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Os institutos da truculência

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Ponto de vista

Os institutos da truculência

Não precisamos de institutos e seus ?heróis da modernidade? a nos ditar regras porque simplesmente não somos ?patetas idiota?


19 de maio de 2014 - 10h16

Nos últimos dias alguns institutos protagonizaram um dos mais bizarros episódios de culto a desinformação ao alardear que uma resolução do Conanda, Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente que diz que “a prática do direcionamento de publicidade e comunicação mercadológica à criança com a intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço” é abusiva e, portanto, ilegal.

Ao afirmar que a recomendação tem força de lei, o que é mentira, os institutos recorrem a uma prática típica dos detentores do poder econômico que querem, a todo custo, fazer valer seus ideais. No caso, o ideal é, em nome da honra da criança, manter os cidadãos brasileiros em formação à margem da informação ética e de qualidade representada pela publicidade.

O fato é recorrente. Não é a primeira vez que institutos assumem um papel que não lhes foi confiado e passam a agir sob o pretexto de “proteger” a sociedade brasileira contra supostos inimigos. Foi assim no início da década de 60 quando, apenas dois meses após a posse do Presidente João Goulart, surgiu um aparelho de oposição ao regime democrático, o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais – IPES.

O IPES junto com o Instituto Brasileiro de Ação Democrática, IBAD deu apoio e dinheiro para o golpe que culminou na ditadura militar e, ambos, são protagonistas do primeiro “mensalão” brasileiro, confirmado na monografia Assaltos ao Parlamento: Estudo Comparativo dos Episódios do IBAD e do Mensalão de autoria de João Carlos Ferreira da Silva.

O fato curioso e também recorrente é que na mesma época foi fundado um outro instituto, a União Cívica Feminina – UCF, uma espécie da Liga das Senhoras Descentes de Bóle-Bóle, como na série Saramandaia, que conclamava as brasileiras a lutar contra a “eminência” do regime comunista que destruiria (ou comeria) nossas crianças. Como todos sabemos uma farsa para fazer valer e legitimar o regime de força que se instaurou no país.

Don Slater (Cultura do Consumo e Modernidade) é leitura recomendada em tempos de censura à propaganda infantil. Para ele os “patetas idiotas” são representados como o oposto de agentes soberanos. Invariavelmente são ludibriados por promessas fraudulentas, atraídos, seduzidos, impelidos e manobrados de outras maneiras por pressões flagrantes ou sub-reptícias, embora poderosas.

No outro extremo estão os “heróis da modernidade”, o suposto retrato do consumidor que encapsula todas as virtudes pelas quais a modernidade deseja ser louvada como a racionalidade, a forte autonomia, a capacidade de autodefinição e de auto-afirmação violenta, enfim alguém com “determinação e inteligência heroicas que podem transformar a natureza e a sociedade e submetê-las à autoridade dos desejos dos indivíduos, escolhidos livremente no plano privado”.

A questão, como bem afirma Zygmunt Bauman (Vida para Consumo), “é que ambas as versões, quer sejam apresentados como patetas da publicidade ou heróicos praticantes, os consumidores são removidos e colocados fora do universo de seus potenciais objetos de consumo. A tarefa dos consumidores, o principal motivo que os estimula a se engajar numa incessante atividade de consumo, é sair invisibilidade e imaterialidade cinza e monótona , destacando-se da massa de objetos indistinguíveis.”.

Considero que os institutos que condenam a autorregulamentação publicitária (juntamente com as leis vigentes) veem o mundo de maneira cinza e monótona, por isso é que o item I do Artigo 2° da Resolução 163 do Conanda – Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes – sugere a proibição de” linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores” nos anúncios publicitários.

O obscurantismo assume contornos de prevenção contra um inimigo imaginário e em nome de uma suposta batalha o “vale tudo” do autoritarismo e da truculência ganha espaço. Jerry Kirkpatrick (Em Defesa da Propaganda) afirma que criticar a propaganda “é atacar a consciência do homem” e continua “o que os críticos odeiam é saber que a propaganda é o meio pelo qual milhões de indivíduos, com interesses próprios, passam a conhecer as conquistas produtivas e de interesse próprio de milhões de outros indivíduos. A propaganda é o meio pelo qual milhões de pessoas aprendem a melhorar seus gostos e aumentar seu padrão de vida, acima da existência ordinária e monótona de seus ancestrais.”.

Acredite, não precisamos de institutos e seus “heróis da modernidade” a nos ditar regras porque simplesmente não somos “patetas idiotas” e tão pouco nos interessa essa visão reducionista, simplificada e maniqueísta do mundo. Os profissionais de propaganda realizam diariamente o mais valoroso exercício de consciência profissional representada pela autorregulamentação publicitária e isso é uma conquista da sociedade livre e democrática.
 

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