Assinar

Etienne Du Jardin: “Estou dentro de toda iniciativa que mude a estrutura do mercado” 

Buscar
Publicidade
Perfil

Etienne Du Jardin: “Estou dentro de toda iniciativa que mude a estrutura do mercado” 

Cofundadora da startup Mimo Live Sales e criadora da Somos B, a empreendedora serial foi criada na periferia e, mesmo sem curso superior, hoje é uma das maiores referências em inovação, tecnologia e impacto social


12 de agosto de 2022 - 14h29

Etienne Du Jardin é empreendedora, cofundadora da startup Mimo Live Sales e criadora do negócio de impacto Somos B (Crédito: Eduardo Lopes)

Etienne Du Jardin é loira, alta, gaúcha e carrega a origem belga no nome. A descrição parece de alguém com muitos privilégios, mas, embora ela reconheça que estas características facilitaram sua trajetória, a vida de sua família não foi fácil. Filha caçula, viveu uma infância pobre em Pelotas, interior do Rio Grande do Sul. Ao lado da mãe, empregada doméstica, do pai, porteiro até hoje, e do irmão, ela diz ter sido muito feliz no período pela força dos pais, que sempre davam carinho e repassavam valores de trabalho muito fortes aos filhos. “Foi uma infância difícil, mas de muito amor e incentivo”, conta. 

Hoje, aos 43 anos, apesar de não ter conseguido fazer faculdade, Etienne é referência em inovação no Brasil e no mundo, já foi professora convidada da Universidade de São Paulo (USP) e leciona em cursos de empreendedorismo e inovação na Faculdade de Informática e Administração Paulista (FIAP). Isso porque a executiva já fundou e cofundou 8 startups de sucesso, entre elas a Mimo, primeira plataforma de shopstreaming da América Latina, que lançou em plena pandemia. Ela ainda tem na bagagem 20 anos de experiência no mercado de propaganda e tecnologia, com projetos para grandes marcas como Unilever, Coca-Cola, Mondelez, Pepsico, Ambev, Adidas e Google. 

Mas o sucesso no universo das startups não veio da noite para o dia. Aos 15 anos, a vontade de começar a usar maquiagem a levou ao trabalho. Comprometida, passou a se ocupar como porteira de um prédio, para conseguir comprar seus cosméticos. Três anos depois, fez um curso técnico em desenho industrial e logo foi trabalhar em uma fábrica de móveis. Para conseguir a vaga, ela levou o anúncio impresso da posição para o dono da empresa, que depois se tornaria seu grande mentor, e disse que havia carregado o material até ali porque ele iria contratá-la e não precisaria mais fazer a divulgação. A estratégia deu certo. 

“Graças à minha mãe, uma mulher muito simples que não teve estudo, eu me sinto forte e alinhada com meus propósitos. Ela sempre me fez acreditar e fazer tudo o que eu quisesse, desde que estudasse e não desistisse. Ela usava muito a palavra ‘coragem” em casa e dizia que não existia lugar que não fosse para mim.” 

De fato, Etienne foi corajosa ao entrar em uma área inteiramente dominada por homens. Ela acredita que isto a ajudou a entender como mostrar seu valor em ambientes masculinizados, como aconteceria anos mais tarde em sua entrada no segmento de startups, inovação e tecnologia. “Quando uma mulher escolhe uma carreira tida como masculina, é mais difícil porque o machismo e a misoginia não são muito zelados. Há muitas piadas de que você está ali para enfeitar o ambiente, mansplanning… Na primeira fábrica em que trabalhei, onde desenhava móveis de ferro, eu era a única mulher, e o soldador não tinha confiança em mim. Em função disso, fiz um curso de solda e comecei a ter propriedade para discutir com aqueles homens.” 

Ela passou a levar isso para toda sua vida profissional. Diz sempre ter se aprofundado muito no que fazia para entender como cada coisa funcionava. “Eu buscava compreender o todo, e não apenas as coisas pequenas. Na área da tecnologia, minha amiga dizia que eu era a pessoa mais ‘técnica não-técnica’ que ela conhecia. Minha maior proteção nos locais em que não esperavam minha presença sentada à mesa era minha preparação, com muito conhecimento.” 

Depois do trabalho com móveis de ferro, Etienne passou por mais uma fábrica, onde fazia horas extras na área de venda aos sábados. Foi quando apareceu uma oportunidade no mundo das agências de propaganda e ela decidiu se aventurar. Mas ficou um mês no novo emprego, como executiva de contas, e voltou para a antiga ocupação. “Não sabia nada de briefing e budget. Fiquei muito assustada”. 

Mas a propaganda voltou a bater à porta da executiva pouco tempo depois, quando foi chamada para um freelancer de produção do festival de música Planeta Atlântida, o maior do sul do país. Lá, um dos sócios de uma agência local notou o trabalho dela e a chamou para ser assistente de marketing promocional na empresa, cargo que ela aceitou e conta ter aprendido bastante. “Me ensinaram a me vestir, a falar em reunião, a não comer de boca aberta. Caí de paraquedas na propaganda e comecei a fazer projetos grandes.” A partir daquele momento, Etienne começava a construir uma trajetória de muito prestígio na área de marketing promocional, o atual live marketing, em Porto Alegre.  

Precoce e ágil, como sua caminhada demonstra, aos 28 anos decidiu abrir a própria agência de live marketing, a Foguete. Ela conta que não foi fácil, mas passou a desbravar esse caminho solitário. “Não conhecia mulheres empreendedoras, e os donos de agência eram homens. Não tinha com quem conversar sobre minhas dores, que eram diferentes das deles. Mas usei essa dificuldade a meu favor. Estudei muito, me envolvi com pessoas legais para traçar a nova fase. Na época, não havia método para produção de eventos e marketing promocional, e eu queria mudar essa realidade. Comecei a aplicar tecnologia na metodologia da minha empresa.” 

Em pouco tempo, Etienne passou a atender grandes agências de publicidade de São Paulo. A Cubocc, que estava começando a ganhar muita visibilidade com seus cases inovadores, foi uma delas. Não demorou muito até a executiva ser convidada por eles a comandar a área de produção da agência, em 2009. Depois, com a venda da Cubocc para a Interpublic, ela se tornou Chief Operations Officer, passando então a assumir as operações da empresa no Brasil, com foco na reestruturação das áreas e mentoria para os líderes. “O digital começava a fazer muita diferença, e passamos a ter muitos cases legais. Usávamos muita tecnologia e pude unir o live marketing, com foco no consumidor, a novas tecnologias.” 

A partir daí, Etienne deu uma guinada na carreira. No entanto, foi na pandemia que viu seu nome estampado em todos os veículos de negócios e tecnologia do Brasil. Era a notícia sobre a cofundação da Mimo Live Sales. 

 

MUNDO DAS STARTUPS

Etienne e a empreendedora Monique Lima participavam do mesmo grupo na internet de lideranças femininas insatisfeitas com o mercado de negócios e comunicação, mas não eram amigas e sequer se conheciam pessoalmente. Ao notar o fenômeno do live commerce que movimentava o mercado chinês, Monique, que nunca tinha empreendido antes e não tinha muita bagagem em tecnologia na época, perguntou no grupo se alguém com o olhar de inovação toparia conversar com ela sobre o assunto. Foi Laura Florence, Executive Creative Director da Havas Health & You Brasil e cofundadora da More Grls, quem indicou Etienne para a conversa. Era o início da startup Mimo Live Sales, em 2020. 

“A gente não se conhecia, mas Monique fez o pitch para mim, viu que comecei a me empolgar e perguntou se eu topava participar. Depois, fizemos uma reunião para alinhar nosso propósito, que é a democratização do live commerce para todos. Foi aí que percebemos que não valia copiar o modelo da China, então estudamos o mercado brasileiro e nos adaptamos a ele. Estávamos no meio da pandemia e não nos conhecíamos pessoalmente”, conta. 

A conversa e o trabalho durante o isolamento social deram certo. Quando Monique e Etienne se conheceram, já tinham 10 colaboradores e 1 milhão de reais levantados. Nesses dois anos, elas se tornaram amigas. “Somos complementares no trabalho, mas diferentes. Pensava ‘será que vamos nos dar bem fora do CNPJ?’. Mas a jornada da Mimo fez a gente se unir para muito além do trabalho. Nos tornamos amigas, o que faz tudo ser melhor.” 

Desde então, a Mimo já fez mais de 200 transmissões para diversos segmentos e marcas como Givenchy, Dolce & Gabbana, Diageo, C&A e Bayer, e foi a única startup brasileira a ser chamada para o South by Southwest (SXSW), evento de inovação que ocorre anualmente em Austin, no Texas. 

 

SUCESSOS, FRACASSOS E BIOGRAFIA 

Para Etienne, seu momento de maior sucesso foi quando passou a ter autonomia para dizer não a um cliente desalinhado aos seus valores. “Vim da periferia, não tenho pais famosos, não fiz faculdade e aprendi a falar inglês há dois anos. Sempre pisei em ovos, ouvia pessoas dizerem que eu não deveria ocupar determinados lugares. Tinha receio de ser quem era de verdade, de me mostrar, mas hoje posso ser quem sou e estar de acordo com meus propósitos.” 

É do mesmo lugar que vem também o que ela considera um fracasso em sua carreira: “Eu me moldei muito para o que o mercado queria. Falo muito palavrão, pois tive que me masculinizar para virar ‘brother’ e não sofrer assédio, gracinhas e piadinhas. Fiquei assim por muito tempo, até perceber que tenho prêmio internacional, muitas empresas no currículo e reconhecimento profissional. Posso bater de frente. Meu maior fracasso foi ter me curvado tanto ao sistema. Rir da piada machista, ouvir absurdos para não perder aquela posição porque era vulnerável. Mas hoje não me permito. Não tolero mais nada que vai contra o que acredito.” 

Uma das coisas que facilitaram sua carreira, segundo a executiva, foi sempre respeitar as pessoas e colocá-las no centro de todas as suas decisões. “Por eu ser a pessoa deslocada dos ambientes, sempre pensei assim, mesmo antes disso estar na boca do povo como estratégia de negócios. Quando fui trabalhar em agência, todos vinham de grandes universidades, tinham feito intercâmbio, e comecei a entender que tratar bem as pessoas e escutar suas verdades fazia com elas gostassem de mim e valorizassem o quem eu realmente era e o que tinha a oferecer.” 

 

LIDERANÇA DE IMPACTO SOCIAL 

Etienne usou sua experiência de vida para fundar o negócio de impacto social Somos B, em 2016, quando fechou a agência Foguete diante da crise econômica e decidiu focar seus esforços em aliar propósito ao trabalho. A instituição tem o objetivo de beneficiar jovens de baixa renda por meio da conexão com empresas que se alinham à mesma missão, enquanto preparam profissionais de base para seu quadro de colaboradores. A ideia é viabilizar a capacitação de pessoas de comunidades em tecnologia, design e inovação, por meio de cursos profissionalizantes gratuitos. 

 

Etienne usou sua experiência de vida para fundar a Somos B, em 2016 (Crédito: Eduardo Lopes)

“Sempre tive uma jornada muito solitária, mas hoje temos grupos de mulheres se apoiando. Quando chegava nos ambientes corporativos, era a única periférica. Falava errado, mas tive que aprender a estar nesses ambientes. Mas uma coisa sempre me chamou atenção: não via pessoas sendo valorizadas pelo que elas realmente deveriam ser. Comecei então a estudar muito sobre negócios ancorados em propósitos. Entendo meu privilégio e quero que outras mulheres como eu possam existir.” 

 

AMBICIOSA, SIM 

Ao falar do futuro, Etienne assume sua ambição como uma espécie de resistência. “Sou muito ambiciosa, e isso me ajuda muito. As mulheres são incentivadas a não terem ambição, puxam logo para ganância e coisas negativas. Mas, como minha mãe me estimulou a sonhar, como aprendi isso desde cedo, sonho para onde quero ir e desejo levar minha vida.” 

Em termos práticos, ela quer democratizar a tecnologia para os brasileiros com a Mimo, mas isso vai muito além de levar a marca para todos os estados. “Começa dentro de casa, com acesso à inovação. Nos próximos anos, vamos expandir e mostrar que é possível, sim, fazer negócios fundados por mulheres, dentro do ESG, e prezar pelo que é correto. O mercado precisa entender que pode dar certo, dar lucro e muito sucesso.” 

Etienne também diz que espera o fim da Somos B, que não deveria ter a necessidade de existir daqui a 10 anos. “Que a gente não precise dessas iniciativas no futuro. Mas estou dentro de tudo o que mude a estrutura do mercado, pois quero usar meu lugar de poder para fazer algo diferente e mudar o que não está legal.” 

Publicidade

Compartilhe

Veja também

  • Como Rita Lobo fez do Panelinha um negócio multiplataforma

    Como Rita Lobo fez do Panelinha um negócio multiplataforma

    Prestes a completar 25 anos à frente do projeto e com nova ação no TikTok, a chef, autora e empresária revela os desafios de levar comida de verdade dos livros de receitas para outros espaços

  • Quais são as tendências de estratégia para 2025?

    Quais são as tendências de estratégia para 2025?

    Lideranças femininas de agências, anunciantes e consultorias compartilham visões e expectativas para o próximo ano