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Adeus às armas

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Ponto de vista

Adeus às armas


3 de janeiro de 2014 - 10h00

Sou filho de militar. Morando na periferia, visitando meus avós em Minas, de família pobre, cedo aprendi a fazer um estilingue, caçar rolinhas pra comer. Depois, aprendi a usar uma espingarda, um rifle Remington calibre 22 que meu pai chamava de Flobé. Porque na época, a arma clássica era a Flaubert, uma carabina Inglesa.

Adolescente ainda, ele me ensinou a cortar, com a Flobé 22, uma carta de baralho, de perfil, há 20 metros de distância.

Depois veio o cinema, os westerns, com cowboys caçando índios com a Winchester 73 (tive uma também). John Wayne, James Stewart, filmes de guerra. 
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Já adulto, quando sobrava dinheiro, corria para a loja Ao Gaúcho, na avenida São João, onde comprei um Taurus calibre 32, cano curto. Depois um cano longo. De um italiano vizinho da produtora Linxfilm, comprei uma Beretta 22 automática.

E depois a arma que mais gostava, um rifle BRNO semiautomático, também calibre 22, com pente de 16 balas. Uma Flobé sofisticada, de raça!

Ganhei de um grande amigo uma pistola Luger alemã, 9 mm.
Tinha quatro peças de encaixe que eu montava e desmontava em 10 segundos.
E assim seguia minha coleção. Que já incluía uma Walther 9 mm. Todas registradas. Como não eram usadas, eram limpas e lubrificadas sempre com carinho. Cheguei a andar armado durante o tempo em que morava numa região perigosa de Cotia. Mas nunca tive a chance de atirar em alguém. Somente tiro ao prato.

Acontece que quando nós somos criados desde criança com brinquedos em forma de arma, mesmo que ele solte bolhas de sabão, sabemos ou intuímos que as armas são feitas para matar.
Crescidinhos, vamos brincar de Paintball. E agora com os X- Games e Game Wars, ou vamos ao cinema nos identificar, num processo de catarse, com nossos heróis, Clint em Dirty Harry e Charles Bronson em Desejo de Matar, ou a recente série The Punisher, O Justiceiro.
Todos gente do bem como nós nos julgamos, mas, que por força das circunstâncias da vida, foram obrigados a fazer justiça com as próprias mãos.

Depois de tantos anos, essa chance felizmente não me apareceu.
Hoje sou incapaz de matar, por princípio, uma barata ou mesmo um rato ou besouro.
Outro dia passando por um posto policial, vi o cartaz da campanha nacional de desarmamento da polícia militar.

No dia seguinte, entreguei o que restava de minhas armas. Depois de pegar a senha para o reembolso do valor delas, pedi que fossem destruídas na minha presença. Queria ter a certeza de que elas jamais tirariam a vida de alguém.
Fui levado para um quartinho escuro, onde o policial pegou uma enorme marreta. Pá, pá e lá se foi a Beretta, o Taurus. Mas quando chegou a vez da minha Flobé, a cada marretada meu coração partia. E sem poder me controlar, desandei num choro que deixou o policial surpreso.

Sai de lá aliviado, mas triste.

Adeus Flobé.

Perdão meu pai.

Julio Xavier é sócio da BossaNovaFilms, um franco ex-atirador! 

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