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Mídia contemporânea: (quase) todo poder aos distribuidores
Com a Web, o motor gerador da receita econômica deixou ser o conteúdo e passou a ser a capacidade de distribuição
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20 de novembro de 2014 - 8h08
POR MARCELO COUTINHO
Diretor de inteligência de mercado do Terra e professor da FGV-SP
No início dos anos 1990, as empresas de mídia olhavam com otimismo para o desenvolvimento das comunicações mediadas por computadores. Na primeira Conferência de Jornais Interativos que compareci, realizada em 1995, em Dallas, o tema central era o papel dos jornais na "Supervia da Informação", termo popularizado pelo então vice-presidente dos EUA, Al Gore. Naquele momento, muitos previam que a Web chegaria "um dia" a rivalizar com os serviços de áudio-texto, então o ápice da interatividade no setor.
Porém, mais importante –e equivocada– do que a suposição sobre a velocidade com a qual a Web engoliu o telefone como forma de interação, era a premissa que as organizações de mídia, especialistas em coletar, editar e distribuir informações, seriam as grandes vencedoras das transformações que então se iniciavam. Em uma época que o mantra era "informação é o novo petróleo", parecia óbvio que estas empresas ganhariam muito dinheiro com a abertura de um novo canal de contato com seus públicos e a monetização das relações que iriam se estabelecer neste meio.
O que não estava no radar dos grupos de mídia era que a Web se tornaria não apenas um canal, mas sim uma plataforma de comunicação, controlada por empresas de software e hardware com poucos anos de vida. O motor gerador da receita econômica deixava ser o conteúdo e passava a ser a capacidade de distribuição.
Além de processos produtivos diferentes, estas empresas operam sob princípios econômicos chamados de "externalidades", nos quais o valor do produto ou serviço consumido (basicamente o software e aparelhos que permitem as conexões em rede) aumenta quanto mais é utilizado, ao contrário dos produtos nos quais tradicionalmente o conteúdo era veiculado (papel, celulóide, espectro eletromagnético, etc).
Essas plataformas alteraram a estrutura de produção e distribuição de conteúdo, reduzindo barreiras de entrada e levando a uma explosão na quantidade de informação e entretenimento disponível. E como o volume de tempo disponível para o consumo de mídia tem limites relativamente estáveis, o resultado foi a fragmentação da atenção da audiência, tornando-a um dos recursos mais escassos da economia — algo que o Nobel de Economia Herbert Simon já previa em 1971. Essa escassez atingiu em cheio o que as organizações de mídia comercializam: a atenção das pessoas para o conteúdo que elas produzem.
Resumindo a questão em termos econômicos: no final de setembro de 2014 o valor de mercado da Apple era quatro vezes maior que o da Disney (e 9,3 vezes o da Time Warner); em 2013 o Google ficou com 10,5% do investimento global em mídia (fonte: Magna Global e Relatório Anual da empresa) e, no segundo trimestre deste ano, o Facebook faturou em publicidade mobile cinco vezes mais que a receita publicitária total do NY Times no mesmo período. Reparem que Apple, Google e Facebook não produzem conteúdo, apenas distribuem o que é produzido por outras empresas (como Disney, Time Warner e NY Times). Essas plataformas gerenciam de forma muito mais eficiente que as empresas de mídia tradicionais a captura da atenção do consumidor e a distribuição do conteúdo publicitário para seus usuários.
Obviamente que existem nuances regionais (oligopólios, legislação etc) que precisam ser levadas em conta, mas a transformação estrutural do setor vai ocorrer com maior ou menor velocidade em escala global. Este quadro obriga as empresas de conteúdo tradicional a repensarem sua estrutura produtiva (com alteração de cargos e funções somada ao enxugamento de pessoal) e suas fontes de receita: relação com a audiência e venda de publicidade.
No primeiro caso, a produção colaborativa de conteúdo e o crescimento da receita produtos de assinatura é essencial para compensar a perda do valor apropriado pelas plataformas digitais. Do lado dos custos isso vem ocorrendo através do conteúdo gerado por terceiros (com baixa remuneração ou mesmo sem custo financeiro, em função do “prestígio” que produzir para estas marcas gera de capital social). Do lado da receita é o "pay-wall" e a oferta de conteúdo personalizado como um valor adicionado aos serviços de assinatura básica.
Apesar de insuficiente para compensar a perda da receita com a publicidade impressa, esta tática vem respondendo por uma parcela crescente da receita total dos grupos de mídia. Embora não existam dados para o mercado brasileiro, os números publicados por empresas como América Online, NY Times, Financial Times e Wall Street Journal indicam que a exploração destes serviços agregados ao conteúdo pode compensar parte da perda com a receita de publicidade (no caso do NY Times, por exemplo, em 2013 a receita com serviços/assinaturas ultrapassou a receita com publicidade pela primeira vez nos 161 anos de história do jornal).
Já a venda de publicidade vai ser crescentemente automatizada e atrelada a personalização e ao desenvolvimento de conteúdo sob medida para o anunciante ("publicidade nativa"). A automação dos processos de venda permite um melhor aproveitamento do inventário publicitário, ainda que a preços mais baixos e com impacto sobre a estrutura comercial dos veículos, e vai responder por cerca de 80% da publicidade vendida na Internet em 2017, cerca de U$ 33 bilhões, segundo a Magna Global. Vale lembrar que estes processos de automação também vão se estender para outras mídias, como TV e rádio (o grupo Interpublic estima que 50% do investimento publicitário dos seus clientes será feito desta forma em 2016).
Essas transformações não significam o fim das empresas de conteúdo, mas o início de uma mudança de estratégia. Com possibilidades cada vez mais variadas de geração, personalização e distribuição, conteúdo será fundamental no aproveitamento da atenção das pessoas. Mas as empresas de mídia terão que operar de forma cada vez mais horizontalizada, através de alianças com outras organizações. Superar este desafio organizacional e cultural será fundamental para que elas sobrevivam aos próximos 25 anos da internet.
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