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De boas intenções, o mercado de tecnologia está cheio

Dissimulada, a Renascença Digital disfarça tão bem que a gente nem percebe sua verdadeira intenção. Quando a gente menos espera, a frivolidade se transforma em necessidade, e aí lascou.


25 de janeiro de 2018 - 8h00

 

Por Henrique Szklo (*)

As inovações tecnológicas têm, em princípio, dois objetivos básicos: deixar a vida das pessoas mais confortável e enriquecer seus criadores e/ou investidores. Não se engane: o idealismo de alguns não é páreo para o gigantesco esforço necessário para se desenvolver uma ideia nova. Como sempre na história da humanidade, se não houver ganho financeiro na jogada, a maioria das pessoas não vai mexer uma palha para inovar. Não vale a pena. Quebrar padrões é muito desconfortável e arriscado para se fazer apenas por gosto ou idealismo. Isso é trabalho para quem a Apple chamou de loucos, encrenqueiros, rebeldes e criadores de problemas. Pinos redondos para buracos quadrados.

 

Quando eu era publicitário vi muitos criativos de talento transbordante abandonarem a máquina de escrever ou o lápis (sim, os computadores não existem desde sempre) para se transformar em donos de agências. Na época ficava claro pra mim que eles descobriram que ganhar dinheiro é bem mais divertido do que criar.

 

Mas se a gente pensar bem, não importam as razões que fazem as pessoas investirem financeiramente em novas ideias para o bem da humanidade. O que importa mesmo é o resultado. Principalmente quando pensamos em inovações relacionadas à saúde, como remédios que usam nanotecnologia, próteses eletrônicas, cadeiras de roda inteligentes, órgãos sintéticos e até chips no cérebro para o tratamento de distúrbios mentais, como Parkinson, Alzheimer e amor pelo Luan Santana.

 

Se lembrarmos, um dos movimentos mais importantes da historia da humanidade, que nos trouxe tanta luz e inspiração, a Renascença só floresceu por ter sido patrocinada pelos endinheirados da época. Acredito que desde aquela época até hoje não basta um par de nerds numa garagem para mudar o mundo. Se você for fuçar as histórias destes gênios que saíram diretamente da garagem para a Nasdaq, vai ver que estão mais para roteiro de novela das 9 do que para livro de empreendedorismo. Muitos de fato começaram em garagens, mas só não explicaram que provavelmente essas garagens eram maiores do que a casa em que você mora, se é que você me entende.

 

Em função do alto valor financeiro atribuído à tecnologia, seu ritmo evolutivo vem crescendo de forma exponencial. E essa não é necessariamente uma boa notícia. Basta uma rápida observação para percebermos que a Renascença Digital não se limita a gerar conforto e solucionar os problemas da sociedade. Na maioria das vezes está a serviço do consumidor e não do ser humano. Não está nem aí para o ser humano. Quer que o ser humano se espatife. Só olha para o homem se ele tiver uma grana para gastar. O produto ou serviço ser realmente útil é, no máximo, um efeito colateral. Pode ver que mesmo os jovens idealistas não estão interessados em um negócio de porte médio que ajude a educar seus filhos, comprar uma casa e viajar todo ano. Eles querem monetização. Querem escalabilidade. Querem investimentos gordos. Ou seja, querem ficar ricos. Se no caminho ajudarem a mudar o mundo, ok.

 

Já me referi a um distúrbio em outro artigo, o qual chamei de Transtorno Obsessivo Tecnológico, ou simplesmente TOT. Antes de nos acostumarmos a uma novidade, outra mais avançada é lançada no mercado, nos dando sempre a sensação aflitiva de que sem ela estaremos perdendo algo que não temos o direito de perder. Algo que nos tornará melhores, mais bonitos, mais felizes. Isso não acontece por acaso.

 

Dissimulada, a Renascença Digital disfarça tão bem que a gente nem percebe sua verdadeira intenção. Quando a gente menos espera, a frivolidade se transforma em necessidade, e aí lascou. Ela finge tão completamente que chega a fingir que é imprescindível quando na real o que ela faz mesmo é gerar ansiedade a granel. Eles se divertem em nos desestabilizar, afinal pessoas equilibradas emocionalmente não têm ânsia incontrolável de consumir. Criam ansiedade para vender felicidade. Atire o primeiro chip quem nunca conheceu alguém que tenha um iPhone mas que não saiba nem acender a lanterna.

 

Falando em iPhone, o maior causador de TOT foi um sujeito chamado Steve Jobs. Quando era vivo, toda semana ele aparecia na internet para nos perturbar com uma nova bugiganga tecnológica que não tínhamos noção para que servia, mas que tínhamos certeza de que precisaríamos comprá-la em breve. E pior: tínhamos acabado de comprar aquela que ele mandou a gente comprar no mês anterior. Mas nada é para sempre. Quando Jobs morreu, para nosso alívio, pudemos finalmente descansar em paz. Hoje, graças ao bom deus, a Apple se conformou em ser uma Samsung com bom design. Não há como negar a motivação ideológica e da vaidade do criador da Apple, mas não acho que ele tenha ficado insensível à tonelada de dólares que amealhou ao longo dos anos.

 

Estamos vivendo em uma máquina de moer carne humana à espera para virarmos hamburger. E quanto mais o tempo passa, mais sofisticada esta máquina fica, deixando o ser humano cada vez mais fracionado, ironicamente mais desconectado do mundo, das outras pessoas e de si mesmo. Uma contradição deveras curiosa que podemos conferir no excelente Black Mirror. E para preencher este buraco sem fundo, só consumindo mais tecnologia. Quer tecnologia? Show me the Money!

(*) Henrique Szklo é Sócio e CEO da Chikenz

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