, me fizeram questionar o que é a real conveniência.
Se tivéssemos mais “lojinhas da inconveniência” ou mais “inconvenientes” como Jorge e Edu, iriamos ressignificar as lojinhas das empresas e da sociedade como um todo.
Keep Austin Weird é a frase famosa por aqui. Mas a estranheza daqui é conveniente a um evento de inovação.
Edu e Jorge, ali para mim, foram dois geniais estranhos. Eles são fatores inconvenientes que mexem com a nossa evolução, sentimentos, empatia.
Fiquei pensando que eu gostaria que todo mundo fosse um pouco mais inconveniente.
Logo à frente, no mesmo local, um stand de uma marca estava oferecendo margaritas.