Revista Time mostrou o cofrinho?
A mídia impressa está vivendo tempos difíceis por causa da concorrência com os meios eletrônicos e a queda da receita. Mas esse não é o único motivo da decisão da Time
A mídia impressa está vivendo tempos difíceis por causa da concorrência com os meios eletrônicos e a queda da receita. Mas esse não é o único motivo da decisão da Time
Meio & Mensagem
23 de maio de 2014 - 2h49
No tempo da minha avó, uma mulher de família não usava vestido que deixasse o joelho de fora. Era a moral da época. Rir disso é bobagem, porque, se vivêssemos naquele período, pensaríamos a mesma coisa. No tempo da minha mãe, os costumes já permitiam saia três dedos acima do joelho, despertando atenção e desejo para esse conjunto de ossos que liga as duas partes da perna. Era atraente e aceitável. Minha geração foi mais longe. Tirou o rótulo de indecente de inovações como o fio-dental na praia, profundos decotes em festas e minissaia em escritório.
Essa mudança nos costumes me veio à mente ao ler notícias sobre a última novidade da revista americana Time. Na edição mais recente, a nonagenária mãe das revistas semanais de informação cometeu seu maior ato de ousadia na relação com anunciantes e leitores. Pela primeira vez, publicou um anúncio na capa. Publicidade da gigante de telefonia Verizon.
Como era de esperar, a iniciativa gerou polêmica, com acusações de que a revista considerada um dos bastiões do jornalismo independente estaria abrindo mão de seus valores e se vendendo aos interesses dos anunciantes. Ou que esse seria mais um sinal da morte iminente das revistas semanais.
Primeiro, é preciso que se diga que o anúncio é praticamente imperceptível. Ele na verdade aparece junto da etiqueta com o nome e o endereço do assinante, o que pode até dar à honrada senhora a desculpa de que não está propriamente na capa. E também não é exatamente um anúncio, mas uma chamada para o anúncio dentro da revista. Mas todos os envolvidos sabiam que aquela pequena fenda no vestido da distinta velhinha provocaria grande repercussão – e foi justamente isso que a Time vendeu à Verizon.
Sim, a mídia impressa está vivendo tempos difíceis por causa da concorrência com os meios eletrônicos e a queda da receita com anunciantes e leitores. Mas esse não é o único motivo por trás da decisão de subir dois dedos da saia. E, agora entrando no campo da opinião pessoal, não creio que seja necessariamente imoral.
O grande problema dos dias de hoje, tanto para anunciantes quanto para veículos de comunicação, é como chamar a atenção do público. As opção são tantas, e com tantos recursos de pirotecnia, que a página estática do jornal e da revista muitas vezes parece aquela moça de saia longa e manga comprida numa festa cheia de periguetes. Todos sabem que é decente e elegante, mas os olhos dos rapazes vão para outro lado.
A questão é saber se publicidade na capa significa subir quatro dedos acima do joelho ou muito mais – e se esse “muito mais” está no campo da estética, como aquelas calças de cintura baixa que deixam o cofrinho à mostra, ou no campo da honestidade.
Pessoalmente, acho que o modelo escolhido pela Time para estrear anúncio na capa foi acertadíssimo. É discreto, não interfere no visual e, como está se vendo, fez um barulho suficiente para justificar o provável alto preço cobrado do anunciante. O grande perigo, nesses casos, é sair vendendo barato formatos cada vez mais chamativos e acabar virando a periguete da festa.
Já em relação a ser honesto, o critério é óbvio: um jornal ou revista que se prezem não devem nunca confundir o leitor em relação ao que é conteúdo jornalístico e o que é publicidade – e essa linha o anúncio da Time não cruza. E não custa lembrar que, independentemente do lugar onde o anúncio é publicado, numa publicação jornalística o anunciante não deve interferir no conteúdo editorial, o que claramente também não é o caso na propaganda da Verizon (se a capa da Time fosse sobre telefonia celular, por exemplo, em vez de bebês prematuros, aí seria diferente).
Enfim, na minha modesta opinião, o que a Time fez foi se adaptar aos novos tempos. Mostrou, talvez, o joelho, como a geração da minha mãe. Fica a minha torcida para que nem ela nem os outros veículos respeitados da mídia impressa nunca cheguem ao ponto de mostrar o cofrinho. Perderíamos muito se isso acontecesse.
* Demetrius Paparounis é jornalista, diretor da TAG Content e consultor em comunicação.
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