Opinião
E-commerce explode, mas calma…
Que o e-commerce cresce de maneira pujante, não há dúvidas. Assim como também é certo que, inevitavelmente, será cada dia mais relevante para todas indústrias e segmentos econômicos
Que o e-commerce cresce de maneira pujante, não há dúvidas. Assim como também é certo que, inevitavelmente, será cada dia mais relevante para todas indústrias e segmentos econômicos
3 de dezembro de 2020 - 8h00
Já está definida qual será a imagem que mais aparecerá em apresentações sobre a aceleração do digital durante a pandemia. Imagino que você já tenha sido impactado por um (ou vários) posts com um gráfico apontando que o e-commerce nos EUA cresceu em 8 semanas de 2020 o mesmo que nos últimos 10 anos.
Formidável, não é mesmo? Sim, é incrível. Porém, tenho que te contar algo que ninguém falou por aí: trata-se de uma narrativa falsa construída a partir de dados verdadeiros.
Que o e-commerce cresce de maneira pujante, não há dúvidas. Assim como também é certo que, inevitavelmente, será cada dia mais relevante para todas indústrias e segmentos econômicos.
Note também que trabalho com digital há mais de vinte anos, fui da gênese do Submarino num distante 1999 e sou absoluto entusiasta do poder transformador do digital. No entanto, é preciso ter rigor analítico e olhar para os números como eles realmente são.
O gráfico em questão traz como fonte instituições robustas como o U.S. Department of Commerce e Bank of America. Os números são corretos, pois apresentam uma estimativa do total de vendas online em Abril de 2020. Porém, são aplicados de forma a pintar um quadro exageradamente otimista, que ainda não é realidade.
A curva de tendência, quando esticada até final de Q3 de 2020:
Nela é possível observar um enorme pico em Q2. Contudo, a realidade é sensivelmente abaixo dos tais 27% que aparecem no ex-futuro famoso gráfico. Olhando os números no detalhe, nota-se que a penetração de e-commerce no total do varejo nos EUA é de 16,1%, um inequívoco salto ante os 11,8% de Q1 de 2020 (em destaque na moldura vermelha).
Outro dado que foi convenientemente esquecido é o fato de que, especialmente em Q2, a COVID-19 bateu de frente com nossa realidade de mundo e a maioria dos varejistas teve de baixar as portas de suas lojas físicas. O que aconteceu foi uma queda de USD 105 bi em receitas no varejo físico quando comparado com Q1 de 2020 e USD 115 bi em relação ao mesmo período de 2019, o que representa uma retração de 9,4%. Apenas para efeito de comparação, essa queda no varejo físico significa 54% de todo e-commerce nos EUA. Estes dados estão disponíveis no site do próprio U.S. Department of Commerce. Só dá um pouco de trabalho e Excel para fazer as contas.
Não há problema algum em creditar parte do crescimento do e-commerce ao fechamento de lojas e restrições de circulação. Em Q3 de 2020, com uma parcial reabertura da economia, houve uma inversão de sinais: vendas de lojas físicas cresceram 14,6%, enquanto o e-commerce caiu 1% (na caixa azul). Nenhum drama aqui também, pois é um movimento de ajuste natural e que deverá continuar acontecendo com a progressiva retomada de realidade no mundo pós-vacina.
Não há bola de cristal que nos dê com precisão qual será o efetivo novo patamar de representatividade do e-commerce nos EUA (e no mundo) pós-pandemia. Certo é que haverá sim uma aceleração, bem como novos hábitos adquiridos e exercitados por meses acabarão por mudar radicalmente a percepção de valor e comodidade do comércio digital.
Por outro lado, fica aqui meu apelo: ainda dá tempo de apagar o slide com esse gráfico que você acabou de colocar naquela apresentação para falar das maravilhas da transformação digital durante a pandemia. Vai que alguém da platéia leu esse meu artigo.
Se você quer um consolo, até o professor Scott Galloway caiu nesssa. Então, estamos todos perdoados. 😉
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