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Precisamos de agências criativas!

Criação e posicionamento, esse lado antropológico e psicológico da profissão, não entram na onda da automação. A criatividade está ligada a arte, a psicologia, a todos os temas e profissões que são considerados pelo mercado como sobreviventes nessa era mecânica e preditiva.


5 de outubro de 2017 - 10h28

Por David Reck (*)

Estamos inseridos em um novo momento da publicidade, em um universo de possível automação de mídia, de entrega de mídia através de tecnologias com alta segmentação baseada em dados. Anunciantes vendo toda essa movimentação vêm cobrando que agências assumam o papel de dar consultoria, analisar métricas, criar mesas de operação, configurar e operar esse tipo de plataforma. Mas como fica o papel original das agências? Elas devem ocupar esse tipo de função?

Minha resposta é: não!

A agência tem um papel extremamente relevante no processo de comunicação, mas acabou perdendo parte da sua identidade ao longo do tempo, por tentar suprir todas essas demandas exigidas pelo mercado. Por atrelar quase toda a sua remuneração à mídia, elas tiveram que se adaptar e manter essas automações e trabalhos construtivos, pois tudo estava relacionado com a entrega de mídia. O que parecia ser uma possibilidade de ampliação de negócios acabou se tornando uma ameaça, pois desviou o foco das agências e fez com que elas perdessem sua essência estratégica e criativa, seu principal ativo e especialidade.

Tudo isso está fazendo a comunicação se tornar somente racional, perdendo a principal característica que ligava as marcas ao consumidor, o que se dava a partir de uma relação puramente emocional.

Por que é importante que a agência retome seu papel?

Se voltarmos ao passado, é possível ver que um grande profissional de planejamento e criação de uma agência era um profissional com nível cultural extremamente alto. Ele tinha bagagem e era capaz de entrar em lugares descolados, entender o ambiente, as pessoas que estavam ali, o comportamento e perfil delas e, com base nos movimentos históricos, entender o porque tudo aquilo fazia sentido, porque aquele ambiente existia.  Usava isso então para criar e fundamentar um plano de comunicação que impactasse justamente essas pessoas.

No final, o que vemos do lado de fora é uma ideia relevante e muitas vezes de risco, mas que pode convencer as pessoas a comprarem um conceito, provarem uma experiência. É exatamente aí o momento da mágica criativa, em que uma ideia que parecia maluca pode dar certo, não por acaso, mas porque tanto profissionais como a própria estrutura de comunicação e criatividade da agência, fundamentada em seu histórico conhecimento e sua expertise cultural da atividade, era utilizada para fundamentar e convencer os envolvidos na aprovação. E, finalmente, o público final.

Com o tempo, isso perdeu força. Temos poucos profissionais com esse perfil nas operações em curso. Hoje o que temos são profissionais mais jovens, com bagagem cultural e profissionaL superficial, extremamente operacionais e envolvidos em tecnologia, análises e relatórios.  Existe até um certo preconceito com esses profissionais mais criativos mais tradicionais pelo fato de não serem especialistas em tecnologia, como se não fossem mais adequados ao mercado.

Mas será que essas pessoas precisam de fato saber tanto sobre tecnologia? Não. Em minha opinião, não precisam.

Eu aqui, como profissional de tecnologia, especializado em entrega de mídia, digo que esse cara não tem que saber isso. É necessário que ele continue sendo ultra-criativo, com nível cultural extremamente alto, que saiba muito sobre o comportamento humano, para assim definir propósitos para as marcas e a partir deles criar boas histórias, onde os consumidores tenham experiências únicas ao se relacionarem com elas.

Com isso em mãos, ai sim vem a visão de negócios e os desdobramentos: como a definição de jornada, a camada tecnológica, a equipe de operação, a criação de altas segmentações, clusters, as entregas personalizadas para o consumidor e para cada nicho, canais e inventários mais apropriados, etc.

Esse profissional precisa ser remunerado por essa concepção criativa, principalmente quando falamos cada vez mais sobre experiências, criação de conteúdos e storytelling agradável e contextualizado aos objetivos da marca. Isso não tem nada a ver com mídia.

Como dizem por ai, o mercado acabou tomando o rumo errado, tanto pela força dos veículos que incentivaram o direcionamento da verba para eles, como pelos próprios anunciantes, que foram espremendo as agências com outras demandas. Esse conjunto de fatores fez com que se desestimulasse a geração permanente do perfil profissional do criativo fora da caixa, cada vez mais substituído por profissionais de operação, mídia e tecnologia.

Precisamos que as agências voltem a ocupar seu papel imaginativo e ousado, com profissionais aclamados e respeitados, que levem esse conhecimento e experiência aos mais jovens.

Não faz o menor sentido um profissional de alto nível criativo e sofisticada capacidade de entrega de comunicação ser visto hoje como obsoleto e não valorizado pelo mercado. Deveria ser exatamente o contrário, já que ele é um bicho raro, pronto para enfrentar demandas de alta responsabilidade.

A transferência crescente da mídia para conteúdo, experiências e negócios vai implicar mais e mais na necessidade de perfis como os que descrevi acima, já que plataformas e tecnologias sem estratégia, posicionamento e conteúdo não constroem absolutamente nada.

Jamais reforçarei a busca do glamour pelo glamour ou pela premiação pela premiação, como foi e ainda é o caso de muitas agências. Isso é ilusão empresarial e profissional, um recurso que na verdade ilude também o próprio cliente e em nada contribui para o amadurecimento e desenvolvimento da nossa indústria.

A busca aqui é por uma entrega real e efetiva, que ajude de fato a construir as maiores empresas do Brasil, que ao longo da história dessa nossa indústria viram profissionais de fato parceiros de negócios, verdadeiros guardiões das marcas, com relações que se perpetuaram e permaneceram saudáveis por muitos anos.

Atualizar a criatividade

A questão que cabe é: estariam os planejadores e criativos das agências de hoje atualizados diante do mundo em transformação a sua volta? Após o avanço da internet e das novas tecnologias digitais, além da mudança de comportamento frequente das mais variadas camadas de púbicos consumidores, estariam esses profissionais prontos para a nova necessidade de entrega?

Caso não tenham se atualizado, será que as agências não encontraram e não formaram no mercado novos profissionais com esse nível de bagagem e conhecimento? Onde estão os novos Nizan Guanaes e Washingtons Olivettos da nova era?

Com a globalização e a comunicação no digital, estamos falando de marcas que se relacionam com pessoas em um cenário de baixíssima diferenciação competitiva. Consumidores comparam hoje relacionamentos e experiências entre eles e as marcas.

De fato, o que acontece hoje é que todas as empresas são concorrentes de todas as empresas, num ambiente caótico de ofertas e ruído permanente, todas as marcas, de certa forma, atrapalhando todas as demais. E o consumidor no meio de tudo isso.

Por essa razão é fundamental que as empresas atuem fortemente na definição do propósito da marca e no que elas vão conseguir de fato entregar de forma diferenciada e única, pois ela será julgada a cada ponto de contato por essa entrega. Caso não cumpram o que prometem, cairão certamente na “zona negra” da internet, em um ambiente com haters, viralização negativa e possível desaparecimento.

O grande objetivo desse planejador com alto nível cultural deve ser criar, definir e fomentar esses propósitos de marca, o que nem de longe é tarefa fácil.

Núcleos especializados trabalhando juntos

Precisamos cada vez mais de núcleos de atuação integrados. É importante que se construam conjuntos operacionais de pessoas criativas, planejadoras e idealizadoras, ao lado de núcleos e tecnologia, dados, segmentação, análise de performance e mídia.

É essencial que esses dois núcleos trabalhem juntos, somando suas especialidades e suprindo suas carências. Assim como é necessário um terceiro núcleo: o de profissionais com visão de negócios.

Dessa maneira, teremos pessoas que constroem histórias, pessoas que trazem a visão de produtos e pessoas que viabilizam os planos e estratégias. Aí sim, voltaremos a ter uma publicidade que se arrisca, que gera experiência e não uma publicidade com medo de se posicionar.

Publicidade essa que tende a proteger o modelo e especialidade central das agências. Toda a parte de compra de mídia tende a ser automatizada com o passar dos anos, com robôs fazendo o trabalhando que antes era feito por humanos utilizando dados históricos, predição, etc.

Ou seja, criação e posicionamento, esse lado antropológico e psicológico da profissão, não entram na onda da automação. A criatividade está ligada a arte, a psicologia, a todos os temas e profissões que são considerados pelo mercado como sobreviventes nessa era mecânica e preditiva.

Sei perfeitamente que tudo que estou dizendo aqui é totalmente contra o que o mercado prega hoje, que os profissionais devem ser mais técnicos e que tudo está se tornando mais mecânico.

Técnico (no sentido da palavra mesmo), como eu me lembro da minha época de faculdade, eram os bacharéis e aqueles que prestavam cursos claramente técnicos. A diferença é que o bacharel entrava na profundidade, no fundamento das coisas, e o curso técnico só na aplicação e na prática.

O que vemos hoje é a tentativa de estímulo só para a aplicação, em detrimento de todo o fundamento maior, que mantêm a roda girando.

Mudar é fundamental. Mas os fundamentos mais relevantes do negócio das agências seguirão sendo a capacidade de panejamento estratégico único, o entendimento da sociedade e da cultura dos consumidores, e as histórias criativas e fascinantes que só profissionais e empresas efetivamente diferenciadas podem entregar.

Agora, se diante de tudo isso, você ainda se pergunta: Ok, mas sem a mídia o mercado da agência não terá um volume muito menor? Elas teriam que encolher?

Então, volte e leia tudo novamente, pois esse tempo já passou e não adianta ficarmos querendo ajustar o mercado as nossas necessidades ou fugirmos dos nossos propósitos.

O mundo, felizmente, é muito maior do que as nossas empresas, entenda o mercado e se ajuste a ele. Ou ele ajustará você.

(*) David Reck é Sócio-fundador e CEO da Reamp

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