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CFOs mulheres ganham espaço no Brasil, mas ainda são minoria

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CFOs mulheres ganham espaço no Brasil, mas ainda são minoria

Apesar da baixa representatividade e das barreiras, elas contribuem para desempenho, gestão de risco, governança e lucratividade das empresas


26 de maio de 2025 - 15h38

(Crédito: Jozef Micic/Shutterstock)

No Brasil, entre 2023 e 2024, houve um aumento de 5 pontos percentuais no número de mulheres em posições de CFO, saindo de 13% para 18%, segundo relatório do Insper em parceria com a Assetz. Apesar desse crescimento, os números ainda representam uma realidade de baixa representatividade, desafios e discriminação de gênero nesta área.

O estudo aponta que, mesmo representando apenas 18% da amostra, as mulheres são detentoras de 35% do total de certificações. “Ou seja, a questão não é falta de qualificação, mas falta de acesso e de reconhecimento”, reflete Silvia Vilas Boas, CFO da Natura e diretora de relações com investidores.

Silvia é uma profissional de 25 anos de carreira, nos quais passou por diversos setores, da indústria ao varejo, e em diferentes áreas como consultoria, inovação, recursos humanos, tecnologia, operações e também, naturalmente, finanças. “Essa diversidade de segmentos e funções me permite hoje ter uma visão mais transversal das organizações e uma grande capacidade de adaptação e articulação para lidar com situações complexas e variadas. Ao longo da minha trajetória, tenho defendido a diversidade, a colaboração e uma cultura de aprendizado contínuo como valores fundamentais”, avalia. Hoje, faz parte do comitê executivo da Natura e, além de CFO, é responsável pelo escritório de transformação na empresa.

Joana Lopes, CFO Latam da Bayer, enfrentou situações semelhantes. “Ao longo da minha carreira, enfrentei, sim, alguns vieses de gênero, que muitas vezes exigiram uma postura firme e uma entrega acima das expectativas para conquistar espaço e reconhecimento. Estar em salas de decisão sendo a única mulher era, e em alguns contextos ainda é, algo recorrente”, afirma.

A executiva tem mais de 25 anos de experiência em empresas multinacionais e é formada em engenharia de produção pela Escola Politécnica, da Universidade de São Paulo (USP), com MBA pela Universidade de Michigan. “Lidero com propósito e foco no desenvolvimento de pessoas. Hoje, tenho a honra de integrar a liderança da Bayer, onde a agenda de diversidade é estratégica e transversal”, reflete.

Assim como Joana, Elis Rodrigues, CFO da General Mills no Brasil, também passou por esse desafio. “Ao longo da minha trajetória, já me vi diante de ambientes em que precisei constantemente provar minha competência e legitimidade para estar ali. Situações em que as pessoas não prestavam atenção ao que eu falava, mas se um homem ao meu lado falasse a mesma coisa, tinha importância”, lembra. Elis também está há 25 anos na área de finanças. Formada em economia pela USP, já passou por empresas como P&G e Amazon, sempre na área de finanças.

Elis Rodrigues, CFO da General Mills no Brasil (Crédito: Divulgação)

Mesmo representando 51% da população brasileira, elas ainda enfrentam desafios para ocupar tais cargos, e os números só diminuem quando adicionamos segmentos de empresas. “A situação se torna ainda mais alarmante quando olhamos para as companhias de capital aberto: dados mostram que apenas cerca de 8% a 10% desses cargos são ocupados por mulheres [FEA-USP, 2025]. Além disso, segundo a B3, 55% das empresas listadas não têm nenhuma mulher em cargos de diretoria estatutária, e 36% não têm sequer uma mulher no conselho de administração [B3, 2023]”, destaca Silvia.

Para Ozlem Yesildere, CFO da Diageo Brasil de origem turca, essa baixa representatividade feminina tem origem em múltiplos fatores. “As expectativas tradicionais em relação aos papéis de gênero, a falta de modelos femininos e, provavelmente, o viés inconsciente nos processos de promoção continuam a dificultar o progresso. Como é uma função historicamente dominada por homens, as mulheres também enfrentam, com frequência, acesso limitado a mentorias e patrocínio, que são fundamentais para avançar até cargos de liderança no C-level”, aponta.

Ozlem é engenheira industrial de formação, com um mestrado internacional em economia e, hoje, tem mais de 25 anos de carreira em empresas multinacionais e diversos cargos de liderança em diferentes geografias. “Nos últimos 5 anos, estou na Diageo liderando as áreas de finanças e transformação digital na Turquia, além de integrar o conselho global de gestão de caixa com foco na eficiência do capital de giro”, conta Yesildere.

Outro dado da mesma pesquisa que reforça essa conclusão é a idade com que CFOs assumem a posição pela primeira vez. Enquanto para os homens a média é 38 anos, a idade média entre as mulheres é de 43 anos. Além disso, os homens têm uma média de tempo na posição de 9 anos, e, as mulheres, de 5. O que também demonstra como a representatividade feminina na posição é um movimento mais recente. No total, 39% dos CFOs também atuam em conselhos, sendo que 41% dos homens e 29% das mulheres ocupam essa função adicional. Esses dados refletem uma diferença de gênero na ocupação de múltiplos papéis executivos.

Para Ozlem, os desafios aumentaram conforme ela crescia profissionalmente. “Eles se tornaram mais explícitos à medida que avancei na carreira, especialmente depois de ter meus filhos e assumir posições mais seniores. Quando atuei como CFO no Oriente Médio, o ambiente de trabalho era muito dominado por homens e precisei me esforçar mais para estabelecer relações profissionais”, afirma.

Vieses inconscientes, baixa representatividade e falta de reconhecimento se somam às microagressões e preconceitos, principalmente em relação à maternidade. “Também deixei de ser considerada para vagas desafiadoras, sob a justificativa de que seria esforço demais para uma mulher casada e com filhos. Tive que aprender a ser muito clara nas minhas ambições e repetir quantas vezes fosse necessário. E não permitir que os outros decidissem por mim em relação à minha carreira”, revela Elis Rodrigues.

As potências da diversidade

De acordo com o relatório “The Future of Jobs 2023” do Fórum Econômico Mundial, as principais competências comportamentais para as lideranças são resiliência, flexibilidade e agilidade. Tais habilidades também são reforçadas no estudo “O Perfil do CFO no Brasil” de 2024, sendo citadas por 31% dos participantes. Entretanto, essas competências são mais citadas pelas mulheres (35%) do que pelos homens (29%). “Essa diferença pode indicar que as mulheres CFOs, possivelmente por enfrentarem desafios adicionais no ambiente corporativo, têm se concentrado mais no desenvolvimento de resiliência e adaptabilidade para gerenciar melhor essas adversidades”, aponta o texto.

“Tanto as necessidades dos negócios quanto a função financeira estão evoluindo, exigindo habilidades mais fortes, especialmente em construção de equipes, empatia e gestão equilibrada de riscos, áreas em que as mulheres naturalmente se destacam. Por isso, contar com mais líderes femininas em posições seniores certamente contribui para um desempenho empresarial mais bem-sucedido, para uma melhor gestão de riscos e governança mais robusta”, complementa Ozlem.

Ozlem Yesildere, CFO da Diageo Brasil (Crédito: Divulgação)

Além disso, a pesquisa do Insper destaca que as mulheres CFOs exibem uma comunicação superior, um comportamento ético mais consistente e são menos propensas a práticas de gerenciamento de lucros e fraudes contábeis, resultando em decisões financeiras menos voláteis e com maior credibilidade.

“Já está mais do que comprovado que empresas diversas alcançam melhores resultados. Por exemplo, estudos como o da McKinsey & Company mostram que empresas no quartil superior em diversidade de gênero têm 25% mais chances de superar seus pares em lucratividade. E, quando falamos em diversidade étnica e cultural, esse número sobe para 36%. [McKinsey, Diversity Wins: How Inclusion Matters, 2020]. Ou seja, a diversidade não é apenas uma questão ética, mas também um imperativo estratégico”, aponta Silvia.

Além disso, a inovação também está fortemente conectada com a presença de grupos diversos dentro de uma empresa. “Experiências e visões distintas são fundamentais para encontrar soluções para os desafios coletivos que enfrentamos, seja no campo das finanças, seja em qualquer outro”, destaca Joana Lopes.

Papel das empresas

Ainda de acordo com o estudo do Insper, 80% dos CFOs acreditam que suas empresas têm iniciativas sólidas para a promoção da diversidade e inclusão. Entretanto, existe uma diferença notável entre os gêneros sobre a experiência com o preconceito. 18% dos respondentes relataram ter sofrido algum tipo de preconceito ou discriminação no ambiente corporativo, e o gênero é a principal causa: 47% sofreram preconceito por serem mulheres.

Para mudar essa realidade, entretanto, é preciso ter metas claras. “As empresas precisam entender que, para eliminar o gap de representatividade das mulheres e de outros grupos, são necessárias ações afirmativas e, acima de tudo, intencionalidade. Os colaboradores de uma empresa devem refletir a diversidade da sociedade em que ela está inserida. Esse gap não será eliminado de forma orgânica, é preciso agir de maneira deliberada, com políticas e práticas estruturadas que promovam a diversidade e a inclusão”, reforça Silvia.

Silvia Vilas Boas, CFO da Natura e Diretora de Relações com Investidores (Crédito: Paulo Vitale)

“As empresas podem fomentar a presença feminina nas áreas financeiras implementando ações concretas, com a criação de políticas de recrutamento mais inclusivas, focando na diversidade desde os processos de seleção. Isso também passa por investir em formação e incentivar programas de mentoria”, complementa Elis. “Sou uma grande entusiasta de cotas, por exemplo, pois acho que são mecanismos válidos para aceleração da implementação de práticas de correção de injustiças históricas”, continua.

O trabalho não para por aí, e deve continuar para que a cultura interna seja acolhedora e inclusiva. “Também é fundamental oferecer planos de desenvolvimento que contemplem mulheres em todas as etapas da carreira e garantir um ambiente verdadeiramente inclusivo, com políticas de flexibilidade, apoio à parentalidade e combate aos vieses nos processos seletivos e de promoção”, aponta Joana. “Isso inclui estabelecer metas mensuráveis de diversidade, oferecer condições de trabalho flexíveis e investir em programas de desenvolvimento de liderança voltados para mulheres”, adiciona Ozlem.

Os líderes têm papel crucial nesta jornada. “Na Bayer, cada gestor tem acesso ao mapeamento dos marcadores de diversidade de sua equipe, o que permite identificar onde é preciso evoluir e construir estratégias com intencionalidade”, exemplifica Lopes. Pois, para além de estabelecer metas, ações e iniciativas para mudar a cultura, tais líderes precisam apoiar os talentos femininos internamente.

Joana Lopes, CFO Latam da Divisão Crop Science da Bayer (Crédito: Divulgação)

“É igualmente importante criar uma cultura de patrocínio, onde líderes seniores defendem ativamente os talentos femininos e deem visibilidade às suas conquistas. Além disso, permitir que os homens compartilhem mais as responsabilidades, por exemplo, com licenças-paternidade mais longas, também ajuda as mulheres a se manterem mais ativas no mercado de trabalho”, destaca Ozlem.

Sororidade promove transformação

Apoiar talentos femininos e abrir portas para as próximas CFOs se transformou num objetivo adicional para estas profissionais. “Ocupar um cargo de liderança em finanças sendo mulher é, sim, um ato de enfrentamento, mas também de construção. Hoje, entendo que minha presença nesses espaços não é apenas sobre a minha pessoa, mas sobre abrir caminhos para outras que virão”, afirma Elis. “Tive uma chefe CFO mulher que serviu de exemplo e abriu caminhos para mim. A troca de experiências fortalece, inspira e cria uma rede de apoio importante em uma área em que buscamos maior ocupação”, complementa.

Para a CFO da General Mills, a mentoria é um dos caminhos para esse objetivo. “Acredito muito no poder da mentoria: ajudar pessoas de forma customizada, compartilhando experiências, têm um papel de gerar confiança, aumentar autoestima e evitar que elas se sintam como eu me sentia no começo da carreira: alguém que não deveria estar ali. Isso precisa mudar, e as conexões entre quem trilhou o caminho e quem está começando pode gerar grandes frutos neste sentido”, reflete.

Frente a este cenário de baixa representatividade feminina, Silvia e um coletivo de mulheres fundaram a W-CFO Brazil, uma rede criada com o objetivo de ampliar a participação de mulheres em cargos de liderança na área financeira. “Em 2020, no meio da pandemia, um grupo de 30 CFOs mulheres começou a se reunir para discutir a baixíssima representatividade feminina em posições de liderança financeira e, principalmente, o que poderíamos fazer, juntas, para mudar essa realidade”, conta.

“Desde então, promovemos programas de mentoria, capacitação técnica e emocional, além de eventos e treinamentos voltados ao desenvolvimento de futuras líderes. Além de apoiar quem já ocupa essas posições, o W-CFO também realiza iniciativas sociais, oferecendo treinamentos em finanças pessoais e empreendedorismo para mulheres em situação de vulnerabilidade social. Hoje, somos mais de 130 associadas, uma rede de apoio e troca que se fortalece a cada dia”, afirma Vilas Boas.

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