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Blog do Pyr

É o começo do fim da publicidade aspiracional?

Cada vez mais, toques crús e muitas vezes cruéis de realidade deverão começar também a tingir o mundo cor-de-rosa da propaganda com as tintas bem mais carregadas do mundo real


8 de março de 2021 - 15h47

A casa perfeita, dos cafés da manhã perfeitos, de uma família perfeita, como o carro perfeito, vivendo uma vida perfeita, dos comerciais de TV e da comunicação publicitária em geral, nunca existiu. Agora, a publicidade parece desafiada a reconhecer isso. E, também, passar a vender realidades.

A publicidade aspiracional tem sido a base da indústria da comunicação comercial desde sempre. A propaganda é a indústria da prosperidade, é o que se diz. E nela habitam seres estranhos à realidade social da maior parte das pessoas e consumidores.

Mas ao criar mundos oníricos aspiracionais, a propaganda vendeu. E segue vendendo. E vendendo muito.

Isso ocorre porque todos nós temos nossos sonhos de realização pessoal e aspiracional e, se aquele comercial de liquidificador me promete uma vida melhor, eu, muitas vezes inconscientemente e movido por atávicos sentimentos de realização pessoal, me encanto com a promessa. Vou lá, e compro.

É uma artimanha de linguagem. Um truque sócio-psicológico, que essa indústria manipulou bastante bem e com imenso sucesso por séculos, desde que propaganda é propaganda. E ela nasceu, mais ou menos desse mesmo jeito como a conhecemos hoje, ainda nas últimas décadas do século dezenove.

Mas à medida em que a informação, o conhecimento e, principalmente, as alterações evolutivas de comportamento social das pessoas e das sociedades passaram a se disseminar de forma viral, tudo isso interconectado de forma historicamente única, graças fundamentalmente ao fenômeno da conectividade global promovida pela internet, muita coisa começou a mudar radicalmente na cabeça das pessoas e, por consequência, para a indústria da comunicação.

A antes aparente ingenuidade de audiências e consumidores desaparece a cada instante, e mensagens que antes encantavam, hoje já não parecem encantar mais tanto assim. E a cada vez menos gente.

O aspiracional pode até seguir lá, habitante incógnito da nossa mente de dinossauros, mas misturado cada vez mais por outra igualmente poderosa aspiração de todos no mundo contemporâneo: a de realidade.

O toque de Midas nisso tudo é o pervasivo e invasivo fenômeno da pós-verdade, em que tudo que se deseje pode ser disseminado sem fim, mesmo que contrariando evidências comprovadas em contrário.

Esse novo cenário, novo também para a publicidade, ao menos nessa nova lógica e com essa igualmente nova intensidade e profundidade, impõe que a propaganda repense-se a si mesma e se pergunte se aquela margarina perfeita é mesmo tão perfeita assim. E se é, de verdade, isso que o consumidor deseja consumir como mensagem de comunicação e venda, neste conturbado mundo de hoje.

Os desafios de assimilar fenômenos complexos que agora envolvem inevitavelmente as vidas de todos nós, colocando a nú desigualdades sociais e contradições comportamentais, além de uma sede talvez inédita pelo verossímil, passa a habitar a mente e a consciência da publicidade como nunca.

E é assim que o aspiracional entra em cheque.

É possível que sigamos assistindo e convivendo com famílias perfeitas vivendo vidas perfeitas na publicidade. Só que, cada vez mais, toques crús e muitas vezes cruéis de realidade deverão começar também a tingir o mundo cor-de-rosa da propaganda com as tintas bem mais carregadas do mundo real.

Se isso é bom ou ruim talvez não seja a questão aqui. O que vai de fato importar é que esse parece ser um curso inevitável e que a propaganda vai se ver desafiada a, da forma criativa como sempre fez, misturar sonho e realidade, para construir uma indústria mais verdadeira com a sociedade em que habita. E, de resto, consigo mesma.

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