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Educação como expressão criativa
A educação também pode virar arte. Se permitirmos que os professores estejam artistas.
A educação também pode virar arte. Se permitirmos que os professores estejam artistas.
ProXXIma
28 de abril de 2020 - 7h55
Por Felipe Anghinoni (*)
Há cerca de 10 anos, fui apresentado a uma pessoa sensacional. O Júlio Campos é médico psicanalista em Porto Alegre. Um senhor culto, fascinado pelo mundo da arte e criatividade. Dedicou 25 anos da sua vida organizando grupos de estudo sobre os grandes gênios das artes plásticas. Salvador Dali, Picasso, Leonardo da Vinci: a cada dois anos, um artista diferente. O contato com a história de tantos gênio também deixou o Júlio mais genial.
Foi por isso que o convidei para dar aula no Yakuza, um curso da Perestroika sobre processos criativos. Durante meses, conversamos bastante. Em uma dessas trocas, ele dividiu uma visão que mudou para sempre a forma de perceber a minha profissão.
“Felipe, não existe SER artista. O que existe é ESTAR artista. Artista não é uma profissão, um ofício. Profissão é: escritora, atriz, pintor, escultora, músico. Artista é o estado de entrega, da performance de cada um desses ofícios.”
A afirmação é forte. Um pouco polêmica (principalmente entre artistas, imagino). Mas claro, não é definitiva. É “apenas” a visão do Júlio.
Eu gosto dessas ideias fortes e polêmicas. Aquelas que tomam partido de algo. Porque são elas que nos fazem mudar de idéia. Adorei ver a arte como o estado de entrega de um ofício porque permite uma expansão da aplicação do termo “artista”.
Por exemplo, a Marta, jogadora de futebol, a melhor atleta que o Brasil jamais produziu. Quando ela dá uma meia-lua na primeira marcadora, passa entre a segunda e a terceira com dois toques rápidos na bola, tira a goleira da jogada e faz um gol de letra, esse é o auge do desempenho do ofício dela. Naquele momento, ELA ESTAVA ARTISTA.
Marta honrava o seu palco, entregando a alma com o mesmo mérito que a Elis Regina ou Janis Joplin faziam quando cantavam. O ofício muda. Mas o estado de entrega é o mesmo. Da mesma forma, Pelé, Michael Jordan, Ayrton Senna e Rui Chapéu estiveram artistas.
Sabe aqueles filmes de tribunal? Quando entra a advogada, faz uma defesa brilhante, se emociona, muda a entonação e reverte a percepção do júri? Pois é: ela também está artista.
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A educação também pode virar arte.
Se permitirmos que os professores estejam artistas.
Uma professora que está lá, honrando a sala de aula (como uma cantora), presente em estado de fluxo (como uma equilibrista), calibrando ritmo, tom de voz e movimentação (como uma atriz), triangulando a energia dos seus alunos (como uma improvisadora), mudando de planos (como uma jazzista), puxando analogias da manga (como uma ilusionista) ou fazendo piadas (como uma comediante) para transformar um monte de dados em conhecimento, também está entregando a sua alma ao ofício. Também está desempenhando a mais alta performance dessa profissão. Também ESTÁ artista.
Educação de autor: um conceito que proponho. É permitir ao educador manifestar sua identidade através de suas aulas. O seu plano de aprendizagem faz parte da sua obra. Com certeza, não é uma abordagem que servirá para todos. Mas tenho convicção que veremos o surgimento de muitas metodologias inovadoras e revolucionárias. E a certeza que os olhos de muitos educadores voltariam a brilhar.
Falo tudo isso por experiência própria. Desde minha conversa com o Júlio, decidi virar um artista da aprendizagem. Quando monto um curso, é como se estivesse compondo um disco. Uma aula é um espetáculo. A sala de aula, o palco. No dia do primeiro encontro com os participantes, me sinto como a bailarina estreando no Teatro Municipal.
Cada experiência de aprendizagem em que me envolvo é uma autoexpressão. Tem um pedaço de mim. Talvez seja por isso que EU AMO DAR AULA. Não há nada que me realize mais. Sou formado em publicidade, empreendedor há 13 anos e sócio de 4 empresas diferentes. Mas quando me perguntam qual minha profissão, não tenho dúvida. Sou professor. E, às vezes, estou artista.
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Educação e Arte. Duas áreas tão desvalorizadas, maltratadas e humilhadas no nosso país. E ao mesmo tempo, duas áreas com poder de transformação gigantescos (será coincidência?). Podem transformar pessoas, vidas e a sociedade.
Dia 28 de abril é o Dia Internacional da Educação. Dia 29, Dia Internacional da Dança. Que essa coincidência sirva de inspiração para pensarmos qual o potencial transformador se combinarmos as duas coisas. Se levarmos a Educação ao estado da Arte, vamos ver nascer os Dalis, Picassos e Da Vincis da aprendizagem.
(*) Felipe Anghinoni é professor – com muito orgulho! – e sócio-fundador da Perestroika e da Sputnik.
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