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Opinião

O negócio da propaganda: nem lacra nem lucra

Enquanto os formatos publicitários não amadurecerem (se é que vão!), a saída é ser maleável, desestruturado, aberto, solto e com ginga para lidar com a bagunça


19 de março de 2019 - 14h18

 

(Crédito: Rawpixel/iStock)

No princípio era o caos e as energias circulavam livremente pelo universo. Então, fez-se o verbo e a Terra e o homem, e — encurtando a história — a televisão, o comercial de 30 segundos, o banner e todos os milhares de formatos publicitários da internet. Então o caos voltou. E Deus, se tudo criou, criou primeiro a forma e o formato, porque sem eles, não há nada. Só bagunça, confusão e um dinheirinho suado.

O que proporcionou a extraordinária prosperidade das agências de propaganda, nos últimos 50 anos, foi a utilização de poucas formas e formatos que permitiram escala na criação de conteúdos publicitários. Fazer propaganda é — ou era — repetir padrões embrulhados em simulacros de customização ao gosto do cliente e de seus objetivos. A forma clássica é — ou era — o storytelling. E o formato são — ou eram — aqueles poucos enquadrados nas tabelas das mídias tradicionais.

Nunca foi simples fazer o trabalho de um publicitário, exigia conhecimento, sensibilidade, algum esforço e sorte. Mas, ainda assim, existia um jeito, mais ou menos conhecido e previsível: o começo cativante, a apresentação dos personagens, a interação dramática, o clímax, a resolução com a marca, o final feliz. Tudo em 30 segundos em média. E assim foi, com variantes diversas e que proporcionam originalidade e charme. Mas assim como em toda a história da literatura, existem poucas histórias, na propaganda, existem poucas formas de contá-las. Essas poucas formas, em seus reduzidos formatos é que permitiram a criação de processos, metodologias e linhas de montagem que otimizam a mão de obra e outros recursos produtivos (o que podemos chamar também, para amenizar o prosaico da comparação, linhas de criação). Assim como em todo e qualquer negócio que permite escala num sistema de produção capitalista, o negócio da propaganda permite criar excedente e rentabilidade proporcional à capacidade dos gestores de ganhar mais escala, produzindo mais com menos recursos. Não, a propaganda, apesar do charme de seus trejeitos, não é artesanal e muito menos um processo artístico. É um negócio capitalista como qualquer outro.

Ou era até surgir o tohu-bohu provocado pela chegada da mídia na internet que, na sua busca apressada por rentabilizar seu próprio lado da moeda (como ganhar dinheiro vendendo “coisas” publicitárias), explodiu a pedra angular do negócio do lado das agências, o formato e, por conseguinte, a forma. A narrativa clássica, o storytelling que calejou tantos dedos talentosos, tem dificuldades de encantar e convencer consumidores quando a mídia é guiada por cálculos e dados e quando existem infinitos e tão efêmeros formatos. Em plataformas em permanente mutação, também é difícil antecipar o formato mais eficiente, e assim, encontrar a forma de carregar uma mensagem publicitária.

Do lado das agências — mas também dos anunciantes — o desafio parece ser de cativar talentos e processos com capacidade de adaptação suficiente para navegar pelo cardápio de opções. Isso subentende que o profissional de atendimento que, já faz tempo, saiu de sua cadeira de relacionamento atencioso e perspicaz com o cliente para o posto de orquestrador de briefings tenha que saber se adaptar. Com tantas incertezas, com tanto trabalho especulativo, ele vira um gestor, cliente a cliente, job a job, equilibrando recursos, equacionando as rentabilidades e, acima de tudo, cuidando da saúde dos negócios da agência.

Isso também pode significar que um profissional de estratégia talentoso para antecipar tendências e com eficientes intuições, tenha de lidar com muito mais incertezas e que ele tenha de antecipar colossais movimentos subterrâneos. Que ele deva aprender, quem sabe, a piratear, espionar e hackear comportamentos em vez de só observá-los.

E que um profissional de criação, que sabe contar boas histórias em 30 segundos, tenha também que aprender a contá-las em sete, ou sem imagem, ou sem texto, ou hiperpersonalizadas, ou disfarçadas em algoritmos, ou desconstruídas em função de inteligências inumanas. Que ele tenha de aprender, quem sabe, que as histórias não serão mais contadas, mas construídas por indução artificial.

Enquanto os formatos publicitários não amadurecerem (se é que vão!), permitindo assim produção em escala, a saída é ser maleável, desestruturado, aberto, solto e com ginga para lidar com a bagunça. E não adianta espernear: dedo no pulso do cliente, belos insights e lindas histórias já não mais lacram nem lucram.

Crédito da foto no topo: Reprodução 

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