ProXXIma e Bob Wollheim
4 de julho de 2018 - 8h00
Por Bob Wollheim (*)
Um exercício aberto, livre, com a pretensão de fazer pensar, refletir e rever posições, sobre o universo da comunicação
Em primeiro lugar, empresto o título acima do amigo Jules Ehrhardt, que publicou o famoso texto “The State of the Digital Nation 2016” (aqui) em 2016 e, nesse ano, “The State of the Digital Nation 2020: The Venture Road” (aqui original em inglês e o texto traduzido por mim aqui ) que, a seu tempo, criaram divisores de água de como o mercado funciona, suas idiossincrasias e, claro, as oportunidades e que, como títulos, me parecem perfeitos! Obrigado Jules Ehrhardt.
Esse texto — O Estado da Nação Comunicação — se lança nesse trajetória, de uma forma isenta, imparcial e que tem um único objetivo:
Alertar o mercado para a necessidade de mudanças mais rápidas, radicais e funcionais.
CONTEXTO
Vamos começar pelo começo. A atividade de comunicação & publicidade, como um ofício das sociedades modernas capitalistas, tem sua razão de existir e de ser. Ponto.
Não se pode cair na crítica simples e rasteira que diz que a comunicação só serve para “fazer as pessoas comprarem coisas que elas não precisam”. Isso é reducionista e, se formos por esse caminho, os produtos que as pessoas não precisam também não fariam sentido, várias profissões não fariam sentido e toda uma sociedade teria que ser repensada. Posso até concordar que essa reflexão talvez seja uma boa proposta de valor para o planeta, mas que seja feita de forma ampla então, envolvendo todas as áreas e atividades e não uma profissão em si. Um bom tema para um “O Estado da Nação Terra”, não é? Mas deixa isso pra outro dia, se a publicidade já é complexa, imagina o todo!
Dito isso, por outro lado, não restam dúvidas que a publicidade teve dias de glória que acabaram e que, naquele formato, não devem voltar mais!
O seriado MadMen, mostra uma publicidade capaz de criar tendências, virar “talk of the town”, influenciar e formar opinião, e tudo acontecia predominantemente em formatos de pequenos filmes, na nascente TV.
Certamente que se você está lendo esse texto, é porque sabe do que estou falando… mas não custa relembramos umas cenas épicas, só para entrarmos no clima do que foi a (primeira) era de ouro da publicidade.
The 7 Best Acting Moments on ‘Mad Men’
It’s the end of an era. “Mad Men,” the 1960s advertising drama that has held up a new standard for television’s golden…www.backstage.com
BRASIL
No Brasil, a coisa acompanhou a mesma tendência, mesmo que nunca tenhamos tido uma classe média tão proeminente como nos EUA, criou-se uma indústria rica, premiada, estruturada e muito respeitada ao redor do mundo.
A publicidade brasileira teve seus MadMen e foi “talk of the town” e formadora de opinião.
Estão aí os “Bonita camisa Fernandinho”, “Tá sempre fresquinho porque vende mais, ou vende mais porque tá sempre fresquinho” ou até mesmo o “Gosto de levar vantagem em tudo”, que virou a Lei de Gerson e que tão bem materializou um dos traços mais fortes da nossa sociedade, só para citar alguns de memória.
Veja o video.
O que se via no Jornal Nacional ou na Novela das 8h virava assunto do dia seguinte. Comerciais inclusos.
Ainda hoje se festeja a criatividade da publicidade brasileira, mas, na real, o maior feito do segmento no país não foi nenhuma ideia criativa e sim uma ideia de negócio: criar um “formato” de negócio que incentivava o ganho das agências ligado a quanto mais mídia elas fizessem e, depois, transformar em lei esse formato de negócio que estabelecia as regras do jogo: 20% de comissão para as agências, paga pelos veículo, descontos também legalizados e, por fim, legalizar um formato de incentivo que amarrou direitinho o esquema e fez as grandes agências ganharem rios de dinheiro por várias décadas.
A TV foi (e ainda é), na real, a maior aliada da publicidade brasileira. Com um formato redondinho.
Veja o video
MUDANÇAS
Quando a internet chega na palma da mão de todo mundo, e ela se mostra uma grande ferramenta para publicidade, a coisa trava.
Na superfície, parece que a discussão é se um banner ou um link patrocinado é mais eficiente que um comercial lindão.
Na real, não é disso que se trata.
Também na superfície, parece que as empresas digitais “roubam” o dinheiro de mídia e são umas subversivas de toda a indústria.
Também nada a ver.
O que mudou, na realidade, é que o cidadão, que até pouco tempo (ou ainda hoje, por muita gente que vive em outra era) era chamado de “consumidor”, foi totalmente empoderado, passou a ter voz e expressão e, como tal, parou de se sujeitar a tudo que lhe era imposto. Ganhou, em resumo, um novo status: de consumidor para cidadão, de receptor para emissor, de calado para a voz mais ativa.
E nisso tudo, o conteúdo incluso e a publicidade inclusa.
E, numa análise fria e desapaixonada, é isso que muda a relação das pessoas com a publicidade. O resto é blá.
Uma interrupção linear numa programação linear? As pessoas não querem. Os jovens, mais intensamente, não aceitam e as crianças, especificamente, não compreendem.
A chegada da internet no bolso de todo mundo, com interações one-on-one, diretas e mensuráveis, muda definitivamente a relação das pessoas com o conteúdo!
O PRESENTE
A partir dessa mudança de paradigma, toda uma indústria baseada em MÍDIA , entra em uma espécie de surto.
O artigo abaixo do amigo Pyr Marcondes foi uma das vozes do mainstream a cutucar a questão.
Três decálogos para um mercado que dissolve. – ProXXIma
25 de abril de 2016 – 14h06 Parte do nosso mercado está dissolvendo. Agências, grupos de mídia e a verba de alguns…www.proxxima.com.br
Com o modelo em cheque, ao contrário do que pode parecer, não são todas as agências que desaparecerão. Algumas já se foram. Outras, em breve irão também. Mas outras terão seus melhores momentos da vida, afinal, em um mercado onde há menos players grandes e mainstream, há espaço para que alguns grandes até cresçam.
O craft da publicidade de filme não vai morrer.
A mídia não vai morrer. A TV não vai acabar.
Tudo será ajustado para a sua devida relevância.
A CRISE REAL
Mais do que qualquer coisa, essa estratégia extremamente bem sucedida para seus negócios, fez os publicitários perderam a chance de se tornarem aliados dos negócios de seus clientes à medida que se focaram exageradamente em mídia e, no máximo, nas vendas de seus clientes.
Ouvi semana passada de uma pessoa de compras de uma enorme multinacional “As Accentures e Deloittes da vida vivem nos provocando que gastamos muito, e muito mal, em marketing”.
Esse é o grande “outro lado da moeda” de uma indústria tão bem estruturada: a perda de relevância.
Por um lado, a mídia não é mais de massa, vivemos o “post media era” e, portanto, é menos sobre “mandar” mensagens (mídia) e muito mais sobre atrair pessoas (engajamento) e, em um mundo em mudanças exponenciais, é menos sobre vender ou posicionar marcas e sim sobre ajudar o cliente na longevidade de seu negócio.
As agências, presas ao paradigma de mídia, se tornaram “recomendadores” de mídia não confiáveis (validando o discurso das consultorias) e pior, pouco parceiras do negócio de seus clientes, pois se mantém na superfície do marketing, no máximo da venda.
Não criam nem “talk of the town” e nem são “business changers” dos clientes. Difícil essa história acabar bem.
Na mesma linha, os grandes grupos de comunicação se tornaram holdings prioritariamente financeiras (pesquisa aí, de onde vem o Michael Roth, CEO da IPG? E o John Wren, da Omnicom? E o Sir Martin, ex WPP?) e, ao longo dos anos de ouro da publicidade, construíram grupos enormes, repletos de empresas “iguais”, portanto com baixas sinergias e que, quando o mercado muda, se tornam um enorme depósito de problemas parecidos mundo afora: irrelevância, modelos de negócios em cheque, baixa parceria de negócios com os clientes.
Quando Sir Martin diz em 2017 que o negócio publicitário não apresentaria crescimento nos próximos anos, ele não estava falando de algo particular do WPP, estava falando de um modelo, de uma indústria que começará agora a pagar os preços do gigantismo, da falta de inovação e da perda da conexão com o zeitgeist do cidadão, aquele que ainda é, muitas vezes, chamado de consumidor.
WPP Will Barely Grow This Year — Sorrell Points to Packaged-Goods as Culprits
Blaming spending cuts from major consumer packaged-goods marketers who provide 30% of its revenue, the world’s largest…adage.com
O mundo mudou. O consumidor mudou, virou cidadão.
Mas os negócios de comunicação — com raras e boas exceções — evoluíram, mas não se reinventaram.
Na realidade, o próprio Sir Martin talvez não tenha percebido o zeitgeist, o espírito do tempo, no que tange aos comportamentos permitidos nos tempos atuais, independente ter sido algo normal no passado.
‘It’s not true:’ Toppled ad king Martin Sorrell gave a defiant response to claims he bullied staff…
Sir Martin Sorrell has repeated denials that he misused WPP funds, and that he visited a prostitute. The allegation…www.businessinsider.com
Vivemos em um mundo onde o cidadão reinventou (ou revisitou, ou simplesmente, mudou) o modo como consome informação, como se entretém, como compra, como se comunica, como estuda, como procura emprego, como faz negócios, etc., etc., é complicado imaginar que a publicidade ainda possa acreditar que um filminho, interrompendo um conteúdo que muitas vezes está apenas passando sem ser visto por ninguém, pode fazer sentido.
(*) Bob Wollheim é sócio e CEO da B Network