17 de fevereiro de 2014 - 8h04
POR DÉBORA YURI
“Chemistry meetings”, teste de três meses, análise de histórico e portfólio, jobs remunerados. Enquanto modelos alternativos de escolha de agência publicitária ganham timidamente espaço no mercado brasileiro, as próprias agências questionam a eficácia do sistema mais popular – a concorrência tradicional.
O modelo favorito dos anunciantes é artificial e nada sadio, na visão de Marcelo Tripoli, CEO da SapientNitro. “As condições do processo são diferentes do dia-a-dia de trabalho. Algumas agências chegam a contratar só para a concorrência equipes que não cuidarão do atendimento daquele cliente.”
Ele acredita que a expansão de modelos diferentes é uma tendência, sobretudo no exterior. Recentemente, participou de um deles com a Boehringer Ingelheim, que detém a marca Buscopan. A empresa fez uma pesquisa inicial de agências com o perfil buscado; depois, marcou reuniões que envolviam diferentes profissionais. Estes encontros são chamados de “chemistry meetings” – a ideia é ver se bate a tal da química.
O método é usado pelo anunciante em outros mercados. Cada reunião aborda temas específicos, como social e mídia, para verificar quesitos técnicos e o grau de compatibilidade entre os times. Em janeiro, a SapientNitro iniciou um trabalho-teste de três meses com outro cliente, no modelo “try before buy”. Se a avaliação dos resultados ao final do período for positiva, ganhará a conta.
Para Tripoli, processos não-convencionais de contratação vão ganhar força no Brasil porque as agências não suportam mais os custos das concorrências. “Elas limitam os candidatos a quem tem calibre financeiro. É um cenário que beira a insustentabilidade e um tema de interesse da indústria”, diz.
CEO da Ogilvy & Mather, Fernando Musa acrescenta que os processos de concorrência sérios tomam tempo e dinheiro dos dois lados. “Este modelo de decisão é arcaico, não retrata a realidade. Você apresenta o trabalho para ganhar, que pode não ser o melhor, e não tem o cliente ao seu lado para trabalhar.”
A agência já participou de processos “mais saudáveis” de escolha, baseados em reuniões de química e na exposição de opiniões sobre determinados tópicos, ele lembra. “Não sei se há um modelo ideal, mas é interessante conviver com os profissionais do dia-a-dia, fazer um ou dois trabalhos para conhecer nuances das agências, propor um teste remunerado.”
Musa sugere mais experimentação e discussão. “Precisamos debater o assunto nos fóruns, com os clientes, com a ABA [Associação Brasileira de Anunciantes], e encontrar processos que sejam mais verdadeiros.”
Relacionamento de longo prazo
O mercado de agências tem se esforçado para desbravar caminhos alternativos à concorrência, que já virou até tema de reality-show na TV americana (“The Pitch”, da AMC). A Agência CASA, do Grupo JWT, conquistou contas mostrando credenciais, participando de reuniões de química e criando uma primeira campanha-teste que gerou bons resultados.
“Há alguns meses, participamos de um processo diferente porque um cliente global queria conhecer os times ao redor do mundo e entender a senioridade das equipes”, diz o CEO Guilherme Gomide, lembrando que a publicidade brasileira tem a tradição de agência personalizada, centrada no dono. “Se não houver empatia, não rola.”
Iniciativas alternativas ainda são isoladas no Brasil, mas “chemistry meetings” e períodos de teste de trabalho estão ficando mais comuns, ele conta. “A Nextel, por exemplo, nos deixou operando por três meses com a mesma verba de sua agência no momento.”
Modelos que não envolviam concorrência, voltados a processos de conhecimento mútuo e início de trabalho, também renderam clientes à LOV. O CEO João Muniz ressalta que não se trata apenas da questão da química. “A proposta também é entender as necessidades do parceiro. Estas reuniões podem gerar um projeto remunerado e, se você se sair bem, um relacionamento de longo prazo.”
Para ele, a adesão a processos diferentes está ligada à maturidade de anunciantes e agências. “A concorrência é calcada num dia falso, de pirotecnia, que não mostra a agência na sua rotina normal. E, no mercado brasileiro, ela virou uma coisa prostituída, com empresas fazendo leilão de preço e escolhendo quem cobrar menos.”
‘Vamos namorar primeiro?’
Diretor executivo de negócios da AgênciaClick Isobar, José Melchert defende que o processo de seleção seja baseado no histórico da agência, portfólio e no conhecimento da equipe que vai trabalhar com o cliente. “Isso é mais saudável para o anunciante, porque ele vai fazer uma escolha fundamentada em critérios verdadeiros.”
Alguns anunciantes começam a adotar uma postura diferente, investindo em propostas na linha do “Vamos namorar primeiro?”, ele aponta. “Já pegamos jobs iniciais, fizemos reuniões e entrevistas, passamos por processo de análise de histórico. A concorrência está desgastada, é fundamental que ocorra uma mudança.”
Melchert propõe ainda que as agências apresentem alternativas ao cliente quando receberem convite para uma concorrência. “Se cedermos sempre, não valorizaremos o nosso trabalho”, resume.
O modelo de remuneração atrelada à performance é uma das apostas de Tiago Ritter, CEO da W3haus. “Isso deve crescer porque, no digital, o que entregamos pode ser mensurado.” Ele observa que a cultura do departamento de compras é forte nos anunciantes de grande porte. “Eles geralmente lideram um processo de concorrência, mas contratar uma agência é diferente de comprar parafusos.”
A tal da química
Mudanças nas próprias concorrências também podem ser um caminho, como oferecer remuneração aos participantes, na opinião de gestores de agências. “Quando ganhamos a conta da Natura, os seis classificados receberam um fee do cliente”, lembra Márcio Oliveira, presidente e sócio da Lew’Lara.
Em outra ocasião, a agência colocou como condição para participar de uma concorrência tradicional que o anunciante participasse de um workshop conjunto sobre o seu setor. “É preciso sentir se vocês têm química, se pensam parecido, se trabalham bem juntos, se a dinâmica encaixa.”
No exterior, ele sente uma “mudança clara” nas concorrências, com maior abertura a experimentações. “Muitos clientes estão orientando as agências durante o processo de criação. Acho importante reproduzir o que as duas empresas vão viver dali para a frente, porque elas estão procurando um casamento, não a melhor campanha para o próximo mês”, diz.