Meio & Mensagem
29 de julho de 2013 - 2h58
Um amigo meu tem alergia ao camarão. O curioso é que ele tem a sensação de que camarão deve ser gostoso. Só que está impedido de provar. Ele sente o cheiro, mas o sabor pode custar uma glote fechada. Eu tenho algo parecido com storytelling. Eu gosto do que a palavra significa, do cheiro. Agora, basta uma simples menção para que manchas vermelhas apareçam pelo meu corpo inteiro. Há meses, ando sempre com um Polaramine no bolso.
Quando eu comecei em propaganda, a palavra da vez era paradigma. “Queremos uma campanha que quebre os paradigmas” era uma frase proferida em quase toda reunião. Logo, descobri que pessoas que falavam em quebrar paradigmas nunca os quebravam para valer. Era uma frase de efeito, apenas. Que trazia um ar de importância, de sabedoria, de algo difícil de atingir.
Acompanho com curiosidade o crescimento e a valorização da palavra storytelling. Ela também carrega essa aura de importância. De novidade. “Precisamos de uma campanha com storytelling” soa como “precisamos de uma campanha com essa coisa nova que vocês criativos ainda não dominam.” É quando as manchas surgem no meu corpo. Não existe novidade alguma em storytelling. Desde que o mundo é mundo, grandes campanhas sempre carregaram esse tal storytelling naturalmente. A diferença é que nós tínhamos outro nome para ele: ideia boa.
Lembro de uma entrevista com um cineasta (acho que era o Kurosawa), em que o entrevistador analisa a cena de um filme. Ele carrega a cena de significados. Tenta sugerir uma série de valores que essa cena teria. E pergunta o que o cineasta estava pensando quando chegou naquele take. O cineasta responde: “Tinha um aeroporto ao lado. Era o único take possível. Se eu abrisse demais o plano, o avião apareceria.” Cito mais uma entrevista de um escritor que eu também não vou lembrar o nome. Vale assim mesmo como metáfora. Mais uma vez, o entrevistador carrega a pergunta de sentidos. De tudo o que pretensamente o autor teria pensado para escrever. E o escritor responde com simplicidade: “Se eu pensasse nisso tudo, não teria escrito.” É o que eu sinto sobre pedidos de campanhas com storytelling. Não dá para chegar em uma ideia, partindo dessa premissa. Storytelling é uma consequência de um grande conceito. “Just do it”, “Impossible is nothing”, “Good things come to those who wait.” Cada frase dessas carrega uma infinidade de histórias.
O problema é que storytelling virou um grande disfarce. Quando vejo surgirem especialistas em storytelling, fico realmente preocupado. Quando vejo cargos com o nome storytelling atrelado, penso no que essas pessoas realmente fazem. Talvez eu seja um dinossauro, um ignorante, um tosco mesmo. Só que na minha cabeça, especialistas em storytelling são pessoas que criaram algum storytelling. Dã. Um exemplo: “Meu primeiro sutiã”. Quer algo mais carregado de storytelling? Logo, Olivetto é um dos maiores especialistas em storytelling.
Em uma busca aleatória, descubro uma série de explicações sobre o tema. “Storytelling ajuda a alavancar vendas e a espalhar ideias”. “Transmedia storytelling é a possibilidade de contar uma história através de diferentes meios.” “Criar uma história envolvente é a chave para o sucesso em um mundo tão conectado.” “Storytelling é um novo conceito de marketing.” “As sete etapas do storytelling: ouvir, aprender, descobrir, explorar, criar, comunicar e encantar.” “Desde os primórdios, os líderes criam histórias para reforçar crenças e manter seu público fidelizado.” Sério. Existe algo realmente novo nessas definições? Estamos falando de revolução ou de obviedades bem-vestidas?
Para ficar bem claro, eu não sou contra o storytelling. Eu sou contra o mal uso da palavra. Contra o excesso. Contra tentar usá-lo como uma técnica só dominada por mestres de Kung-fu-marquetês. Isso me dá uma coceira. É como entrar em um restaurante e o cara servir bife com batata, mas chamar de Steak em Sous Vide deitado em cama de tubérculos. Eu sei que fica mais bonito, que pode até vender mais, só que não é necessariamente melhor.
Às vezes, o linguajar do marketing lembra um pouco o Marcelo, Marmelo, Martelo, personagem encantador da Ruth Rocha. O menino que chamava cachorro de latildo, cadeira de sentador, leite de suco de vaca. Até que a casa do cachorro pega fogo porque seus pais não o entendem. Acho melhor pedir por uma campanha boa e que tenha uma história bem contada. Do que pedir por storytelling. Claro, que como os pais do Marcelo, Marmelo, eu tive que aprender a entender e ressignificar esses pedidos.
Seria mais fácil se eu falasse de um jeito mais complicado. Só que não consigo. Eu gosto de ir direto ao ponto. Não há nada de novo no que storytelling significa. A novidade é que tem gente demais virando especialista em algo que não sabe criar. E isso é realmente perigoso. Tateio meu Polaramine no bolso. Preciso aumentar a dosagem. Sinto que a palavra “Serendipity” vai entrar na moda logo, logo.
André Kassu, diretor de criação da AlmapBBDO
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