Você quer viver ou quer durar?
Algo que inconscientemente permeia todas as nossas escolhas. Você pode aplicar em qualquer momento decisivo
Algo que inconscientemente permeia todas as nossas escolhas. Você pode aplicar em qualquer momento decisivo
Meio & Mensagem
27 de fevereiro de 2014 - 12h12
Perto de casa acontece uma feira. São muitos os personagens que dão vida às manhãs de domingo por lá. Tem o Amendoim, da barraca de frutas, e os seus parceiros embalados na cachaça com mel, a Dona Judite, dos queijos e azeitonas, o simpático vendedor de verduras que sempre esqueço o nome. Dentre todos, uma figura é o destaque absoluto. O vendedor de cocadas e tapioca. Se porventura o Jorge Benjor o encontrasse, ele viraria personagem de uma bela canção. Eu o chamo de delegado porque ele me chama de delegado. Não faz muito sentido, mas há uma graça. Vem dele uma das melhores e mais difíceis lições que ouvi. Estava eu a esperar a minha tapioca, quando uma pequena senhora começou a admirar as cocadas de diversas cores. Para combinar, ela tinha um cabelo no tom de algodão doce. O vendedor, malandro que só ele, falou:
– Pode escolher à vontade. São todas boas.
Uma voz delicada respondeu:
– Não posso engordar.
O delegado, sem titubear, deu o golpe final:
– A senhora quer viver ou quer durar?
Ela deu um sorriso e levou a sua bandeja repleta de deliciosas calorias.
Penso nessa frase desde então. É uma equação que nunca foi tão bem resumida. Algo que inconscientemente permeia todas as nossas escolhas. Você pode aplicar em qualquer momento decisivo. A bandeja de cocadas assume múltiplas formas dependendo da situação. Neste exato momento, estou com uma em minhas mãos. Saborear ou não é sempre mais complicado do que parece.
No primeiro momento em que eu falei que estava saindo da AlmapBBDO, muita gente não entendeu. A melhor agência do Brasil, a mais premiada, um cargo de direção de criação. Quem em sã consciência jogaria isso tudo para o alto? Era a pergunta expressa em alguns olhares assustados. Era a mesma que eu me fazia por meses ao olhar no espelho.
Curiosamente, eu não sou um sujeito atirado. Se eu entro em um ambiente, preciso estudar cada detalhe ao meu redor. Analiso a situação de todos os jeitos possíveis, com conjecturas e probabilidades. É algo quase imutável na minha personalidade. Desconfie primeiro, acredite depois. Quando adolescente, pegava onda assim. Era cauteloso ao extremo para evitar me machucar. Como se isso fosse possível. Já bem mais velho, fui duas vezes para Mentawaii. Na segunda, ganhei a alcunha de Kassuicida. De tanto estudar, criei coragem para esticar o meu limite até o ponto de raspar no coral. Machucar faz parte da aventura.
Por oito anos, eu trabalhei na F/Nazca S&S. Ali fui reconstruído, remoldado e forjado para crer na rebeldia como essência do trabalho criativo. Nunca pensei em sair de lá, porque não consigo separar negócio de pessoas. Eu preciso admirar quem está em volta para seguir trabalhando. Lá eu tinha o kit completo. Até que me veio a frase mortal do meu sócio e dupla Marcos Medeiros: eu sei que você não sai daí, mas queria fazer uma proposta. Esse “eu duvido” me chacoalhou. Passei a olhar para o meu trabalho como nunca tinha feito. E percebi que estava tão misturado ao Fábio e ao Edu que já não sabia como funcionaria sem eles. Como um filho que precisa ganhar o mundo, parti do que eu chamava de casa.
A decisão de mudar para a AlmapBBDO pode soar óbvia para qualquer um do mercado. Dispensa explicações. Ouso citar o porquê definitivo da minha ida, pois ela transcende o trabalho. Eu passei duas semanas com o Marcello surfando. Ele não falou de propaganda por um minuto sequer. Encontrei nele a difícil arte de saber viver além do mercado. A AlmapBBDO foi a experiência mais intensa de toda a minha carreira profissional. Tudo é muito. Trabalho, prêmios, chances, aprendizado, cobrança. Por seis anos, tive o privilégio de ver o Marcello e o Zé em toda a grandeza que eles até negam ter. Viajei desde a Indonésia sem pensar em sair de perto deles, sem cogitar um desembarque. Mas eis que um porto surgiu no caminho. Um porto chamado Chuck Porter.
Chuck é a antítese do superego. A prova que dá para ser mais simples. Na nossa primeira reunião, terminamos tomando uma cerveja. Nada de espumantes caros, vinhos com nota alta no Robert Parker. Ele não queria nos provar nada além do trabalho que já conhecíamos. Chuck fala com o estagiário do mesmo jeito que fala com o dono do grupo MDC. Que sacrilégio, não? Eu presenciei. Ninguém me contou. E veja você: ele está sempre rindo. Quando mencionei que a ideia da CP+B Brasil era ser uma agência divertida, sabia que surgiria alguma polarização rasa. Alguém diria que agência não é para se divertir, é para trabalhar. A dissociação entre ofício e diversão tem como base a crença de que esses dois conceitos não se integram. E sempre vem embalada na frase: eu trabalho sério. Discordo dessa separação. Você pode arrancar o couro da equipe, pedir infinitas opções e ter um resultado bom. No final, estarão todos realizados, cansados e considerando a hipótese de trabalhar em outro lugar. É uma tática de curto prazo. Ou você pode levar de um jeito mais leve. Pode dar autonomia, respeitar o estilo e a intuição de outra pessoa que não você. O resultado costuma ser bom e, de quebra, você ganha a confiança e até a admiração de quem participou. Gestores que pensam que diversão é pecado só fazem a equipe feliz no dia do pagamento. O salário tem que ser alto porque já vem acrescido com o IPTU do inferno. Eu prefiro trabalhar sorrindo.
Nesses anos todos, sinto como se tivesse me preparado diariamente. Dobrei o paraquedas seguidas vezes, vesti o equipamento, mas não saltei. Vi muitos saltarem e se esborracharem. Era mais seguro olhar a paisagem e durar. Faltava-me a coragem. Com Vinicius Reis e Marcos Medeiros como sócios, ela veio. Com o Chuck Porter, Claudia Machado, Fernando Barreto e todos na CP+B que nos acolheram, a coragem foi definitiva. Quem em sã consciência faria isso? Nós. É hora de saltar. É hora de viver. A cocada está uma delícia. Quer um pedaço?
André Kassu é sócio da CP+B Brasil
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