Ana Karina Bortoni: o desafio de manter vivo o legado de Silvio Santos
Com carreira marcada por conselhos e cargos executivos, CEO do Grupo Silvio Santos aposta em estratégia e cultura do fundador para gerar impacto
Ana Karina Bortoni: o desafio de manter vivo o legado de Silvio Santos
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Michelle Borborema
27 de junho de 2025 - 8h16
Ana Karina Bortoni, CEO do Grupo Silvio Santos (Crédito: Arthur Nobre)
A trajetória de Ana Karina Bortoni, CEO do Grupo Silvio Santos, está longe de ser linear. De doutoranda em bioquímica a consultora da McKinsey e conselheira, de líder de transformação cultural para empresas de diferentes segmentos à primeira mulher a presidir um banco brasileiro, ela agora assume a missão de liderar um dos grupos empresariais mais simbólicos do país. O objetivo: manter vivo o legado de Silvio Santos enquanto prepara a holding para o futuro.
Para ela, as bases de sua trajetória nada ortodoxa, porém sólida, vem da mãe. “Sou a irmã mais nova e tenho dois irmãos. Minha mãe ficou viúva muito cedo, quando eu tinha 3 anos. Fomos criados por uma mulher muito inteligente e forte, uma referência”, lembra Ana Karina.
A mãe, professora universitária titular de linguística por muitos anos e com carreira acadêmica extensa, também foi central em sua formação. “Ela tem 80 anos e continua trabalhando, escrevendo livros e dando palestras. Ela sempre incentivou muito que a gente estudasse. Dizia desde cedo que as duas coisas mais importantes eram fazer as coisas com ética e estudar, que ia dar certo.”
Nascida em Rio Verde, Goiânia, cidade que nem chegou a conhecer, Ana Karina cresceu em Brasília até os 28 anos, quando foi para São Paulo. Formada em Química, com mestrado em síntese orgânica e doutorado em proteoma (mapeamento de proteínas), ela via a carreira acadêmica como um caminho natural, mas a curiosidade e o desejo de explorar novas possibilidades falaram mais alto.
“Eu estava com 27 anos, morando ainda com a minha mãe, porque tinha bolsa de doutorado, e entrei num estado de reflexão, de próximos passos”, conta. Chegou a fazer concurso público em Brasília, caminho comum entre os moradores da capital federal, mas sentia que não era sua vocação. A entrada na consultoria McKinsey, após incentivo do irmão, foi um ponto de virada.
“Achava que não ia passar, porque a seleção era difícil e não era minha área. Mas fui chamada para a entrevista e consegui. Negociei para ir seis meses depois, porque o laboratório tinha investido em mim. Mudei para São Paulo em 2000. O início foi muito difícil. Não sabia de business, nem de Excel. Foram seis meses de profundo aprendizado.”
Durante 19 anos na McKinsey, Ana se consolidou nas áreas de projetos para o setor financeiro, onde trabalhava para muitos bancos, e de organização, que envolvia liderança, gestão, transformação cultural e governança para empresas de diferentes segmentos.
“Acho que não tem um setor pelo qual eu não passei. Além disso, fui líder da prática de organização e do comitê de pessoas do instituto por muito tempo, para Brasil e América Latina.”
O convite para liderar o Banco BMG, em 2020, foi um movimento natural para Ana Karina, que era presidente do conselho da instituição há nove meses quando recebeu a proposta. Ela foi a primeira CEO mulher de um banco no Brasil.
“Para ser muito sincera, no primeiro momento, nem pensei no fato de ser mulher. Cursei química, onde éramos 10%. Depois McKinsey, que no ano 2000 tinha pouquíssimas mulheres. Só comecei a falar sobre isso quando a imprensa veio me perguntar.”
Hoje, como CEO do Grupo Silvio Santos desde dezembro de 2024, ela atua para orquestrar um ecossistema de negócios integrados que inclui as empresas SBT, Jequiti Cosméticos, Hotel Jequitimar, Liderança Capitalização, Sisan Empreendimentos Imobiliários e TQJ. O desafio principal é manter o legado do fundador, Silvio Santos, que faleceu há menos de um ano, e ter mais impacto no Brasil.
“O Grupo Silvio Santos é formado por uma das pessoas mais queridas do país, um empresário com uma cabeça de diversificação de negócios e com um propósito claro de dar alegria para a família brasileira. É uma honra muito grande estar aqui nesse momento.”
Para Ana, levar o legado de Silvo Santos adiante não é uma missão tão difícil. “Ele era um super empreendedor e sempre pensou em ecossistema. Então, não precisamos de fórmula, não devemos pivotar e seguir outro caminho. É só sermos empreendedores, termos impacto e reforçarmos a essência do fundador no contexto atual do mundo.”
Para chegar lá, a executiva, que está na holding desde 2015, quando entrou como consultora, tem focado em uma estratégia multicanal, no desenvolvimento de pessoas e na criação de sinergias entre as empresas do grupo. O plano, desenvolvido no ano passado pelas sócias e por conselheiros, incluindo Ana Karina, mira os próximos quatro anos.
“Participei desse trabalho de perto, porque era do conselho de administração do grupo desde 2023. Depois que saí do BMG, tinha a ideia de só atuar como conselheira, mas acabei mudando a rota, e esse é outro capítulo.”
Ana aposta em rituais com lideranças e colaboradores para reforçar o momento em que estão e desenvolver o ecossistema de negócio. “Temos uma reunião com os 200 líderes de todas as empresas juntos a cada trimestre. Porque a sinergia não pode ser só entre os CEOs, tem que envolver todo mundo. Você não cria um ecossistema se não criar rituais.”
Além da sinergia de custo, ela diz ser importante, também, uma integração de negócio e comunicação entre as empresas, mapeando as oportunidades que podem ser potencializadas entre as unidades de negócios do conglomerado.
“Um programa infantil do SBT, por exemplo, pode fazer um sorteio da Jequiti. Hoje, quando ligamos qualquer TV do Hotel Jequitimar, o primeiro ícone que aparece é o +SBT, nosso streaming. Levamos experiências para convenções no hotel, brincadeiras do Show do Milhão e outras ações, para que quem esteja lá se sinta no Grupo Silvio Santos.”
A executiva também cita a Tele Sena, que está cada vez mais multicanal e tem atingido as novas gerações, causando um impacto importante para o grupo. “Hoje, mais de 50% dos consumidores da Tele Sena são digitais, e é um público consumidor que só conhecia a marca pelos pais ou pelos avós. Acho que o fígital é o caminho.”
Por anos, Ana teve papel crucial em conselhos de diferentes setores e empresas relevantes do Brasil. Além do próprio Grupo Silvio Santos, ela foi conselheira do Masp, da Biolab e do 2W ecobank. Nesses dois últimos, também atuou como presidente. Integrou, ainda, o comitê de auditoria do Banco Carrefour e é mentora da Endeavor.
“Sempre fui aberta às possibilidades. Se tivesse que falar com a minha versão mais nova, diria: você tem que aproveitar o momento. Talvez por isso tenha funcionado tão bem atuar em consultorias por tanto tempo, porque são diferentes projetos, momentos, e meu espírito curioso, de aprender, é muito forte. Conselhos também trazem essa diversificação.”
Às vésperas de assumir a nova função, Ana decidiu deixar os demais conselhos dos quais fazia parte, mantendo-se apenas no do Iguatemi. “Conciliar a carreira executiva com a de conselheira só é possível em um, ou dois [conselhos], no máximo. Se não, você não agrega valor direito a nada. Para eu conseguir equilibrar vida, família, academia, não dá.”
Ana Karina avalia que esse seu perfil profissional a fez aceitar o novo desafio no Grupo Silvio Santos. “Infelizmente, perdemos nosso fundador. Por ser uma holding que atua em diferentes setores, e não um único negócio, está muito alinhada com meu background. Além disso, o momento do grupo e a conexão que tenho com as acionistas também foram importantes para minha tomada de decisão.”
Sobre a liderança, ela acredita na combinação entre propósito e disciplina. “Você tem que ter uma estratégia clara, comunicar bem. Não fazemos nada se não for por meio das pessoas. Por isso, acredito muito no engajamento e no propósito dos colaboradores, mas sem ser ‘wish washing’, sabe? É preciso de ações para que isso, de fato, seja real e faça diferença.“
Fora do trabalho, ela equilibra sua rotina com academia, pilates, família e amigos. “Sou muito caxias com isso. Saio do trabalho, de fato, na hora, e vou para academia. Prefiro malhar à noite, porque é quando eu desopilo do dia. Essa organização é muito importante para mim. Não funciono bem se eu não estiver conseguindo fazer essas outras coisas.“
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