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7 de janeiro de 2020 - 7h30
Por Marcos Gouvêa de Souza (*)
Em termos de futuro, o que acontece na Ásia de forma geral é tão ou mais importante do que o acontece na China ou na Índia, isoladamente. E muito mais relevante do que acontece na Europa, nos Estados Unidos e, óbvio, do que acontece na América Latina.
De repente descobriu-se que a China já é a maior economia do mundo no critério PPP – Paridade do Poder de Compra e que em 2028 deverá ser a maior em qualquer critério. Que vive uma transformação tecnológica sem precedentes e que suas práticas precisam ser conhecidas e acompanhadas pelo impacto que podem gerar não só na região, mas em todo o mundo.
O interesse sobre o que acontecia nos Estados Unidos despertava no passado, precisa ser agora redirecionado para China e Índia, em particular e, principalmente, para toda a Ásia.
Enquanto economias ocidentais como Estados Unidos, Inglaterra, França e outras se fecham, os países da Ásia, liderados pela China, se abrem e se integram.
Inspirada pela antiga rota da seda na Ásia, a Belt Road Initiative – BRI, estruturada pela China e lançada em 2013, já tem a adesão de 157 países e organizações internacionais, integrando portos, rodovias, ferrovias e muito mais, a partir de uma ação geopolítica de muito longo prazo lançada pelo presidente Xi Jinping.
Seu principal e declarado objetivo é promover o fluxo de produtos, investimentos, serviços e pessoas, mas seu resultado efetivo será redesenhar o equilíbrio geoeconômico e político no mundo a partir do protagonismo da Ásia, liderada pela China.
Analistas estimam que em 2018 os negócios envolvendo a BRI tenham alcançado US$ 117 bilhões e que o total de investimentos previstos até 2027 será de US$ 1,3 trilhão. Números e dimensões de projeto que fazem crescer o contingente de céticos e críticos, mas que continua avançando, ainda que com os inevitáveis percalços, dada a sua ambição.
Mas os ventos sopram em várias direções.
Na economia, de forma geral, a Ásia tem mostrado crescimento econômico maior e mais sustentável do que a economia ocidental, especialmente quando se consideram os países mais maduros e que experimentam processo de envelhecimento de sua população com perda evidente de vitalidade econômica e de consumo. Independente de regime político ou ideologia. Na monárquica Tailândia, o desempenho econômico dos últimos anos é mais do que o dobro da média mundial.
Os ventos também sopram embalados pela rápida transformação de negócios, muitos dos quais inspirados no que foi concebido no Ocidente e que são reconfigurados e adaptados às características e perfis de consumo locais. Na Coreia, todos os principais conceitos e formatos de varejo gerados nos Estados Unidos, são reproduzidos com marcas e propostas locais, até mesmo aperfeiçoando o que é operado na sua origem. E o Grupo Shinsegae, um dos principais no setor de varejo na Coreia, recentemente comprou três redes de supermercados na costa Oeste dos Estados Unidos e está expandindo por lá também.
Mas os ventos também têm impacto no social local.
Ainda que ainda existam evidentes e enormes diferenças sociais e econômicas internas nas principais nações asiáticas, um traço cultural importante leva a um processo de redução dessas diferenças, como na China, o que faz com que haja um sentimento coletivo de satisfação pela melhoria das condições de trabalho, saúde e educação. Totalmente diferente da realidade ocidental, expressa pelas manifestações e movimentos populares, como acontecem na Europa e na América Latina, onde o sentimento coletivo é de ampliação das diferenças.
Os ventos que envolvem tecnologia sopram ainda mais fortes.
A crescente incorporação de tecnologia cria novas realidades em muitos desses países e os integra via transformações nos meios de pagamentos, comunicação, relacionamento e vendas digitais, além de outras formas de incorporação da tecnologia, de maneira muito mais rápida, pois não enfrentam as estruturas, regulamentação, hábitos e práticas existentes. Lembrando que na Coreia, a participação das vendas por e-commerce em relação ao varejo total é o dobro dos Estados Unidos e quatro vezes superior à do Brasil. E que na China essa participação é três vezes superior aos Estados Unidos.
Ou como na questão de meios de pagamentos no Brasil, Estados Unidos, Canadá, França, Itália e muitos outros países, onde toda a estrutura implantada de cartões de crédito, débito e outros acabam impondo um ritmo de incorporação da inovação de forma muito mais lenta e controlada.
Se na economia ocidental enfrentamos o crescente desafio de envelhecimento da população e seus impactos na economia, na previdência e nos sistemas de saúde, na Ásia o desafio é alimentar, cuidar e educar a população ainda em expansão, mesmo que usando regulamentações para evitar um crescimento demográfico mais rápido do que é possível administrar.
Outro aspecto importante para ser observado são os modelos de gestão.
No Ocidente estamos ainda avaliando os novos modelos de organização e gestão de negócios na realidade digital pela reconfiguração de modelos tradicionais das escolas norte-americana e europeia, mesclados com a transformação gerada pelas plataformas exponenciais, como Amazon, Google, Facebook e muitas outras, mas na nova Ásia os modelos envolvem a crescente incorporação dos Ecossistemas de Negócios e sua tentacular e rápida expansão, reduzindo a importância do núcleo central e irradiando poder, agilidade e flexibilidade para as partes que compõem o todo.
Na realidade ocidental as preocupações são crescentes com qualidade de vida e aposentadorias que nos permitam viver de forma digna por mais tempo e sob tutela do Estado. E os direitos adquiridos sendo irreversíveis.
Na nova Ásia o foco tem sido educar e preparar a população para ser mais competitiva em qualquer realidade, chegando ao extremo do 9-9-6 da China, mecanismo que define o trabalho das 9h às 9h, durante 6 dias por semana.
No mundo ocidental debatemos cada vez mais, e de forma pertinente, os direitos individuais e proteção de nossa imagem e individualidade. Mas na Ásia a busca é constante pelo controle de tudo que acontece e o uso dessas informações, de forma não exclusiva, para segurança, saúde, educação e comportamento da população, no presente e no futuro, pelo uso de Inteligência Artificial.
O fato inconteste é que vem da Ásia a mais forte onda de transformações que o mundo já viveu e que a liderança global tende, novamente, a voltar para os países da região, depois do ciclo global que desenvolveu esse poder pela liderança de países ocidentais como Inglaterra e Estados Unidos, só para falar da história mais recente.
Se no passado devíamos estar o mais próximo possível de Estados Unidos e Europa para nos atualizarmos e inspirarmos, agora e cada vez mais, precisamos conhecer, entender, medir e avaliar os impactos que o mundo viverá pelo forte crescimento, expansão e integração que os ventos da Ásia irão produzir. Não tem opção.
(*) Marcos Gouvea de Souza é fundador e diretor-geral do Grupo GS& Gouvêa de Souza, membro do IDV – Instituto para o Desenvolvimento do Varejo, do IFB – Instituto Foodservice Brasil, Presidente do LIDE Comércio e membro do Ebeltoft Group, aliança global de consultorias especializadas em varejo em mais de 25 países. Publisher da plataforma Mercado & Consumo.