2 de maio de 2014 - 10h10
POR JOSÉ SAAD NETO
De Londres
Há quase uma década, marcas perseguem uma máxima nas redes sociais: quanto mais seguidores, maior é o sucesso da página ou do perfil corporativo. De fato, durante algum tempo, esse foi o melhor balizador para saber se a presença nas plataformas agradava. Mas, há pelo menos cinco anos, uma série de ferramentas capazes de analisar a fundo os dados gerados pela audiência nas redes colocou o número de fãs em segundo plano. Grandes anunciantes estão traçando estratégias de negócios e até lançando produtos a partir da interpretação em larga escala de informações geradas nas redes sociais. Afinal, são consumidores que ali estão. Parece óbvio, mas o cenário é ignorado por parte das empresas que ativamente interagem nas redes sem um planejamento estruturado.
Enquanto algumas companhias incorporam o social às estratégias de negócios, outras tratam fanpages ou perfis digitais como extensão do site corporativo. CEO e co-fundador da Socialbakers, empresa de análise de dados nas redes sociais, Jan Rezab afirma que é possível utilizar esses canais de forma mais inteligente e estratégica, desde que haja uma mudança no entendimento do papel da plataforma. “Se você está nas redes só para interagir, é possível que seu repertório e relação com os fãs se esgotem. A partir do momento em que você passa a analisar a quantidade de dados gigantesca que sua audiência gera, é possível traçar uma estratégia de relacionamento e negócios para essa comunidade”, explicou durante apresentação na última quarta-feira, 30, no Engage London, evento promovido pela Socialbakers, na capital inglesa.
O especialista afirma que, atualmente, há três estágios de maturação corporativa nas redes sociais. No primeiro, chamado de Early Stage, marcas começam a ouvir seu seguidores, publicam textos e imagens simples e possuem relatórios baseados no número de seguidores ou alcance dos posts. No segundo estágio, o Socially Devoted, empresas já implementam uma espécie de Social Care, investem na produção de conteúdo diferente para cada rede, engajam fãs com anúncios pagos (patrocinados) e vão mais a fundo nas análises, interpretando, inclusive, os movimentos dos concorrentes. No terceiro estágio, chamado pela Socialbakers de Socially Native, estão as companhias mais maduras na utilização das redes sociais. Nele, as plataformas são integradas à estratégia de negócios, com o envolvimento de todas as áreas de companhia na utilização dos canais. Geralmente, há uma unidade responsável por centralizar e executar as ações. E o monitoramento e a análise dos dados são totalmente voltados para objetivos de negócio e atendimento aos consumidores.
Na Lenovo, líder mundial na fabricação de PCs que reúne 60 milhões de seguidores nas redes sociais, essa análise é levada a sério. Pelo menos 30 profissionais dedicados à produção de conteúdo e interpretação de dados nas redes trabalham no hub de inovação da companhia, em Singapura. De lá, coordenam o trabalho de outros 30 escritórios regionais espalhados pelo mundo, entre eles, no Brasil. “Desta forma, estabelecemos um guia global único, mas respeitamos as particularidades de cada mercado. Afinal, estamos lidando com consumidores de culturas absolutamente diferentes”, explica Rod Strother, diretor do centro de excelência social e digital da Lenovo.
Na central em Singapura, profissionais de conteúdo, publicidade nativa, análise de dados e líderes de práticas globais sentam lado a lado para definir novas ações e gerenciar crises. “Sabemos quando algo não vai bem em determinado País e, juntos, tomamos decisões sobre o melhor caminho”, diz Strother. E não é só externamente que o social é incorporado à estratégia. Com 46 mil funcionários espalhados por 66 países, a empresa adota a mídia social como essência no relacionamento interno. “A linguagem dos seguidores nas redes sociais já inspira nossa comunicação nos escritórios. Passamos a ser mais leves e fluidos e o elemento colaborativo é hoje mais presente nos processos”, garante o executivo.
Um exemplo prático da relação entre social e negócios é o smartphone VibeZ, lançado pela Lenovo no ano passado. A partir da identificação de uma onda de reclamações nas redes sociais, a empresa desenvolveu o produto. “Muitos dos nossos seguidores reclamavam que os smartphones, em geral, não beneficiam que tem braços curtos na hora do selfie. Foi, então, que criamos o VibeZ, um celular com câmera com ângulo mais amplo, mesmo a uma distância curta”, diz Strother. Ele garante que nos mercados europeus e asiático, o produto tirou a Lenovo da sexta posição no mercado de smartphones para a terceira, atrás de Samsung e Apple.
Paixão por carros
Na Renault, o encantamento mundial por automóveis pauta o conteúdo nas redes sociais. Até aí, não é necessária a adoção de nenhuma ferramenta. Mas a empresa francesa vai além ao estabelecer a prestação de serviço nas redes como prioridade. David Isherwood, gerente global de mídias sociais da montadora, afirma que uma equipe dedicada a atender clientes e não clientes atua sete dias por semana, 24 horas por dia. Além disso, a montadora cria uma série de vídeos tutoriais sobre segurança no trânsito que são compartilhados nos seus canais nas redes. “Esse cliente satisfeito continuará na Renault e ainda indicará novos consumidores”, diz Isherwood. E o monitoramento feito pela montadora sustenta o discurso do executivo. Ente agosto e dezembro de 2013, 15% dos novos compradores de um automóvel Renault, na França, iniciaram o contato com a marca pelas redes sociais. “É um número extremamente alto e tem um papel super importante nas nossas vendas”, afirma.
Diante dos fatos, a montadora investe em treinamento de profissionais cada vez mais sênior para atuar nas redes. “São vendedores com bom texto e muito articulados. Eles recebem, inclusive, parte da comissão da venda se o negócio iniciado ali for concretizado”, afirma Isherwood. Assim como a Lenovo, a empresa também trabalha com diretrizes globais a partir de um centro estabelecido em Paris, mas possui equipes regionais direcionando questões e conteúdo de acordo com as particularidades de cada mercado. Ele destaca as comunidades brasileiras como uma das mais engajadas do mundo. “A quantidade de insights que tiramos de uma base da fãs tão ativa é extremamente rica para nossa estratégia de negócios”, completa.
Telas em tempo real
Para a companhia aérea KLM, a análise de dados nas redes sociais acontece 365 dias por ano, 24 horas por dia, a partir de um centro de monitoramento instalado na Alemanha, sede da empresa. Como o foco nas redes sociais é, principalmente, prestar serviços que otimizem vendas e check-ins, as informações geradas são importantes porque, hoje, as redes já são o principal canal de interação com os passageiros antes e depois das viagens. “Mais interações acontecem nos nossos canais sociais do que no call center da empresa”, afirma Robertjan Groenveld, gerente do hub de mídias sociais da KLM.
A companhia mantém uma espécie de customer care dentro dos perfis do Facebook e do Twitter. Por meio das telas instaladas no hub de mídias sociais, a equipe entende o calor das mensagens que chegam por meio desses canais e os assuntos mais comentados a cada momento. Um aplicativo mobile também serve como centro digital de serviços. Mensagens enviadas de qualquer parte do mundo são respondidas em até 24 horas, na língua materna do consumidor. “É uma operação logística complexa, mas que bem estruturada, com monitoramento correto, funciona e atrais cada vez mais passageiros para a KLM”, diz Groenveld. Para ele, mais importante do que olhar o número de vendas de bilhetes aéreos é prestar um serviço eficiente. “Isso vai fazer a diferença no próximo voo desse passageiro. Ele acabará voltando, se tiver a opção”, completa.
Ferramentas de otimização
Durante o Engage London, a Socialbakers apresentou ao mercado inglês um novo posicionamento. A empresa fundada há seis anos em Praga, na Republica Tcheca, deixa de ser somente uma analista das redes sociais para entregar otimização de presença de marcas nas plataformas. A mudança, diz o CEO Jan Rezab, faz parte da reinvenção que todas as empresas nessa área precisam ter incorporada ao DNA. A jovem empresa possui hoje presença em 35 países e uma rede de clientes com mais de 100 marcas. A mudança no posicionamento é ilustrada por duas verticais: Analytics (com ferramentas de monitoramento e interpretação de dados nas redes sociais) e Builder (a nova plataforma que, além de analisar, permite otimizar a presença nas redes por meio da gestão de conteúdo e cronograma de posts). “Hoje, independe se uma empresa tem uma equipe grande dedicada à mídia social ou somente um analista. É possível gerenciar conteúdo e processos, monitorar dados e analisar informações a partir de plataformas como essas”, garante Rezab.
Seja como for, e com a equipe viável, há casos inspiradores que mostram que a análise dados gerados pelas redes pode ser o caminho que muitas empresas ainda buscam nas redes sociais. “Para que estar lá? O que fazer com meus fãs? Como converte-los em consumidores?”. As respostas estão todas lá, na sua fanpage.
Social data na prática
Lenovo
Instalou um centro de inovação social em Singapura que monitora e analisa dados globais gerados por seguidores em 30 países. Cada mercado tem equipe própria dedicada às redes sociais. No ano passado, lançou um smpartphone a partir de dados gerados pela base de fãs.
Renault
Treina equipe de vendedores para atuar nas redes sociais, atendendo clientes e não clientes. Em 2013, 15% das vendas de automóveis Renault, na França, começaram a partir de um contato nos canais sociais da montadora.
KLM
Com foco na prestação de serviços, criou centros de atendimento no Facebook e no Twitter, além de app mobile. Mensagens são respondidas 24 horas por dia, na língua materna do passageiro. O resultados são check-ins mais eficientes e buzz positivo nas redes sociais.
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O jornalista viajou a Londres a convite da Socialbakers.