Samantha Almeida: “a diversidade é o novo sinal de wi-fi”
Diretora de Diversidade e Inovação em Conteúdo da TV Globo conta como o acesso à educação através de bolsas a propiciaram uma carreira sólida
Samantha Almeida: “a diversidade é o novo sinal de wi-fi”
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Marina Vergueiro e Marina Vergueiro
7 de junho de 2023 - 12h16
Após cerca de um ano e meio na Rede Globo quando assumiu como Diretora de Criação e Conteúdo dos Estúdios Globo, a publicitária Samantha Almeida se prepara para assumir um novo cargo e liderar um novo departamento chamado Diversidade e Inovação em Conteúdo. “Como é que a gente consegue construir depois que você faz a sala de roteiro, tem o texto, tem o projeto, como é você garante o trilho ético e estético dessas narrativas pela perspectiva de inovação, diversidade, cultura e das realidades múltiplas do Brasil?”, conta sobre a posição.
O convite para a mudança de cargo veio após o trabalho feito ao longo do ano com diversos produtos dos Estúdios Globo, mas principalmente o Big Brother, carro-chefe da casa, que em sua versão de 2022 teve a edição com maior diversidade da história do programa. O trabalho de Samantha era garantir uma representação estética qualificada de personagens de grupos sub-representados, além de propiciar ao corpo criativo da empresa o acesso a novas informações e conversas públicas relevantes para a sociedade brasileira. “É uma área que não tem como base a educação, mas impacto na criação e no conteúdo, no resultado final, para que a gente tenha produtos que sejam não só visualmente construídos diversamente, mas estruturalmente dentro de uma cultura que abraça novos imaginários”.
Atualmente, Samantha também se prepara para ser a presidente do Júri de Cannes Lions, a única brasileira da lista liderando uma categoria no festival que acontece de 19 a 23 de junho. Responsável por Social & Influencer Lions, categoria que faz um cruzamento entre Conteúdo, Publicidade e Entretenimento, ela afirma que “o viés da responsabilidade é uma coisa que me acompanha, especialmente em projetos como esse, onde você vai estar com a comunidade criativa global e o que você constrói como vencedores é farol do mercado”.
Os desafios são constantes na vida de Samantha e nunca foram impeditivos para que ela pudesse prosperar na carreira e na vida. Nascida e criada na comunidade da Rocinha no Rio de Janeiro, Samantha desde pequena se acostumou a habitar dois mundos, o da precariedade e da ausência de estrutura pública que a rodeava e um mundo de oportunidades, vivido e absorvido nas escolas particulares em que foi bolsista graças às iniciativas de sua mãe, “que era uma mulher muito visionária na perspectiva de que aquelas condições poderiam ser melhoradas na nossa vida a partir da educação”.
Sobre seu acesso à educação de qualidade, é contundente: “Não tenho dúvida que a minha trajetória é resultado do movimento negro. Porque eu sou bolsista, não fui cotista, porque eu não sou dessa geração, mas provavelmente seria. Ser bolsista mudou minha vida. Ter acesso à educação mudou minha vida.”
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
A morte da mãe em 2019 definitivamente foi um divisor de águas e o momento mais desafiador de sua vida. Na época, Samantha estava assumindo a liderança de um time de 60 pessoas na Ogilvy Brasil, projetando uma nova área de conteúdo digital para clientes da empresa. “Tenho um carinho enorme pelo time da agência que me recebeu, porque eu cheguei em caquinhos, emocionalmente muito frágil, mas foi muito importante porque foi um momento de entender quais são minhas fragilidades e as fortalezas dentro dessa vulnerabilidade”, relembra.
Áreas novas. Novos produtos. A novidade parece uma constante na carreira de Samantha desde o início, quando ainda estudava moda na Faculdade Santa Marcelina. “Tinha um imaginário muito pulsante na década de 1990 sobre esse universo do mercado da moda e o que isso representava, como ele se comunicava com a minha geração, então eu escolho fazer a faculdade de moda, mas logo percebo que a coisa que eu mais gosto no curso é a comunicação, história, semiótica. Dentro de uma faculdade criativa de desenho, vou me descobrindo muito mais da palavra, do texto e da análise do pra quê serve a moda”, relembra.
Por intermédio da faculdade, conseguiu seu primeiro estágio aos 19 anos em uma grande multinacional, Levis’s, onde trabalhou durante sete anos. Lá, teve a oportunidade de percorrer o Brasil apresentando novas coleções para franqueados ao lado do time de vendas, entendendo que era necessário expor as peças de maneira adaptada a cada cidade, porque hábitos e clima não eram os mesmos.
Na época, era a única pessoa negra do time e também a única a viver uma realidade menos privilegiada, o que fazia que ela não pudesse ter acesso aos produtos que trabalhava. “O que eu achava que eram ausências da minha vida, da minha infância, devido uma realidade popular brasileira de vir de uma família miscigenada, de ter crescido com uma mulher negra, periférica, de ter vindo da favela, tudo que eu achava que era uma desvantagem social com o tempo virou um olhar sobre o mundo que os lugares onde eu comecei a acessar não tinha”, conta.
Ainda na Levis’s, sua veia para a comunicação falava mais alto e Samantha, além de começar a olhar para o nascimento das mídias sociais como Orkut e MySpace, criou um jornal de integração de todos os franqueados no qual falava sobre tendências locais. “A minha carreira é um resultado de experimentação, de tentar encontrar um lugar onde ninguém está olhando e, principalmente, liberdade para testar”.
Com uma trajetória bastante diversificada em que já atuou como cliente, em agência e agora um grande grupo de comunicação, Samantha já passou também pelo Twitter, Mynd, Avon, e Estée Lauder e garante que esse caminho foi pensado estrategicamente para compreender todos os processos da criação. “Eu passei praticamente dois terços da minha carreira sendo cliente. E quando você é cliente, você percebe a importância de todos os pares, de toda a participação da cadeia dentro da construção de um produto bom, boas campanhas, bons conteúdos, bons documentários”.
DIVERSIDADE E INOVAÇÃO
A caminhada de Samantha sempre foi atravessada por marcadores de raça, gênero e classe pela sua própria experiência de vida, mas ela dá um passo além. “Eu acredito que a diversidade é ferramenta. Assim como você tem computadores, tecnologias, sistemas, a diversidade humana é o novo sinal de wi-fi. É de lá que vai vir essa grande conexão que a gente precisa”, explica. “E como criativa, minha criação tem que estar a serviço da construção de uma sociedade mais igualitária, de uma sociedade mais sólida, com relações humanas democráticas e mais justas”.
Samantha entende que a diversidade não é apenas números ou uma composição estética do time, mas uma metodologia que envolve a todos, sem exceção. “Porque não é só trazer pessoas diversas das que já estão. É como você constrói um caminho sólido para elas, como a gente não destitui a humanidade delas no meio, como é que você prepara quem chega, mas também prepara quem recebe. Quem recebe precisa ser muitas vezes muito mais preparado. Muitas vezes as pessoas que me recebem nunca lidaram com pessoas como eu, negras, periféricas, mulheres que estão no lugar para contra-argumentar, para negociar, para construir, para fazer parte e não serem subalternizadas”, afirma.
Acompanhar o ritmo de trabalho de Samantha não é tarefa fácil, mas ela também se reserva momentos de ócio nos quais gosta de fazer absolutamente nada ou de se debruçar sobre livros, principalmente a biografia de Sueli Carneiro e o clássico “Cem anos de solidão”, de Gabriel García Márquez. “Eu sou 8 de 80, nascida no dia 8 do ano de 80. Então, ou eu faço muito, ou não faço nada. O meu domingo é sagrado. Se estiver no Rio de Janeiro, de frente pra praia, tomando deliciosas cervejas por 8 horas seguidas, e se eu estiver em São Paulo, o mesmo ritual se repete sentada no meu sofá”.
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