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Opinião

A hora da resistência

Para muitos consultores, zers poderão ser geração ainda mais competitiva, conservadora e ambiciosa que os millennials


3 de outubro de 2017 - 17h29

Uma nova geração está começando a entrar no mercado de trabalho. Ainda sem uma data certa de início — nascidos a partir de 1998 para o Pew Research Center; a partir de 1996 para o Center Generational Kinects; a partir de 1995 para a Adecco Consulting; entre 1990 e 1998 para Robert Half Consulting —, a geração que nasceu depois dos millennials cresceu em um mundo fortemente impactado por grandes turbulências financeiras, econômicas e ambientais, viu crescer o desemprego, a imigração gerada pela fuga da miséria e pela guerra, o crescimento do fosso social e a desconfiança em relação às instituições.

A Geração Z, talvez ainda mal tenha ouvido falar ou estudado o impacto do fascismo e do nazismo no mundo e tenha pouca ou quase nenhuma referência sobre o que a guerra fria significou para o século 20, mas já assistiu à vitória de Donald Trump nos Estados Unidos apoiado em promessas como a construção de um muro na fronteira com o México, a expulsão de imigrantes ilegais e a proibição à entrada de muçulmanos no país. Esta semana, de seus bancos de escola, mesmo que não tenham prestado muita atenção, os zers foram testemunha da ascensão do Alternativa para a Alemanha (AfD), um partindo populista de direita com retórica xenófoba, fundado há pouco mais de quatro anos, que defende o restabelecimento do controle de fronteiras, a proibição da exibição de indumentárias islâmicas e do financiamento estrangeiro de mesquitas na Alemanha, a expulsão de imigrantes ilegais e de refugiados que tiveram seus pedidos de refúgio negados. O AfD tem chance de se tornar a terceira maior bancada do Parlamento alemão — a última vez que a Alemanha pós-guerra viu um partido nacionalista chegar tão longe foi no início da década de 1960.

Sim. Tudo isso é verdade e está acontecendo ao mesmo tempo que essa geração assiste à chegada da computação cognitiva, ao desenvolvendo da computação quântica e tem acesso à promessa de transformação das relações familiares, sociais e de trabalho em velocidade exponencial na direção da conquista de uma realidade de abundância, sem doenças e sem fome, apoiada pela transumanidade e por novas indústrias como robótica, biotecnologia, datascience e nanotecnologia.

Vivendo em uma realidade pós papa Francisco, Primavera Árabe, Ocuppy Wall Street, Jornadas de Junho e Feminismo Digital, os zers já estão sendo chamados de “throwback generation” por combinarem a experiência de crescer em um mundo altamente tecnológico com valores tradicionais de gerações passadas como a busca por estabilidade e segurança e a associação entre dinheiro e sucesso. Estudos divulgados nos Estados Unidos nos últimos anos apontam que essa geração prefere a segurança de um emprego estável e de uma carreira ao risco de “empreendimentos apaixonantes”. Também preferem trabalhar para uma única empresa, em estruturas físicas, de tijolo e cimento, onde recebam feedback face-to-face de seus chefes a realizar trabalhos remotos em times formados temporariamente por profissionais independentes. Para muitos consultores, trata-se de uma geração que vai ser mais competitiva, conservadora e ambiciosa que os millennials, aqueles que terminaram sendo muito mais competitivos, conservadores e ambiciosos do que se imaginava.

Mesmo não parecendo, tudo isso faz muito sentido quando olhamos o mundo considerando sua complexidade e abraçando a ideia de que consideramos, vemos, trabalhamos a partir de recortes. Recentemente, criando cenários sobre o crescimento do conservadorismo que consideravam a chegada de uma nova geração às escolas, ao mercado de trabalho e ao consumo, me deparei com um estudo publicado em janeiro deste ano na revista Science, mostrando que meninas de sete anos ainda se mostram propensas a acreditar que atividades difíceis e complexas “não são para elas” simplesmente porque não se percebem inteligentes o suficiente. Assinado pela American Association for the Advancement of Science, o estudo sugere que as crianças norte-americanas continuam aprendendo estereótipos culturais que relacionam os meninos, mais que as meninas, a inteligência e esperteza e as meninas, mais que os meninos, a beleza e sensibilidade.

Acredite, não é que o mundo enlouqueceu nem que estamos mais distantes de um mundo aberto, inclusivo, generoso e feliz do que imaginávamos. Também não é que estamos retrocedendo ou perdendo o que construímos. Não é nada disso. Apenas estamos enxergando mais, aprendendo que existem realidades além dos recortes que escolhemos usar para construir nossas microverdades e descobrindo que nessas realidades vivem milhões de pessoas.

Está certo, tem muita coisa acontecendo que nos faz ter vontade de desistir ou de, pelo menos, desacelerar. Muita coisa que nos dá vontade de abandonar essa conversa de propósito, revolução humana, compromisso com a criação de imaginário social e focar novamente apenas na sobrevivência, na competitividade e no lucro. Tem muita coisa acontecendo que nos dá vontade de, novamente, não olhar para o lado, de ignorar todas as realidades que não combinam com um domingo ensolarado e que parecem nos impedir de nos manter otimistas. Pense bem, o otimismo que depende da falta de visão chama ignorância. Ninguém precisa dele. É verdade, tem hora que a gente tem mesmo vontade de desistir. Mas a hora não é essa. Por favor, resista.

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