Laura Florence e o ativismo por mais diversidade na liderança criativa
A ECD da Havas Health & You Brasil é cofundadora da MORE GRLS, projeto que visa incluir mais mulheres de todas as interseccionalidades na criação
Laura Florence e o ativismo por mais diversidade na liderança criativa
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Lidia Capitani
22 de agosto de 2023 - 9h00
Com quase 30 anos de carreira, a publicitária Laura Florence possui uma jornada profissional de sucesso, com passagens em grandes agências como Ogilvy, Publicis e Wunderman Thompson. Atualmente, Laura ocupa a cadeira de Executive Creative Director na Havas Health & You Brasil e atua na gestão da MORE GRLS, projeto cofundado com Camila Moletta, Diretora de Brand Experience Design na The Coca-Cola Company Latam, que discute as desigualdades de gênero na área criativa da publicidade.
Cinco anos atrás, Laura começou a se questionar por que havia poucas mulheres em posições de liderança criativa nas agências. Enquanto liderança da área, ela entendeu que precisava agir. Assim surgiu a plataforma MORE GRLS, um banco de talentos femininos criativos. De lá para cá, o projeto cresceu e se transformou em eventos, podcast, pesquisa, palestras, mentoria e workshops.
Nesta entrevista, Laura Florence fala sobre sua carreira profissional, o surgimento da MORE GRLS e discute como a área de criação pode avançar para se tornar um ambiente mais diverso e inclusivo.
Conte um pouco sobre sua trajetória profissional
Sou publicitária de formação em redação e trabalho desde 1993. Tenho quase 30 anos de carreira e passei por várias agências globais, como Young & Rubicam, Wunderman Thompson, DM9, Ogilvy, Publicis, R/GA, Dentsu Aegis e recentemente, Havas Health & You. No início, não percebia muito a questão de gênero no ambiente predominantemente masculino, mas logo após começar como redatora júnior, notei diferenças nos trabalhos atribuídos a mim e aos homens. Trabalhei principalmente em produtos relacionados ao trabalho reprodutivo feminino, como fraldas, absorventes e produtos de beleza.
Minha busca por diversificação me levou a migrar para o digital na agência R/GA, ganhando experiência em conceituações, contas internacionais e lançamentos regionais. Posteriormente, levei a inovação digital para um ambiente tradicional, avançando de Associate Creative Director para Diretora Executiva de Criação sem passar pelo cargo de Diretora de Criação. Transitei de agências tradicionais para digitais e, mais tarde, para conteúdo na agência LOV. Por fim, cheguei à agência Havas Health & You, sempre buscando diferenciação para destacar-me no mercado, algo comum entre as mulheres.
Paralelamente, percebi a importância de ampliar minha atuação em um cargo de poder, o que me levou a co-fundar o projeto More Girls, que tratava das questões de gênero na criação. Inicialmente, não havia consciência da desigualdade de gênero nessa área, mas ao longo dos anos, essa consciência cresceu. Embora haja avanços, a desigualdade de gênero ainda persiste, muitas vezes surgindo em comunicações enviesadas ou preconceituosas nos departamentos criativos. No entanto, continuamos a progredir e enfrentar esses desafios.
A MORE GRLS surgiu há cinco anos. Quais mudanças você identificou ao longo dessa jornada?
Muitas mudanças ocorreram em relação à conscientização do problema. Apesar de algumas melhorias nos números e na cultura, ainda não avançamos na velocidade desejada. Por exemplo, embora mais mulheres estejam entrando na criação, nossa presença ainda é limitada. Observamos uma queda ao longo das carreiras das mulheres, com poucas progredindo para posições de liderança. A proporção de mulheres nas maiores agências era de apenas 14% em 2019.
Nossa plataforma More Girls ajuda a mapear onde as mulheres estão trabalhando, suas posições e agências. Ela facilita a busca e contratação de profissionais para cargos específicos, preenchendo essa lacuna no mercado. Houve avanços na conscientização e na formação de comunidades de mulheres, que se unem para efetuar mudanças mais significativas. À medida que mais mulheres alcançam posições de liderança, elas estão influenciando outras a seguirem o mesmo caminho.
A mudança de critérios de desempenho é essencial. Atualmente, o foco recai em metas financeiras, o que ignora as diferenças de partida entre indivíduos. Devemos avaliar outras habilidades, como gestão, resolução de conflitos e capacitação de equipes diversas. Em relação à cultura, a diversidade traz valores que não se limitam a aspectos financeiros, como produtividade e impacto positivo no desempenho da empresa. No entanto, as métricas de avaliação e promoção ainda não refletem isso. Muitas vezes, critérios como prêmios e experiências anteriores excluem talentos valiosos.
Precisamos considerar qualidades como liderança, mediação de conflitos e gestão diversificada, além de buscar talentos fora do círculo usual de indicações. Nosso foco agora está na liderança e em trazer mudanças culturais que reflitam a verdadeira diversidade e valor das mulheres em todas as áreas do mercado.
Qual a importância da criação de redes de mulheres para o avanço da pauta?
Acredito que isso seja algo que podemos aprender do mundo patriarcal e também da natureza humana. A tendência natural é se sentir mais à vontade e confiante em fazer negócios com pessoas que conhecemos. Embora lutemos contra essa inclinação e destaquemos a importância de equipes com perspectivas diversas, é comum escolher pessoas com as quais temos afinidade para negócios. E essa afinidade geralmente está ligada ao conhecimento prévio.
Isso se aplica especialmente na nossa área. Por exemplo, é difícil apresentar uma profissional criativa em uma posição alta se a cliente não a conhece. Quando as clientes têm conhecimento e sentem afinidade com alguém, é mais provável que confiem e queiram trabalhar com essa pessoa. Se não temos uma presença forte no mercado, não conseguimos posicionar as mulheres em posições de destaque.
O networking desempenha um papel crucial nisso. É vital que as profissionais criativas estejam visíveis para as clientes. É importante que diretoras e CEOs de agências, embora em número reduzido, conheçam as criativas. Se observarmos de perto, muitos líderes de destaque têm como parceiros criativos homens, o que mostra a necessidade de ampliar esse conhecimento.
Devemos criar uma rede onde nossas principais aliadas sejam as próprias clientes. Isso não trata apenas de ajuda mútua, mas sim de construir uma base sólida e uma compreensão de que nos complementamos. Compartilhamos uma linguagem comum e estamos familiarizados com as maneiras de fazer as coisas. É natural que nos aliamos nesse contexto.
Como funciona a mentoria na MORE GRLS?
Nós temos alguns planos em andamento. Com a plataforma agora sendo gerida pela Tatil Design, esperamos uma melhoria substancial. Eu e a Camila, por exemplo, estamos envolvidas em mentoria por meio do programa More Growth. Nós desenvolvemos um método único e proprietário para isso. Ele consiste em três sessões onde buscamos compreender o problema, explorar como a pessoa se percebe, entender a perspectiva do mercado e discutir planos futuros. Essa abordagem em três etapas tem se mostrado eficaz.
Nossa visão para o futuro envolve a ampliação do treinamento de mentoras para que possamos expandir nossa rede de mentoradas. Atualmente, a mentoria fica predominantemente nas mãos da Camila e nas minhas, além de algumas pessoas que já estão familiarizadas com nosso método. Nosso objetivo é tornar essa metodologia mais conhecida e preparar mais mentoras para formar uma rede mais abrangente.
Quanto à metodologia em si, ela funciona da seguinte forma: Na primeira sessão, realizamos um exercício que não posso revelar, pois é nosso segredo, através do qual a mentorada compartilha suas percepções sobre si mesma. Isso nos ajuda a identificar pontos de foco, como autoestima, habilidades não reconhecidas ou objetivos conflitantes. A partir dessa compreensão, combinada com o conhecimento profissional da pessoa, começamos a identificar as áreas a serem trabalhadas.
Na segunda sessão, realizamos outro exercício e sempre deixamos um dever de casa entre as sessões. O segundo encontro aborda a percepção dos outros sobre o perfil profissional da mentora. Solicitamos que ela faça um questionário com três ou mais pessoas, buscando entender o quanto suas próprias percepções coincidem ou se conectam com a visão dos outros. Isso nos ajuda a explorar como sua narrativa profissional está sendo transmitida e identificar possíveis pontos de melhoria.
A terceira sessão concentra-se nos planos para o futuro. Após compreender melhor a identidade profissional e como transmitir essa história ao mundo, começamos a traçar passos para alcançar objetivos. A abordagem aqui é prospectiva. Um exercício final que aplicamos é imaginar sua vida profissional como um filme. Perguntamos à mentorada qual é a última cena, onde ela está, o que está fazendo, em que cargo, quem a cerca, etc. Mesmo que inicialmente cause um certo desconforto, esse exercício oferece clareza sobre as metas e os passos necessários para atingir esses objetivos.
Eu participo de diversos grupos de liderança feminina e percebo como o tópico do feminismo, da igualdade de gênero e dos números relacionados a essa causa estão se tornando cada vez mais populares. Atualmente, o que nos impulsiona é ver as mudanças que as mulheres estão trazendo. Observar como as mulheres em posições de poder estão transformando a realidade é algo que nos motiva. Continuamos avançando nesse caminho. Eu sinto que somos nós, mulheres, que estamos moldando o mundo.
Por fim, indique filmes, séries ou livros sobre a pauta de gênero.
Normalmente, eu forneço essas recomendações ao final de nossos encontros ou até mesmo como presentes no Dia Internacional da Mulher para minha rede. Na lista estão livros como “O Mito da Beleza”, de Naomi Wolf, que fala sobre como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres; “Mulheres que correm com os lobos”, de Clarissa Pinkola Estés, que conta mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem.
De podcast, eu indico o nosso “Job para ontem”, e mais dois episódios do programa Mamilos, um que se chama “O que é a economia do cuidado?” e o segundo “Diversidade nas empresas e conversas difíceis”. Já de filmes e documentários, destaco mais três: “Estrelas Além do Tempo”, “Madame CJ Walker” e “The mask you live in”, documentário sobre masculinidade tóxica.
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