Por que mulheres renunciam no auge de suas carreiras?
As recentes renúncias das primeiras-ministras da Nova Zelândia e Escócia chamam a atenção para uma atitude marcadamente feminina e que começa a ganhar espaço também no mundo corporativo
Por que mulheres renunciam no auge de suas carreiras?
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Lidia Capitani e Marina Vergueiro
3 de março de 2023 - 17h00
Jacinda Ardern, primeira-ministra da Nova Zelândia, e Nicola Sturgeon, primeira-ministra da Escócia, renunciaram a seus cargos no início deste ano após carreiras muito bem sucedidas em seus respectivos países. Os motivos que as fizeram optar por dar uma pausa na vida profissional estão longe do que o lugar-comum costuma reservar às mulheres. Nem a maternidade, nem escândalos relacionados às suas vidas políticas e privadas, mas exaustão. Em entrevista coletiva para a imprensa, a premiê Nicola afirma que se perguntou se continuar no cargo seria o correto: “posso dar a este trabalho tudo o que ele exige e merece?”. Já a neozelandesa Jacinda utilizou a metáfora da “falta de combustível no tanque” para justificar sua decisão.
Mas por que raramente vemos homens fazendo um movimento similar? Para Andréa Cruz, especialista em gestão de carreiras e CEO da SerH1 Consultoria, a mulher tem uma tendência à autocobrança e, por consequência, culpa quando não realiza algo perfeito. “Isso gera uma frustração muito grande e desperta um gatilho mental de não se sentir capaz. Assim, começa a se questionar se está na posição correta. Raramente você encontra este comportamento nos homens e muito menos o questionamento sobre sua competência para a posição”, explica.
A tendência de pausa na carreira extrapola o universo público e também atinge as empresas privadas, tanto que recentemente o LinkedIn lançou um recurso em que é possível adicionar esse momento dentro da sua linha de tempo profissional. É o caso de Carina Hermida, que durante 16 anos esteve na Heineken – nos últimos três como Consumer Connection Senior Director, responsável pela áreas de Mídia, Aceleração Digital, Patrocínios & Eventos e SAC, olhando para todas as marcas do portfólio da companhia.
Há 8 meses, Carina entendeu que estava vivendo nos 50% da sua energia, alegria e paixão pela vida. “Qual o sentido de ter um emprego estável, estar com saúde e não viver bem? Assim eu entendi que precisava mudar e que o incômodo era porque eu queria oxigenar, não era sobre um outro emprego, mas ter um tempo pra mim. Quando tomei essa consciência entendi que a decisão estava tomada”, conta. Além de aproveitar para fazer tudo sem pressa e se dedicar a prazeres que antes não tinha tempo, como a leitura e a culinária, ela também aproveitou para aprimorar suas soft skills fazendo um curso de formação em Coaching na Erickson International e um de psicologia positiva em Stanford, que resultam em benefícios tanto para sua vida pessoal quanto profissional.
Mas nem sempre essa transição é tão suave ou parte da necessidade de autoconhecimento e de ter mais tempo para si. Segundo Andréa Cruz, a maioria das renúncias para cuidar da vida pessoal é mecanismo de defesa para mascarar incongruências do ambiente corporativo. “Nesses 28 anos de profissão, 10 anos atendendo profissionais, um caso que me marcou muito. Uma mulher C-level me procurou dizendo que queria tirar um sabático para acompanhar o crescimento da filha. Durante a conversa, diagnostiquei que ela estava percebendo incoerências na atitude do novo presidente da empresa e não queria fazer parte daquele board. Ela estava há mais tempo na organização, conhecia muito melhor a cultura, mas ao invés de questioná-lo, ela preferia renunciar. Mas o que ela trouxe foi querer estar mais perto da filha”.
A especialista em gestão de carreiras costuma orientar suas clientes a renovar os votos com as atividades profissionais trimestralmente, exatamente como é feita revisão dos negócios na mesma periodicidade. Isso é, “compreender se a relação está equilibrada, se você manteve seus inegociáveis em dia, como andam os demais pilares de sua vida, saúde, bem estar, lazer e família”, afirma Andréa.
As pausas nem sempre precisam ser abruptas. Carina, por exemplo, organizou-se para se dedicar a si mesma por cerca de um ano e meio e a conversa com seu antigo gestor, pares e equipe foi tranquila, ”o que não significa que tenha sido fácil”, pondera.
Para Andréa, a parada programada é a ideal e pode acontecer por diversos motivos, como por exemplo a realização de um sonho que exige dedicação integral.
Durante muitos anos, uma lacuna no currículo poderia significar dificuldade de retorno ao mercado de trabalho. Entretanto, hoje em dia existem empresas que oferecem programas de recolocação profissional para pessoas que fizeram pausa na profissão, o que dá mais segurança para Carina na volta desse atual momento. “Entendo que muitos líderes hoje percebem esses movimentos como um período de aprendizado, repertório e autoconhecimento que somam ao conhecimento técnico de um profissional. A bagagem que tenho não se perde e acredito que novos skills vêm desse processo”.
Para evitar frustrações, a especialista em gestão de carreiras acredita que é importante alinhar expectativas sobre o retorno, principalmente porque uma pausa significa dar atenção a diversas áreas da vida que antes não eram prioridade. Para Andréa, “a mulher precisa entender que mudou e não necessariamente vai aceitar um modelo e uma carga horária sem coerência a tudo que ela conquistou durante o break. Este é um dos maiores desafios no momento de transição, muito maior que a aceitação pós break do profissional no mercado”.
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