O resgate da criatividade como solução possível para os desafios atuais
Da epidemia da solidão à “nova nostalgia”, paradoxos impulsionam buscas por respostas para questões complexas - e imaginação pode ser uma saída
Da epidemia da solidão à “nova nostalgia”, paradoxos impulsionam buscas por respostas para questões complexas - e imaginação pode ser uma saída
12 de março de 2025 - 11h30
O futurista Mike Bechtel subiu ao palco deste SXSW 2025 para trazer uma proposta ousada: na era em que vivemos, especializações são superestimadas. Para ele, o futuro da inovação não está em especialistas hiperfocados, mas na capacidade de cruzar disciplinas e expandir repertórios – menos profundidade, mais abrangência. Segundo Bechtel, a especialização gera melhores práticas, mas o que ele chama de “cross-pollination” – a contaminação cruzada de conhecimentos – é a verdadeira fonte de novas práticas. Ter bases mais amplas fomenta a versatilidade, o que seria uma das chaves para resolver os desafios emergentes.
Esta edição do festival destacou, em diversos momentos, um paradoxo que permeia a busca por respostas rápidas para questões complexas – e que se reflete no desenvolvimento de tecnologias para nos ajudar com desafios que a própria tecnologia criou. Enquanto Betchel trazia a multidisciplinaridade como uma dessas possíveis respostas, me questionei: em uma era dominada por consumo superficial e imediato de conteúdo sobre todo e qualquer assunto, não seria um pouco de profundidade justamente um caminho?
O acesso facilitado à informação contribui com a expansão de conhecimento e alimenta uma perspectiva positiva sobre a multidisciplinaridade – incentivando a manutenção da curiosidade que é base do aprendizado. Em outro paradoxo, porém, o excesso de informação e entretenimento tem impactado a nossa capacidade criativa – e, por consequência, as relações humanas. Já é claro, por exemplo, que estamos dentro de um ciclo que se retroalimenta: as redes sociais, cuja proposta inicial era focada em conexão, têm nos levado a um nível de isolamento que nos faz recorrer cada vez mais a elas, em busca de conexão e sentido.
Essa epidemia da solidão como fenômeno em desenvolvimento é centro de diversas pautas em Austin. Ela coexiste com o que a futurista Amy Webb destacou como o FOMA (Fear of Missing Anything) – ou o medo de estar por fora. O isolamento nos leva a uma pressão constante para conseguir acompanhar tudo, uma equação que envolve diversos agentes: consumidores, criadores de conteúdo, influenciadores e, claro, as marcas.
Esses contrastes refletem-se no comportamento de consumo, gerando impacto direto na forma de fazer marketing. Em um mundo saturado – inclusive por conteúdo de marcas – não surpreende que haja uma busca por conforto em elementos do passado, mas reinterpretados sob novos formatos que conversem com o presente. A ascensão da “newstalgia” – a nostalgia reinventada – traduz esse contexto de esgotamento, mas também revela insatisfação com a intensidade do cenário atual.
Como sintoma dos tempos, a “newstalgia” tende a ser cada vez mais incorporada na comunicação, especialmente para gerar ressonância com públicos Z e Alpha. Para essas gerações, o movimento é uma possível solução para as aflições geradas pelos tempos atuais, permitindo conexão com o que não foi vivido e o despertar de emoções inéditas e espaço criativo. A exaustão é tanta que tangibiliza essa tal “saudade do que nunca vivi” – um gancho e tanto para empresas em busca de repensar conexão e construção de comunidades.
Este conjunto complexo de paradoxos é terreno prejudicial para as questões de saúde social. Enquanto no presente olhamos para o futuro flertando com o passado, estamos reformatando estilos de vida e pertencimento. Nossos cérebros já estão treinados para as altas doses de dopamina que nem sempre a vida real oferece – e estamos moldando uma sociedade antissocial como nunca antes vista, quase ficcional.
E se é na ficção que encontramos algumas verdades, precisaríamos, então, voltar o foco à criatividade? Em uma das sessões do festival, a professora da Universidade da Califórnia Cassandra Vieten nos lembra que a ferramenta que conecta complexidade e criatividade é a imaginação – habilidade de explorar novas possibilidades que vem sucumbindo nesta era do scrolling. Entre o aprendizado abrangente – que nos torna culturalmente mais competentes – e a especialização – que permite a observação de fenômenos em diferentes escalas, o resgate da criatividade como plataforma para lidarmos com o desconhecido tende a ser, de fato, mais um caminho possível – não fácil.
Compartilhe
Veja também
Duração curta e novos locais: como será o SXSW 2026
Organização do evento detalha espaços das palestras e restringe acessos às badgets Interactive, Music e Film & TV
Convergência entre IA e XR evidencia a nova era das realidades imersivas
Especialistas no setor de realidade estendida (XR) debateram o futuro das realidades imersivas, passando pela convergência da XR com a IA e pela evolução do metaverso