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13 de fevereiro de 2019 - 9h17
Por Carol Zatorre (*)
Geralmente, quando falo de trabalho, provoco duas surpresas nos meus interlocutores. A primeira acontece ao contar qual é a minha formação, a antropologia, carreira pouco comum no mercado corporativo. E a segunda ao explicar que atuo diretamente com inovação, mais especificamente com empresas que buscam a transformação digital de seus negócios. Se fosse para resumir, diria que é a antropologia a serviço da inovação.
A razão principal para essa união é pensar num negócio sustentável, no sentido de proposta de valor, centrada nas necessidades dos indivíduos . Ou melhor, a alteridade. Segundo a antropóloga Mariza Peirano, “a alteridade é um aspecto fundante da antropologia, sem o qual a disciplina não reconhece a si própria”. E esta é a forma de a antropologia atuar: construindo e interpretando conteúdo com aqueles que usam, de artefatos a serviços
Ou seja, é no entendimento da diferença entre o meu universo cultural e o do outro, que se produz. Sem estabelecer hierarquias e/ou gradações, mas reconhecendo, entendendo e explicando o universo cultural do grupo pesquisado. Ao observar o cotidiano alheio, devo buscar explicar o que vejo pela ótica de quem está sendo pesquisado.
Quando comecei a trabalhar com designers, ouvia sobre “ter empatia com o usuário”, popularizado pela D.School com o famoso bordão “EMPATHY HAPPENS”. E é aí, que ao meu ver, antropologia, design e inovação se unem para construir/propor/compreender a necessidade desse processo de transformação digital. Ou seja, o conhecimento antropológico é do interesse do mercado, mas, por si só, é hermético. No entanto, é o processo do design que consegue entregar a aplicabilidade desse conhecimento para o mercado trazendo inovações. Lembrando que a transformação digital não pode ser apenas prática, é preciso que seja assimilada e incorporada no mindset de toda a empresa.
Recentemente, em um projeto pioneiro de inovação para a administração pública contratado pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento da cidade de São José dos Campos, me dediquei a compreender as razões pelas quais iniciativas de transformação digital para serviços públicos do município geravam pouco engajamento da população. Era uma incógnita, por exemplo, o fato de um cidadão se dispor a pegar uma fila de horas para protocolar um pedido de poda de árvore sendo que o serviço estava disponível no portal da cidade. Falta de comunicação? Sim, mas a questão se mostrou mais complexa conforme fomos pesquisando as dores e necessidades da população.
Ainda que São José dos Campos seja uma das cidades mais prósperas do país, abrigando referências de inovação como a Embraer e o Instituto de Tecnologia da Aeronáutica, a relação do cidadão com a administração pública se mostrava muito pouco amigável. Contribuíam para isso a média de idade da população, mais velha do que em outros municípios com as mesmas características, e a total falta de usabilidade contextual das interfaces dos sites e formulários da prefeitura. Ou seja, mesmo que estivessem dispostos a interagir digitalmente com a administração pública, as barreiras eram enormes.
Mas essas conclusões só ficaram evidentes pelo fato de termos olhado não apenas para a plataforma, e sim para a população e suas características sociais. Foi assim que o gap entre o usuário e a face digital da prefeitura ficou exposto.
Em um contexto de aceleração dos processos de transformação digital em todas as áreas, a percepção do consumidor e usuário, ou melhor, do indivíduo, é crucial para qualquer plano de novo produto ou serviço. É preciso ressaltar que a inovação não se dá apenas com tecnologia, ela é cada vez mais humanizada. Até os robôs vêm passando por esse processo de humanização. E aí fica evidente a conexão entre antropologia e inovação, um tema que muito em breve deixará de ser distante para as pessoas.
(*) Carol Zatorre é head de pesquisa da Kyvo Design-Driven Innovation