O céu não é o limite: as lições de uma jovem liderança da Nasa

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O céu não é o limite: as lições de uma jovem liderança da Nasa

Com apenas 20 anos, Laysa Peixoto celebra ser a primeira astronauta brasileira a conduzir um experimento em gravidade zero


11 de abril de 2024 - 14h58

Laysa Peixoto é astronauta e lidera equipes em dois projetos da Nasa (Crédito: Divulgação)

Laysa Peixoto decidiu que queria ser astronauta aos oito anos de idade, assistindo a um DVD da série Cosmos. Um sonho comum entre crianças, mas que pouquíssimas conseguem realizar, principalmente as meninas. Entretanto, para Laysa, o que poderia ser uma fantasia de infância se tornou realidade. Ela está prestes a ser a primeira mulher latino-americana a conduzir experimentos em gravidade zero. Seu novo sonho, agora no posto de astronauta, é ser a primeira brasileira no espaço e a chegar em Marte.  

Originária de Belo Horizonte, a jovem iniciou sua trajetória na ciência ao participar de olimpíadas do conhecimento, que abriram as oportunidades que se seguiram. Hoje, ela lidera equipes em dois projetos da Nasa: um de inteligência artificial e outro de extração de água da superfície da lua.  

Nesta conversa franca, ela compartilha sua jornada de autodescoberta e superação, discutindo os desafios de ser uma líder jovem em uma área dominada por homens. Revela também a importância da criatividade na ciência e a luta contínua pela igualdade de gênero neste universo em constante expansão. 

Pode falar um pouco sobre suas origens e sua trajetória profissional?

Sou natural de Belo Horizonte, da região metropolitana da cidade, e minha educação sempre foi em escolas públicas. Enfrentei desafios financeiros durante o ensino médio, especialmente quando estava fazendo um curso técnico em informática. Às vezes, precisava escolher entre ir a pé para a escola ou deixar de participar da orquestra, uma das minhas paixões na época.  

Essa mistura de interesses influenciou profundamente minha trajetória, e me levou a participar de olimpíadas de conhecimento e de competições de música. Fui medalhista de prata na Olimpíada Brasileira de Astronomia, o que me guiou à competição internacional, na qual fui medalhista de bronze. 

Na pesquisa, tive a oportunidade de trabalhar com a Nasa fazendo descobertas como o asteroide LPS 003. Além disso, também desenvolvi pesquisas sobre matéria escura, ondas gravitacionais, detecção de exoplanetas e classificação de galáxias. 

Em 2022, participei do curso de treinamento de astronautas, o Advanced Space Academy, da Nasa, onde era a única estrangeira da Expedição 36. Foi a realização do meu sonho de infância: poder me tornar uma astronauta. No ensino fundamental, como não tive muitas referências de cientistas brasileiros, ou de cientistas que tivessem uma realidade mais parecida com a minha, eu achava que aquilo era muito distante para mim. 

Atualmente, minha pesquisa abrange áreas como computação, física e astrofísica. Desenvolvo tecnologias com engenharia de software e inteligência artificial para a Nasa, e fui selecionada para liderar uma equipe para desenvolver duas soluções inovadoras. A primeira é o MADDS (Mars Adaptive Decision Support System), que é um sistema de inteligência artificial de suporte de decisão para astronautas em missões para Marte. Já o segundo é o AquaMoon, destinado à extração de água da superfície da Lua. Também estou me preparando para experimentos em microgravidade, os quais serei a primeira mulher latino-americana a conduzir. 

Como é ser uma líder tão jovem? Como você descreveria seu estilo de liderança nesses projetos? 

Eu tive que aprender a ser líder e a liderar tecnologias na “marra”. Sempre achei que precisava ser excelente tecnicamente, focando mais no conhecimento teórico. Mas, na Nasa, eles nos desenvolvem em todos os aspectos. Você não é só um cientista, é um líder, um gerenciador de projetos. Me vi como liderança de primeira viagem no ano passado, mas recebemos muito treinamento. Fiz vários cursos de gerenciamento de projetos e aprendi a balancear a técnica com outras metodologias de organização e continuidade de projetos. 

O que talvez defina meu estilo de liderança é ser muito aberta a ouvir as opiniões das pessoas. Entrar nesses projetos, liderando profissionais mais experientes que eu, fez com que eu me preocupasse sobre o que eu poderia oferecer. Mas houve uma troca muito rica. Aprendi a importância da comunicação e do feedback como líder, o que considero essencial. 

Qual é a importância da criatividade e como ela se relaciona com a ciência? 

A criatividade humana é algo muito especial e interessante, pois nos permite improvisar e encontrar soluções únicas para os problemas. Essa habilidade de improvisar está diretamente ligada à criatividade e é essencial na ciência, onde nem sempre as coisas saem como o planejado. A ciência trata justamente das descobertas inesperadas e é a criatividade que nos ajuda a lidar com esses resultados imprevistos. 

Acredito que a curiosidade, a criatividade e a inventividade estão interligadas e são características inerentes a todo cientista. Na ciência, a criatividade se manifesta na busca por novas metodologias e na combinação de diferentes áreas do conhecimento para criar algo único. Em minha experiência em projetos e tecnologias, percebi como um ambiente multidisciplinar faz diferença. A criatividade também está relacionada a isso, a utilizar ferramentas e abordagens diversas para criar algo inovador. 

Como cientista, é fundamental manter esse espírito explorador, de curiosidade e criatividade. Adoro a profissão que escolhi, pois me permite viver criando soluções para problemas nunca analisados ou previstos. 

Pesquisas apontam que as meninas acabam se afastando da ciência ainda no período escolar. Você mesma falou sobre como este caminho parecia distante. Como cientista e astronauta, você já se sentiu oprimida por ser mulher? 

Durante o ensino fundamental, senti um grande distanciamento em relação ao meu sonho, uma barreira que muitas meninas, especialmente em situação de vulnerabilidade social, enfrentam. Mesmo apresentando bons resultados, elas são desestimuladas, colocadas em uma caixa que limita suas possibilidades. No ensino fundamental, esse padrão é reforçado, às vezes de forma inconsciente. Dá a impressão de que certas áreas, como STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática), são exclusivamente masculinas. 

Essa falsa noção é perpetuada nos livros didáticos, que raramente apresentam exemplos de mulheres na ciência, exceto por figuras como Marie Curie. Isso cria a sensação de que certos espaços nunca foram destinados às mulheres. Porém, tive a oportunidade de transcrever documentos de grandes astrônomas do século passado em um programa da Universidade de Harvard em 2020. Fiquei inspirada ao descobrir mulheres que contribuíram significativamente para a ciência, mas cujas histórias foram apagadas. 

Essa falta de representatividade também se reflete no cinema, onde as histórias de cientistas homens são contadas de maneira muito diferente das histórias de mulheres. Isso impacta diretamente na autoimagem das meninas e nas oportunidades que elas acreditam ter. Demorou um tempo até eu me ver como cientista, mas finalmente consegui seguir meu sonho. Ainda assim, acredito que as meninas merecem mais incentivo desde cedo. Essa mudança de perspectiva é fundamental para o progresso das mulheres na ciência. 

Quais foram os momentos decisivos que te permitiram vislumbrar um futuro na ciência? 

Essa experiência com a transcrição de documentos na Universidade de Harvard foi definitiva e emocionante pra mim. Ver o trabalho de várias astrônomas, sentir aquela conexão direta com a história delas, foi marcante. Nesse mesmo ano, tive uma aula pelo Zoom com Andrea Ghez, vencedora do Nobel, que confirmou a existência de um buraco negro da nossa galáxia. Ela nos fez sentir como se não houvesse barreiras, como se eu pudesse me tornar uma cientista também. Essa empolgação, essa paixão pela ciência, ficou muito forte em mim. 

Outro momento incrível foi em 2022, quando palestrei ao lado de Catherine Coleman, minha maior inspiração na carreira de astronauta. Catherine é uma astronauta norte-americana, veterana de três missões espaciais. Foi uma coincidência especial, pois sempre admirei ela, inclusive quando ela tocou sua flauta na estação espacial, pois ainda sonho em levar meu violino para o espaço. 

Não posso esquecer das mulheres da minha família, que são fontes diárias de inspiração e força. Planejo homenagear minha bisavó Carmen, colocando o nome dela no asteroide LPS 003, que por ora segue com as minhas iniciais. 

Fale um pouco sobre como é a preparação para se tornar astronauta. Como você está se sentindo? 

Tem sido uma jornada emocionante para mim. Sinto uma responsabilidade enorme por representar meu país. Como pessoa perfeccionista, me preocupo com cada detalhe, mas isso me impulsiona a me preparar bem e dar o meu melhor. Estou orgulhosa de ser brasileira, porque vejo um potencial gigantesco nas pessoas do Brasil, o que me inspira muito durante essa preparação. 

Recebo muito apoio das pessoas, especialmente nas redes sociais, onde crianças me enviam desenhos e expressam o desejo de serem astronautas também. Interagir com elas é uma das partes mais inspiradoras para mim, e é por isso que criei a Elliptica Foundation, oferecendo cursos gratuitos na área de STEM, para retribuir esse carinho e apoio. 

Meu treinamento envolve avançar em certificações como piloto, cientista e mergulhadora, combinando aspectos físicos e científicos. Aprendo muito com outros astronautas, trocando mensagens e recebendo conselhos valiosos. Ter essa rede de apoio tem sido fundamental para a minha jornada até o espaço. O próximo passo importante será esse voo em gravidade zero, e espero poder compartilhar a data em breve. 

Qual conselho você daria para uma menina que sonha em ser cientista ou até mesmo astronauta? 

Meu principal conselho é buscar inspiração na história de pessoas que marcaram a ciência, especialmente em mulheres cientistas do Brasil. Isso é fundamental para ver que muitas mulheres trilharam caminhos incríveis antes de nós e abriram espaço para as futuras gerações. Essa consciência é crucial, pois muitas vezes nos sentimos isoladas ou excluídas da ciência, mas a verdade é que as mulheres sempre foram parte integrante dela e contribuíram significativamente para o mundo. Saber que tecnologias cotidianas, como o Wi-Fi, foram desenvolvidas por mulheres nos mostra a importância de conhecer e compartilhar essas histórias. 

Outra dica importante é explorar todas as oportunidades disponíveis e não achar que é tarde demais para começar em uma nova área. A internet foi uma ferramenta vital para mim, permitindo-me descobrir pesquisas e dados abertos de agências espaciais, como a Nasa. Essa acessibilidade é algo que poucos conhecem, mas pode abrir portas incríveis para contribuições significativas na ciência. 

Além disso, incentivo especialmente as meninas a participarem de olimpíadas científicas, que são fundamentais para o desenvolvimento científico e acadêmico. Participar dessas competições me preparou para a carreira científica, ensinou-me como estudar de maneira eficaz e abriu muitas portas para oportunidades maiores. As olimpíadas científicas foram uma etapa crucial no meu caminho e acredito que possam ser também para muitas outras meninas. 

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